Novo Dicionário Educacional – Letra I

Inovação – conceito bastante abrangente que leva no seu regaço todo o tipo de práticas que alguém, algures, considera nunca ter sido feito, mesmo que o tenha sido já muitas vezes, ou então algo que fica bem dizer num discurso quando não se sabe bem o que dizer em concreto sobre um dado tema, o que, em Educação, acontece com frequência com pessoal político dos mais variados escalões ou com especialistas com um projecto (verbete na letra P) na manga a precisar de apoio ou subsídio. Na sua amplitude, este conceito pode dar abrigo a várias práticas que, em regra sem excepção, se destinam a aumentar o sucesso dos alunos.

1. Algo que alguém num gabinete acabou de ler num artigo qualquer de uma revista ou jornal lá de fora ou que lhe chegou em forma de projecto por mão amiga e que acha o máximo dos máximos ser implementado entre nós. A fase seguinte é conseguir que a ideia seja transformada em experiência-piloto (verbete na letra E) e generalizada ao sistema de ensino público um ano depois, a menos que precise de uns grupos de trabalho (cf. letra G) para aferir da sua evidente importância e nesse caso pode demorar dois anos. É quase regra universal que se traduza em qualquer coisa em forma de  transversalidade (verbete incontornável na letra T), alfa e ómega de tudo o que se pretenda inovador. Exemplo de uma inovação de esquerda: Educação para a Saúde (que, credo, para a Sexualidade feria susceptibilidades); exemplo de inovação de direita: Educação para o Empreendedorismo.

2. Prática que um decisor local (leia-se director, mas acredito que em breve será mais vereador ou presidente de câmara) quer desenvolver porque a acha gira ou porque tem mesmo as pessoas certas para o fazer, em especial se a coisa em si ficar bem num relatório para a avaliação externa, por conduzir à diminuição das estatísticas do insucesso e abandono escolar. Há alguns tempos atrás garantia requisição ou destacamento certo a quem aceitasse a missão. Nos tempos de hoje, pode dar direito a recondução, contratação de escola mesmo a partir do fundo da lista (com o parâmetro de conhecimento da realidade da escola ou de perfil adequado a projectos inovadores), contratação de um formador especializado ou a um horário mais criativo no caso de professor já enquadrado.

3. Proposta de trabalho com alunos com um modelo alternativo de organização das práticas ou horários, apresentada por um professor ou grupo de professores sem consulta prévia às hierarquias, que não se enquadra nas categorias anteriores e que entra em conflito com as rotinas de inovação já existentes. Em regra, a sua recusa resulta de se considerar ser um experimentalismo pedagógico sem fundamento, sem exemplos anteriores de produção de sucesso garantido ou porque não há crédito horário. A reprovação também é garantida se não surgir em documento escrito em trebuchet 11 a espaço e meio ou se os promotores tiverem peúgas da cor errada na segunda 4ª feira de cada mês terminado em “o”.

Diario

Et Voilá!

Eis a brilhante conclusão do estudo do CNE: mudem-se os professores (a coberto da melhoria da sua formação e capacitação), façam-se concursos à medida, dê-se mais poder aos directores e tudo se conseguirá. Criativamente, claro.

Como medidas alternativas à redução do número de alunos por turma, sugeridas pelos estudos analisados, destacam-se: maior investimento na qualificação, capacitação e formação dos professores, melhor sistema de colocação e recrutamento de professores com menor rotatividade, políticas de compensação para professores, combate à retenção, implementação de um melhor currículo, sistema de monitorização e de avaliação mais frequente, maior investimento em tecnologia educacional e maior autonomia dada ao diretor para uma gestão criativa na atribuição de turmas.

