Sétima Semana

Começa amanhã. Só quem anda por lá sabe como andam os rostos, os corpos e o espírito de todos nós, apenas ao fim de seis semanas. Em boa verdade, quase desde o dia um. Não sei se fica bem admiti-lo em público, tanta ainda é a vontade de muita gente nos amesquinhar. Não digam que é por causa dos alunos, elo igualmente fraco nesta engrenagem. É por causa de todos aqueles que sabem imenso e têm uma “visão sistémica” de tudo isto, aquela visão totalitária que apaga os indivíduos, as suas circunstâncias, o seu ânimo, as suas mais elementares aspirações, esmagadas por uma década horrível. Aqueles a quem não é possível perdoar quando voltamos, a cada 2ª feira, e vemos o mal feito, sem que qualquer responsabilidade seja assumida. A semana passada saiu de cena mais um dos executores destas políticas insanas, justificadas com a racionalidade própria dos extermínios calculados. Exagero? Talvez, mas nem sempre parece. Aguarda-se a recompensa, a colocação, a prateleira com os trinta dourados dinheiros a quem cumpriu a missão atribuída e foi incapaz, nas suas acções, de ser fiel às suas palavras.

Calendario

Manuais

Muito bom artigo no Público sobre a ficção, caucionada pelo MEC e pelas suas medidas anuais avulsas, que são algumas novas edições de manuais, obrigando alunos e encarregados de educação a deitar fora as “velhas” e evitando a sua reutilização. E obrigando o Estado a pagar muitos, mas mesmo muitos, milhares de euros, via Acção Social Escolar, às editoras que aplaudem este despesismo nascido de um modo profundamente errado de encarar a revisão dos conteúdos programáticos.

Aqui já não grande preocupação do MEC com as poupanças. E a primeira responsabilidade é sua.

aeiou

A Deslocalização Docente

Escrito originalmente para o ComRegras.

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Ao longo da minha carreira enquanto docente, nunca leccionei a mais de 25 km de casa, com a excepção que prova a regra a ser um part-time num estabelecimento privado, em lisboa, há coisa de 25 anos. Nunca passei, pois, pelo tipo de ordálio que fez e faz o quotidiano de muitos professores, com uma peregrinação anual em busca de colocação e a vida permanentemente em pantanas.

Mesmo enquanto contratado e sem especiais responsabilidades familiares, preferia perder um ou dois meses de salário, a ter de levar a casa às costas e ir à descoberta das maravilhas do país distante da minha casa. Sorte minha, a de ter passado uma dúzia de anos como contratado com a possibilidade de, pelo menos em meados de Outubro ou início de Novembro, encontrar um horário de substituição para todo o ano ou quase (embora ainda me lembre muito bem de estar dez meses com 18 horas, com contrato renovado mês a mês, à medida que a colega “efectiva” renovava o seu atestado).

A opção sempre foi por manter um mínimo de estabilidade na minha vida pessoal e familiar, porque dificilmente se desenvolve um qualquer trabalho com qualidade e concentração quando se está a passar por uma situação de instabilidade e insegurança.

Acho absolutamente vergonhoso que, depois de tantos retoques e enxertos legislativos nos concursos, ainda exista quem ache que é a “mobilidade” forçada é uma boa política de gestão de recursos humanos, pois permute poupar uns trocos. Como acho no limiar do abjecto, em termos éticos, que muitos comentadores de bancada considerem que a instabilidade laboral é um estado natural e que as pessoas se devem adaptar a ela “se é que querem ter um emprego”. Fazem-me sempre lembrar aqueles argumentos do género… “ah, se vivesses na Índia trabalhavas 15 horas por dia e ainda beijavas os pés do teu patrão”.

Não acho minimamente aceitável que o exercício da docência esteja sujeito, a menos que seja como recurso excepcional ou de forma voluntária, a deslocações diárias de muitas dezenas ou mesmo centenas de quilómetros em relação ao local de residência habitual ou à necessidade de arranjar domicílios alternativos, anos após ano. Porque, sem nos concentrarmos no argumento “corporativo”, isso não traz quaisquer vantagens, desde logo, aos alunos e ao funcionamento das escolas.

Porque a conversa habitual acerca da importância da “estabilidade” tem sentido em especial ao nível do trabalho desenvolvido com os alunos. Porque estas deslocalizações, seja de professores do quadro em mobilidade ou aprisionados em colocações distantes (motivadas, em dado momento, pelo receio de não ter qualquer colocação), seja de professores contratados anualmente para suprir necessidades que estão longe de temporárias, nada trazem de vantajoso ao sistema de ensino sem ser umas quantas poupanças marginais no orçamento. Sei que muito apreciadas por gente especialista na matéria, mas que ao nível do terreno plano da vida quotidiana das escolas e salas de aula só trazem desvantagens. Não apenas devido a atrasos nestas colocações, mas em especial porque acabam por acarretar de modo quase inevitável uma maior falta de assiduidade, estados de espírito perturbados pela desregulação da vida familiar, uma gestão de tempo distorcida pelas deslocações e mesmo uma situação material ainda mais desvantajosa devido ao acréscimo de encargos financeiros.

Da mesma forma, acho inaceitável que as regras actuais de gestão dos horários e de contratação de professores sejam tão rígidas que impliquem a abertura de concursos separados para o provimento de horários incompletos, quando poderia ser aberto apenas um com um horário completo, mais ou menos hora. Regras que fazem com que um docente esteja a leccionar 12 ou 15 horas numa escola e não possa acumular mais nenhuma, sendo obrigado a completar horário em outro agrupamento mais ou menos longínquo, mesmo se, por motivo imprevisto, se verificar a existência de um horário livre.

Há colegas que, mais do que uma violenta deslocação diária, são obrigados a várias, num circuito por 2 ou 3 escolas/agrupamentos que provoca um imenso desgaste, para conseguirem completar horário. Isto não beneficia seja quem for, excepto os obcecados em “amendoins” financeiros que se desperdiçam em outras despesas bem menos importantes.

Repito: não me parece que num cálculo custo/benefício, que não se limite a colunas de deve/haver em euros gastos ao fim do ano, este tipo de solução seja vantajosa. Porque desgasta os professores, porque reduz a autonomia das escolas na gestão dos seus recursos e, muito em especial, porque não assegura as melhores condições de trabalho com os alunos. Que ainda tenhamos 20-30% de professores submetidos a este tipo de instabilidade anual é, em meu entender, uma enorme vergonha.

caracol-do-Ambroise-Pare