‘Tadinhos dos Pobrezinhos!

Não sei que tipo de preconceito me irrita mais a este respeito, se o preconceito-jonê, se o preconceito-remorso do~pequeno burguês de esquerda.

A propósito deste post no Ladrão de Bicicletas sobre o qual nada de especial tenho a dizer (apenas que a malta do mainstream chega, em regra, tarde ao conhecimento destes dados e gruta Eureka), o João Paulo escreveu no FBook o seguinte:

Quem tem sugerido exames poderia comentar por favor? Quem acha piada aos quadros de honra pode comentar, por favor?

Ó faxavor, é já a seguir… até porque me sinto visado, pois não assobio para o lado, mesmo se não acho piada aos quadros de honra ou mérito, achando-os apenas uma coisa normal, sem que dela arranque sintomas terríveis de um regresso ao fascismo ou de uma prática para favorecer os “ricos”, até porque esses não precisam de quadros de mérito para se distinguirem e separarem do resto da malta.

Eis o que me irrita nesta versão de esquerda do “tadinhos dos probrezinhos”:

  1. Este tipo de atitude é profundamente preconceituoso e estereotipado em relação à capacidade de desempenho dos alunos socialmente menos favorecidos, como se existisse um determinismo que é impossível combater sem eliminar obstáculos, em vez de promover acções positivas. Há uma tendência de que devemos estar conscientes no sentido de a contraria, mas outra coisa é querer apresentar tudo como sendo uma lei científica do pobrezinho=mau aluno, portanto vamos lá ver se escondemos isso.
  2. Os “exames” são péssimos, a menos que provem as nossas teorias. Nesse caso, os PISA já são bons e não servem para fazer o mal às crianças e jovens.
  3. Devemos, numa lógica proletária de lutas de classes, eliminar tudo o que “favoreça os ricos”, mesmo que por tabela também atinja todos os outros que, não o sendo, gostam de ver o seu trabalho reconhecido?
  4. Em escolas onde quase todos os alunos têm problemas sociais e económicos, ninguém tem direito a destacar-se e a ser reconhecido pelos pares em função do mérito? É que a mim parece que há pessoal que só vê a vida a preto e branco, com preto e brancos, ricos e pobres, bons e maus. No meu caso, tanto pela origem, como pelo meio onde trabalho, estou mais habituado a conviver com o lado “de baixo” da sociedade e a ver como esses alunos se sentem felizes quando lhes reconhecemos o mérito publicamente, sem ser apenas com palmadinhas nas costas e parlatices diversas.

Mas, como sou uma pessoa aberta a experiências, eis algumas propostas minhas para aperfeiçoar esta teoria que nos anos 90 teve efeitos devastadores no ambiente das escolas (um dia eu terei de recordar coisas que se passaram, mas que muita gente não viveu, estava distraído ou se esqueceu, por conveniência ou degenerescência) e no próprio clima de sala de aula:

  1. Como no estudo em que se recolheram os dados a relação estabelecida é entre as habilitações escolares das mães e o desempenho dos alunos, na lógica de eliminação do que diferencia “pobres e ricos”  deveremos proibir as mães de estudar para dar maior igualdade de oportunidades aos alunos?
  2. Como os sinais de mérito promovem a competição e potenciam a desigualdade, vamos acabar com as medalha do Desporto Escolar e com classificações nos campeonatos da diversas modalidades?
  3. Vamos implodir a graduação das listas de professores para efeitos de concurso, pois o mais certo é os mais graduados serem filhos de mães com mais habilitações e até serem de estatuto socio-económico mais favorável, visto poderem ter mais tempo de serviço e, por isso mesmo, terem ganho mais dinheiro.
  4. Passamos a chamar “exames” a toda e qualquer prova feita no final de um ano, independentemente do peso que tenha na classificação final dos alunos?

Uma última dúvida que se me acometeu agora… daquelas que me acontecem quando esbarro em paradoxos: se é tão forte esta crença anti-sinais exteriores de mérito, porque criticaram o Crato quando deixou de passar o cheque de 500 euros aos melhores alunos do Secundário? De acordo com a lógica do determinismo socio-educativo que defendem, eles já não seriam “ricos”?

(dispenso críticas muito ácidas a estas minhas observações de pessoal que coloque muitos diplomas da sua descendência ou alunos nos seus murais das redes sociais, ok?)

smile

Como é Possível?

Pessoas bem formadas e informadas, que eu acho altamente estimáveis pelo seu próprio currículo, escreverem coisas como esta que está hoje num artigo colectivo no Público?

O aluno que ingressa num “curso vocacional” beneficia de apoios sociais e pedagógicos específicos que procuram colmatar insuficiências de aprendizagem e desigualdades decorrentes do seu contexto familiar e socioeconómico, oferecendo-lhe oportunidades de recuperação e permitindo uma melhor adaptação dos currículos aos seus interesses.

De acordo com a lei, estão asseguradas as transições no caso de o aluno, posteriormente, vir a optar pelo reingresso no ensino regular ou pelo prosseguimento de estudos para o ensino secundário, bem como a prossecução de estudos de nível superior, se o aluno/a o pretender. Os alunos que frequentam os “cursos vocacionais” prestam provas idênticas aos alunos do ensino regular no final dos ciclos (6.º e 9.º ano) e obtêm os correspondentes certificados.

