Gostar da Escola (Ou Não)

Leio de raspão várias notícias (é o caso desta) acerca de um estudo da OMS em que se apresentam dados em que os jovens portugueses são dos que menos gostam da escola. Este gráfico suporta essa leitura. Vou em busca de explicações, mas percebo que esse desgostar não é causado pela pressão do trabalho escolar como se pode verificar por este outro gráfico, em que os alunos portugueses de 11 anos estão perfeitamente na média ou mesmo abaixo no caso dos rapazes.

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Muito interessante ainda é que essa pressão é sentida (ou não) de forma perfeitamente equivalente conforme sejam famílias com rendimentos mais altos ou mais baixos. O que é curioso e contraria ideias feitas. Ou alguma coisa está errada nisto tudo.

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Ai a Minha Vida!

Um colega aposentado leu o meu artigo de hoje no DN, arranjou o meu número de telemóvel junto de outro colega, comum amigo, e ligou-me em horas de quase janta para dizer que discordava do que escrevi. Tudo bem. Eu sublinhei que o texto tem por cima a expressão “OPINIÃO” e que escrevi exactamente que não há fórmulas únicas nestas matérias. A discordância é bem vinda.

Mas…

A pessoa insistia em dizer que eu tinha escrito “Sou contra “contratos” com cláusulas“, o que, em seu entender está errado, porque a sociedade é baseada em contratos e não podemos estar contra eles. Eu respondia que escrevi “Sou contra “contratos” com cláusulas que os tornam impossíveis de cumprir”, o que é bem diferente de estar contra contratos ou contra contratos com cláusulas, mas sim contra contratos com cláusulas que os tornam impossíveis de cumprir. Consegui perder quase 15 minutos da  minha vida neste tipo de discussão estéril, a tentar não ser indelicado com alguém que – para melhorar o ridículo do episódio – parecia de audição escassa, em que alguém recorta parte do que é escrito e escabeceia contra isso, recusando-se a ler a frase na sua versão complexa e não simples.

Há um amigo meu que no almoço de curso deste ano as vai pagar…

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Indisciplina(s) – 2

O texto do DN de hoje com uma ligeira correção verbalno final.

Indisciplina(s): Algumas notas em aberto

A indisciplina é um tema recorrente nos debates sobre o estado da Educação, o ambiente vivido nas escolas ou as dificuldades em gerir as salas de aula. Apesar disso e da aparência consensual da matéria há muita dificuldade em chegar a acordo quando se trata de definir de forma rigorosa o que assim se deve considerar ou como gerir as suas diversas manifestações.

A minha definição é simples e tem uma base funcional: indisciplina é o conjunto de comportamentos por parte dos alunos que, de forma consciente e voluntária, procuram perturbar as actividades desenvolvidas na sala de aula pelos professores ou pelos colegas. Só depois da sua identificação clara, sem necessidade de tipologias muito complexas (há situações que podem ser indisciplina num contexto e não em outro), é que procuro partir para o resto, desde a sua contextualização (individual ou de grupo) à sua prevenção e/ou remediação, sempre com a plena consciência de que não existe uma fórmula mágica que permite resolver tudo. E esse talvez seja o primeiro grande passo para qualquer docente: entender que nem tudo o que funciona consigo ou com outros com determinadas turmas ou alunos é generalizável a todos os casos.

É essencial que exista simplicidade e harmonia na forma de tratar as questões da indisciplina do enquadramento legislativo à gestão da sala de aula. Comecemos pela macro-escala: os diplomas sobre esta matéria devem ser simples e não procurar decalcar uma espécie de código civil ou penal para as escolas, devendo reservar a para o regulamento interno de cada uma a definição dos aspectos e procedimentos específicos mais adequados a cada comunidade escolar. Ao nível da escola/agrupamento essa definição deve ser feita tendo em atenção as particularidades de cada ciclo de escolaridade, disciplina ou espaço pois é diferente o que perturba uma aula teórica de História, uma aula experimental de Ciências ou uma aula prática de Educação Física. Deve ainda existir em cada escola, em meu entender, um órgão próprio com uma equipa pequena de professores ou outros técnicos com a função de detecção precoce e acompanhamento (tutoria) dos casos mais problemáticos, com poderes de intervenção rápida nas situações de indisciplina mais recorrentes, assim como de coordenação dos procedimentos disciplinares.

