Pelo Sol de Hoje – 2

E a modos que é assim,  a parte final da versão integral do depoimento que surge hoje no Sol.

4.       Desempenho do anterior governo

O anterior governo constituiu-se, no essencial, num continuador das políticas anteriores, de reforço do controlo burocrático das escolas e professores, na adopção de medidas destinadas pretensamente a tornar o sistema mais eficaz (leia-se mais barato), de redução brutal da rede do 1º ciclo, alimentando assimetrias graves no país, empobrecendo o currículo e precarizando a condição profissional dos docentes, enquanto proclamava uma retórica de autonomia das escolas e de aumento do “rigor”. Mo entanto, o grande traço distintivo entre as ultimas equipas do ME foi apenas a introdução de provas finais de ciclo no 4º e 6º ano, erradamente apresentados por muitos como “exames”. Nuno Crato foi uma enorme desilusão porque traiu na sua acção política muitos dos princípios que enunciara enquanto popular analista do fenómeno educativo.

5.       Medidas do novo ministério

Ainda é difícil perceber-se se existe mesmo um novo rumo na educação. Por via parlamentar, talvez para evitar o embaraço de uma iniciativa governamental nessa matéria, foram eliminadas as provas finais de 4º e 6º ano, anunciando-se um sistema de provas de aferição que apresenta algumas ideias interessantes mas também falhas de concepção e, neste momento, claros atrasos no calendário da sua implementação, reforçando a ideia de que esta aferição de pouco vai interessar.

Há algumas boas medidas que passam pela eliminação de péssimas decisões herdadas dos últimos governos, como a polémica Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências (PACC), a morosa Bolsa de Contratação de Escola (BCE) ou a via demasiado precoce do chamado “Ensino Vocacional”.

Mas há também o anúncio de medidas que revelam uma concepção de escola algo terceiro-mundista como a “escola a tempo inteiro” que não tem paralelo nas nações mais desenvolvidas em termos educacionais ou sociais e que mais não passa do que da transformação da escola numa instituição assistencial para remediar a incapacidade de regular o tempo disponível para as famílias estarem com as suas crianças e jovens.

E há ainda a enorme omissão sobre temas como a flexibilização do modelo de gestão escolar, o fim do processo de concentração da rede escolar em “unidades de gestão” cada vez menos humanizadas, a recuperação de tudo o que foi perdido em termos de carreira docente ou mesmo o exercício de verdadeira autonomia das escolas, agora ameaçada por um processo de municipalização de grande parte das suas competências.

6.       Forma de avaliar os alunos

As principais mudanças passaram pela oscilação dos critérios de avaliação externa, com a extensão de provas finais a todos os ciclos do Ensino Básico pelo anterior governo e a sua eliminação no 4º e 6º ano, por via parlamentar, no fim de 2015. Quando ao resto, permanece sempre a imensa pressão para produzir “sucesso” a todo o custo, atribuindo sempre a responsabilidade do “insucesso” dos alunos aos professores, aos quais é exigida a legitimação de todo os actos menos conformes com os desejos da tutela. O discurso recente deste ministro faz-me pensar que, nessa matéria estamos de regresso ao passado e a uma concepção abusiva da “pedagogia do sucesso” dos anos 90 do século XX.

7.       Reorganização escolar

Os últimos anos assistiram à consolidação de duas tendências que acho profundamente nocivas e que resultam da aplicação de teorias de gestão, importadas do mundo empresarial para as escolas, alegadamente para as tornar mais eficazes e reforçar a “responsabilização” dos agentes educativos.

Uma delas foi a imposição de um modelo único de administração escolar, que eliminou quase todos os vestígios de procedimentos democráticos nas escolas, substituindo-os pelos princípios da nomeação hierárquica, sem qualquer tipo de abertura a outras soluções, nomeadamente as colegiais e de partilha das decisões e responsabilidades.

A outra foi a reconfiguração da rede escolar, tornando-a concentracionária e macrocéfala, mesmo a nível local, apostando em “unidades de gestão” com milhares de alunos e centenas de professores e funcionários, o que desumaniza as escolas e contraria as teorias que consideram que as “escolas à escala humana” são as mais eficazes em termos educacionais, mesmo se eventualmente menos baratas no funcionamento.

Resumindo, apostou-se na transformação da organização escolar num simulacro de “empresa” em que os alunos perdem o seu rosto individual para se tornarem “clientes” de um “serviço” cujo “patrão” (Estado) deve assegurar com base no menor encargo possível.

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10 opiniões sobre “Pelo Sol de Hoje – 2

  1. li um artigo interessante do Boaventura SS no JL. Faz uma análise mais abrangente e com um enquadramento ideológico interessante. Sobre esta temática.

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    1. Exato: mas é preciso que isso chegue ao professor mais anónimo, ao mais pequeno, ao mais desanimado, ao mais deprimido. Há aí todo um trabalho a fazer … por quem? Pelos centros de formação, pelos sindicatos, pelos curiosos, pelos optimistas, enfim por nós todos! Uma onda de desagravamento…é o que nós precisamos! (menos queixas e mais orgulho!)
      Já disse que na minha escola há pessoas deprimidas, em casa, com atestados…imagina o que uma campanha destas poderia fazer pela sua autoestima! 🙂

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