Bem me parecia que a culpa de todas as m€rd@s era mesmo minha, só podia ser. Não estou capacitado para gerir 30 alunos na sala de aula. Só é estranho que, como aluna, a minha filha também prefira ter turmas mais pequenas. Deve ser a porcaria de uma falha genética que lhe transmiti. A da falta de capacitação. Se me querem fazer acreditar que isto é uma conclusão técnica eu sou o pão com pitas, vulgo brédipite.

brad

Não Sei se Ria se Chore

O estudo do CNE lê-se rapidamente, em especial se já conhecermos parte dos estudos referidos e se anteciparmos o caminho que vai ser percorrido antes das conclusões mais ou menos parciais. Pensei mesmo que não valeria a pena fazer muitos mais comentários, porque eu poderia ter escrito aquelas sem sequer ter tido acesso aos dados trabalhados. Porque, “tecnicamente”, não há uma conclusão indisputável, há sempre um par de “mas”, umas investigações para todos os gostos e agendas, um exemplo oriental a comprovar que sardinhas em lata produzem génios ao cubo. O que está em causa, em meu empoeirado entendimento, é algo para além disso… é uma ideia do que devem ser as escolas e as opções políticas que se tomam a esse respeito.

Exemplifico… leia-se esta passagem da página 56:

Assim, em tom de síntese, importará considerar os efeitos reais das turmas de dimensão reduzida na eficácia das aprendizagens e no desempenho escolar dos alunos em anos iniciais de escolaridade, nos diversos níveis e ciclos de ensino, a médio e a longo prazo, através de processos de monitorização e avaliação longitudinais. Se, por um lado se reconhece a evidente melhoria das condições de gestão de comportamentos na sala de aula em turmas de dimensão reduzida, por haver uma resposta mais atempada, mais recurso ao feedback, maior apoio e acompanhamento individualizado, por outro são vários os autores que destacam o papel primordial que o professor tem na organização e gestão da sala de aula, na qualidade do ensino. De relevar o impacto da sua qualificação, formação e capacitação na escolha de estratégias e de práticas pedagógicas que lhes permitam adaptar as suas aulas a cada contexto específico, aos interesses e às necessidades dos seus alunos.

Eu traduzo para português corrente: a maior parte dos estudos confirma que é melhor para os alunos em termos de acompanhamento e trabalho individualizado, bem como para o próprio ambiente na sala de aula, a existência de turmas mais pequenas mas há uns quantos outros que dizem que se formarmos professores para isso, até se podem ter aulas com 5o petizes lá dentro.

E é aqui que eu esbarro. Claro que de acordo com esta lógica, se os treinarmos para isso, podemos ter médicos a fazer consultas em grupos de 5 doentes ou juízes a presidir a 3 julgamentos em simultâneo como se fosse uma partida colectiva de xadrez. O que está em causa para mim não é isso… é a qualidade das condições de trabalho para todos os envolvidos. E não me venham sempre com o argumento do dinheiro ou eu desato a ser demagógico em comparações.

Já agora, não dá para perceber pelos quadros seguintes que precisamos de mudar alguma coisa e que não é apenas a capacidade dos professores apagarem mais fogos com uma só mangueira?

TempoTurma

Será difícil perceber que se perde demasiado tempo a manter a ordem nas nossas salas e que isso se faz à custa do tempo de trabalho efectivo com os alunos e que reduzir o seu número traria ganhos evidentes ao tempo utilizado em prol das aprendizagens dos alunos? Reparem lá como a amada Finlândia (quadro de cima) apresenta um ganho de 5 minutos de tempo de ensino/aprendizagem e uma dimensão média das turmas de menos e 3 ou 4 alunos em relação a Portugal?

Eureka?

 

Encerrem-se!

O estudo do CNE é sobre Organização escolar: as turmas. O que me arrepia, logo na introdução, é que David Justino aproveite a ocasião para apelar a mais encerramentos de escolas do 1º ciclo, alegando as aleivosias imensas de turmas com mais de um ano de escolaridade. Eu sei que essa situação não será a melhor, mas também sei que esse convívio pode ter aproveitamentos muito positivos, até em termos de aprendizagem e cooperação inter-pares. Mas o que me arrepia mesmo é esta ideia de que devemos fechar escolas pelo país e encaixotá-las desde pequeninas em disfuncionais “unidades de gestão” ao serviço de uma política que serve principalmente para aprofundar fenómenos de despovoamento e consolidar assimetrias regionais e locais.