Ao nível da sala de aula, é muito importante uma definição bem explícita por cada professor dos limites do que é (ou não) aceitável, sempre com alguma margem de flexibilidade para a sua aplicação e uma preocupação máxima de justiça na aplicação de eventuais sanções. Sou contra “contratos” com cláusulas que os tornam impossíveis de cumprir, mas igualmente contra abordagens casuísticas que deixem os alunos sem ter um referencial claro para o seu comportamento.

Todas estas dimensões devem articular-se de forma harmoniosa, sem desautorizações verticais ou horizontais, sendo indispensável um trabalho concertado, a partir do 2º ciclo, ao nível dos Conselhos de Turma, não necessariamente no sentido de uma uniformização total das regras, mas de concertação das estratégias comuns de gestão dos comportamentos considerados inaceitáveis.

Claro que tudo isto esbarra num elemento fundamental: mais do que dominar a teoria da gestão de conflitos, os docentes devem ter uma capacidade de relação interpessoal que lhes permita ter uma autoridade reconhecida pelos alunos como justa. E isso é algo que não se aprende nos livros, em exames ou em formações apressadas. Aprende-se com a experiência, a partilha de experiências e a disponibilidade para aprender.

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Indisciplina(s)

Nos 3500 caracteres do artigo que acompanha esta peça da edição em papel do DN de hoje muita coisa ficou necessariamente de fora. Para além do que lá escrevo e do que a própria notícia refere (a importância da redução do número máximo de alunos por turma) gostaria de deixar ainda mais umas três notas sobre o tema da prevenção da indisciplina e da gestão dos conflitos na sala de aula e no espaço escolar:

Mega-agrupamentos: o sobredimensionamento das “unidades de gestão” escolar quebrou em muitas zonas uma relação de proximidade entre os órgãos de gestão e o quotidiano das salas de aula, em especial quando todas as decisões passam por um único centro, na escola-sede, retirando às restantes escolas (do 1º ciclo, mas também das de 2º/3º quando a sede é uma Secundária) a capacidade de intervenção rápida e a visibilidade de quem é responsável pela gestão destas matérias. Não estranho, por isso, algum acréscimo de situações de indisciplina em escolas já de si problemáticas a quem foi retirado um centro autónomo de decisão nestas matérias. A desumanização das relações pessoais e pedagógicas também passa por aqui e tem consequências a curto/médio prazo.

Envolvimento dos pares: é indispensável que se envolvam de forma activa os alunos na prevenção e gestão das situações de indisciplina, ao nível da escola, do ciclo ou ano de escolaridade e da turma. A existência formal de delegados de turma nada resolve se nada passar de um atributo esvaziado de conteúdo ou atribuído de forma acrítica a alunos sem influência sobre os colegas. Para além disso, é necessário que s órgãos de gestão das escolas, as chefias intermédias com atribuições em matérias disciplinares ou os directores de turma (se) envolvam directamente (com) representantes dos alunos, transferindo-lhes, em especial a partir do 3º ciclo, algumas responsabilidades neste campo.

Cultura de escola: conheci directamente um dezena de escolas nos meus primeiros 15 anos de docência e muitas mais de forma indirecta ou em visita ocasional nos últimos anos e confirmei o que todos sabemos: há formas muito diversas de gerir a indisciplina, desde as escolas que conseguem estratégias eficazes para a reduzir até ás que preferem cosmetizar estatísticas, limitando muito a acção disciplinar mesmo quando esta se justifica. Há escolas de linha dura e escolas fofinhas. umas conseguem os seus intentos e criam uma óptimo clima de escola através de uma cultura (mais ou menos rigorosa, mas sempre clara e sem subterfúgios) de escola positiva, participativa e segura, onde todos os elementos da comunidade educativa sabem os seus papéis, responsabilidades e consequências para a quebra das regras; outras perdem-se em devaneios ou indecisões, provocam insegurança em professores e alunos e podem mesmo suscitar uma cultura laxista onde cresce a sensação de impunidade. Também aqui, como individualmente com os professores, é necessária uma partilha de experiências, transparente, sem demasiadas obsessões com a imagem transmitida, visando perceber o que funciona em contextos aproximados. Sem pavoneios de uns ou o receio de exposição de outros, para não acabarem todos em declarações do tipo na minha escola não há problemas disciplinares. Ficando uns a falar interminavelmente e outros a nada ouvir, mesmo o que pode ser relevante.

Calvindancing