Parte 1

Da entrevista ao Jornal de Letras desta quinzena.

JL/Educação: O que o levou a escrever as Memórias da Grande Marcha dos Professores, agora, passados oito anos sobre o acontecimento?

Paulo Guinote: A ideia surgiu a partir de um convite da editora, Bárbara Simões, e de um encontro em que se discutiram várias possibilidades de colaboração. Tive a felicidade de ter sido aceite esta proposta que andava já há algum tempo a interessar-me, até em virtude da ausência de inversão de muitas das políticas educativas que uniram naquele tempo, na oposição à sua implementação, os professores. Quis escrever um livro que desse voz aos participantes “de base” da manifestação e não confrontar os discursos oficiais dos atores institucionais.

Estamos a falar da maior manifestação de professores que já aconteceu em Portugal, com cerca de 100 mil participantes. Esta grande mobilização também o interessou?
Foi um momento singular na nossa sociedade. Quer pela forma como decorreu, desde a mobilização (com grande suporte dos meios digitais) ao seu desfecho (uma multidão ordeira que desagua no Terreiro do Paço para cantar o hino nacional), quer pelo impacto que teve. Interessava-me, sobretudo, preservar a memória desse momento. Publicar um livro que, mesmo com as suas lacunas ou com a clara admissão de não ser um olhar neutral, “lutasse” contra o esquecimento e a truncagem ou manipulação do passado.

Considera que não se lhe deu a devida importância?
Parece-me que é um acontecimento que interessa deixar cair no esquecimento. Além disso, tem-se sublinhado o papel inovador de outras manifestações posteriores – como as que ficaram conhecidas como “Geração à Rasca” ou “Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!” – no que diz respeito ao processo de mobilização em rede de grandes massas. No fundo, tem-se tentado esvaziar o significado singular que aquela manifestação teve naquela altura.

Como recorda esse dia 8 de março de 2008?
Foi a primeira grande manifestação a que fui, de resto só tinha participado em pequenas manifestações locais de preparação para essa. Recordo esse dia como um momento de ansiedade e descompressão. Ansiedade porque não sabia bem o que iria acontecer, apesar dos sinais de que seria algo diferente de tudo o que se tinha passado até esse momento; de descompressão pela alegria e o sentimento de comunhão que cedo se instalou entre gente de todas as zonas do país, origens académicas e situação na carreira.

Como explica tamanha adesão?
Resultou, antes de mais, de um sentimento generalizado de injustiça e de atentado à dignidade profissional de muita gente que, com este ou aquele defeito e independentemente da existência de melhores ou piores exemplos individuais, sempre procurou desempenhar a sua função com brio e profissionalismo. A forma como os professores foram publicamente achincalhados por diversos governantes, de toda a equipa do Ministério da Educação ao próprio primeiro-ministro, a que se acrescentaram muitos ecos na opinião pública, causou uma comoção enorme que se juntou ao repúdio de medidas como a divisão da carreira em duas categorias ou uma avaliação de desempenho que era um monstro burocrático. Em seguida, o facto de tudo isso se ter passado num momento em que os novos meios de comunicação digital estavam a ganhar um enorme impacto na sociedade, permitiu uma partilha inédita de experiências, o estabelecimento de redes informais de contactos por todo o país e uma sensação de pertença a uma classe profissional colocada em cheque perante a opinião pública e os seus próprios alunos.

(continua…)

PG JLetras 30Mar16

 

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