Antes de se proceder à redução, maior ou menor, do número de alunos por turma seria conveniente reduzir o número de turmas do 1.º ciclo com alunos a frequentar diferentes anos de escolaridade. Quase um terço (32%) das turmas do 1.º ciclo têm alunos de mais de um ano de escolaridade e em alguns casos coexistem mesmo os quatro anos de escolaridade na mesma turma. Trata-se de uma realidade que tenderá a aumentar tendo em conta as tendências demográficas recentes e caso se mantenha a resistência ao encerramento de escolas com reduzido número de alunos. Os próximos cinco anos assistirão a uma redução ainda maior no número de novos alunos matriculados no 1.º ciclo, como resultado da diminuição em quase 20% do número de nascimentos registados nos últimos cinco anos. Caso não se retomem as políticas de reordenamento de escolas do 1.º ciclo, esta realidade das turmas mistas tenderá a aumentar com os efeitos reconhecidos sobre a qualidade das aprendizagens.

Não consigo aceitar esta forma economicista e tecnocrática de entender o “reordenamento da rede escolar”, que só tem um verniz “pedagógico” a encobrir o essencial que é concentrar, numa lógica de macrocefalia e de economias de escala (reduzir o custo médio por aluno), a rede escolar com argumentos paradoxais: o convívio em escolar com centenas de alunos do pré-escolar ao 4º ou 9º ano (conforme as tipologias) é algo bom desde os primeiros anos de escolaridade mas é mau que convivam alunos de diferentes anos na mesma sala de aula. Podemos esconder-nos atrás de argumentos técnicos mas o que está em causa é uma questão essencialmente política e que se relaciona com a forma como encaramos todo um país. Podem chamar-me arcaico, nostálgico, saudosista, quiçá salazarista (porque não jacobino republicano?), essas coisas todas, mas não consigo partilhar de tanta racionalidade modernizadora. Dá-me a sensação de nos rendermos a lógicas puramente mecanicistas e termos abdicado do que é toda a parte emocional do que é humano.

Heartbeat-Gif

 

Novo Dicionário Educacional -Letra E

Estabilidade – algo que todos os novos governantes anunciam à chegada ao poder. Todas aquelas mudanças e reformas em forma de constelação e chuva meteorítica destinam-se a dar fim a toda a instabilidade vivida anteriormente e a começar um glorioso período em que a Educação estabilizará a caminho do sucesso dos alunos, da racionalização do funcionamento das escolas e da dignificação da carreira docente. A estabilidade costuma demorar dois anos a estabilizar e dois anos a funcionar de forma diferente da anunciada, até nova mudança de governantes que, ao chegar, constatam toda a instabilidade antes vivida e anunciam um novo conjunto de políticas e reformas que se destinam a mudar tudo o que antes estava mal e a conseguir a desejada estabilidade visando o sucesso dos alunos, a racionalização do funcionamento das escolas e a dignificação da carreira docente.

Exemplo prático de medidas destinadas à estabilidade: em tempos coevos, a ministra MLR criou concursos alegadamente plurianuais para colocação de professores destinado a estabilizar o corpo docente das escolas e reduzir a sua mobilidade anual que era o que ocorria até então; em seguida, criou um subsistema de determinação anual de horários que levava a que anualmente se verificassem concursos de mobilidade para muitos dos professores teoricamente colocados plurianualmente. Anos depois, Nuno Crato, para obstar ao aumento da instabilidade criada pela rotação dos professores nas escolas e permitir aos órgãos de gestão escolher os mais adequados aos seus projectos (ler verbete na letra P), criou a chamada Bolsa de Contratação de Escolas, toda informática e tal, que se tornou num dos procedimentos mais morosos e ineficazes para colocar professores atempadamente nas escolas desde o tempo das candidaturas em pedra lascada. Para resolver a instabilidade criada por esta situação, o novo ministro Tiago B. Rodrigues decidiu suspender a BCE e anunciar um novo procedimento que continua desconhecido a dois meses de terminar o ano lectivo. Tudo em nome da estabilidade.

Diario