As coisas não são bem assim (é sempre conveniente voltar à legislação que criou estes cursos, a portaria n.º 276/2013 de 23 de Agosto). Aliás, basta descer ao terreno para se perceber que para estes cursos são encaminhados, em regra, os alunos que pretendem escapar às provas finais do 9º ano (as de 6º foram eliminadas) ou que se acha que não conseguirão reunir condições para as fazer com sucesso. Eu percebo que quem esteve do lado da sua implementação queira salvar a todo o custo o seu projecto, mas…  com um mínimo de ligação à realidade concreta global.

E, já agora, quando se escreve que:

A nosso ver, o desafio que se coloca é, pois, o de aprender com a experiência, eliminando efeitos perversos, aproveitando com os erros para a sua correcção, retendo o positivo para o integrar e desenvolver num quadro mais vasto de uma estratégia global de acção com vista a melhor educação para todos. Em particular há que reconhecer e destacar o papel desempenhado pelos professores, auscultar as suas opiniões e aproveitar das suas respectivas experiências.

…não se poderia ter aplicado o mesmo quando a generalização destes cursos se fez à custa da terraplangem de tudo o que antes existia? Não se poderia ter aplicado o mesmo princípio a uma reformulação dos chamados PCA – Percursos Curriculares Alternativos, que já continham quase tudo aquilo que os “vocacionais” do Básico pretenderam ter?

O problema é que estamos sempre naquela deriva narcisista em que cada mandato tem de trazer nomes novos às coisas para parecer uma “grande reforma”. No caso dos vocacionais do Básico a principal alteração foi exactamente a mais incongruente, ou seja, a pseudo-faceta profissionalizante num contexto de escolaridade obrigatória de 12 anos. Até porque, como se esclarecia oficialmente “os cursos vocacionais conferem o 6.º ou o 9.º ano de escolaridade, ainda que não confiram certificação profissional”.

Que é preciso uma solução para os riscos de abandono escolar (que andam a ser barbaramente subavaliados para dar a sensação que todas estas coisas são um “sucesso”)? Claro que sim, mas não há custa de ficções piedosas e profissões de fé em intenções não verificáveis na prática. Porque combater o abandono não é criar mecanismos formais ou informais para o subregistar nas estatísticas oficiais. E é isso que se faz quando se pressionam as escolas para criar cursos destes e apresentarem taxas de conclusão preferencialmente de 112% ou então a avaliação dos órgãos de gestão ressente-se e aparecem umas pessoas por lá a vasculhar os papéis de dedo apontado a quem não produzir o sucesso desejado.

Pub24Mar16

Epifenómenos

É interessante como há quem escreve muito e de forma dramática contra o muito e dramaticamente que se escreve sobre a avaliação dos alunos do Ensino Básico.

Concordo. Embora não seja dos que desvalorizam o tema como se fosse de uma menoridade tão atroz que lhes faz encarquilhar os dedinhos dos pés com o horror.

Por isso mesmo é que gostaria de ver essas pessoas escrever muito, dramaticamente ou não, sobre aspectos bem estruturantes como: modelo de gestão escolar, do ponto de vista da concentração da rede escolar e também quanto ao modelo de funcionamento interno das escolas; (inter)municipalização da educação e esvaziamento da autonomia das escolas; requalificação assimétricas dos equipamentos escolares; continuação do bloqueio da carreira docente e envelhecimento do pessoal docente. E gostava ainda mais que o fizessem de forma coerente, sem súbitos rodopios de acordo com a cor do momento.

Até porque também passa por aí a possibilidade de se construir uma Educação do Futuro, justa, equitativa e de qualidade. E não tanto por revisitarmos teorias por demais conhecidas.

Porque também não passa de um epifenómeno andar-se a produzir prosas abundantes sobre a utilização de gadgets na sala de aula, quando temos estores por reparar, mesas de há 30 anjos e cadeiras com cábulas escritas desde o século passado. A menos que seja para fazer Educação Física Virtual nas escolas sem pavilhões adequados ou com eles a cair pacientemente aos pedaços.

Smiling

Contorçociononismo Torcicolado

Um dos pais da ideia de fazer da avaliação deste ano uma manta de retalhos lamenta a falta de diálogo que ele próprio ajudou a delinerar, de certa forma, validou ao – de acordo com a Renascença que está para o actual presidente como a acção socialista para o governo actual ou o observador para os órfãos do anterior (a TVI é mais como um boletim municipal para um presidente de câmara) ter sido ele a enxertar a ideia de fazer boca-a-boca às provas de 4º e 6º ano após o seu estertor final e a achar a boa ideia do fazes-se-quiseres-mas-se-não-fizeres-és-um-menino-mau.  A nota da presidência consegue, por comparação, fazer a do ME parecer um monumento de clareza e resvala, com alguma previsibilidade política, para o a-culpa-não-é-minha. Para primeiro acto de evidente colaboração institucional não vai nada mal. Nota 9/10 na categoria continuo-a-quer-agradar-a-gregos-e-troianos-mas-assim-ainda-me-lixo. Até porque dá a entender que foi ele que teve a ideia de dar “liberdade” e “autonomia às escolas” para tomarem as suas decisões e não o ME, o que é sempre divertido quando se lêem escritos da malta das esquerdas e do sindicalismo responsável da FNEprof a aplaudir a solução.

Contorcionista