Causas Perdidas?

Há batalhas e guerras que se travam porque se acredita em causas e não porque se tem a certeza ou uma alta probabilidade de se ficar do lado dos vencedores. Muitas vezes, é a quase certeza da derrota que move aqueles que não saem do campo apenas porque ele está inclinado, o árbitro completamente comprometido com a equipa adversária a quem deixam jogar com todas as variantes de doping. Metaforicamente, claro.

Causas

Sobre a Municipalização da Educação – 3

A comunicação de José Eduardo Lemos, presidente do Conselho de Escolas, no seminário do CNE realizado em Aveiro, conforme explicado em post mais abaixo. Foi a penúltima intervenção e na sua clareza, acabou por me permitir divagar na minha por territórios ainda mais provocatórios. Puxei para título a questão inicial.

SERÁ MESMO NECESSÁRIO DESCENTRALIZAR A EDUCAÇÃO?

(…) escasseia credibilidade no programa “Aproximar Educação” e nas suas promessas de reforço da autonomia das escolas. De facto, nem com a visão telescópica do herói da banda desenhada, seria possível ver reforço da autonomia das Escolas introduzindo no sistema uma nova entidade – a autarquia – sem que se extinga qualquer uma das entidades da Administração Educativa que já existem.

Thumbs

 

Educação em Abril

Texto da primeira crónica mensal para a BIRD Magazine, revista online nascida em 2013 na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

***

EDUCAÇÃO EM ABRIL

Em Portugal, em matéria de Educação, existe um fenómeno curioso, que em outras paragens até poderá ser considerado estranho, que é o facto de ser sempre o que podemos chamar “época alta” em matéria legislativa e de preparação ou tomada de medidas para qualquer ano lectivo, seja o próximo, seja ou que ainda está em curso.
.
O ano lectivo de 2015-16 (e civil de 2016) não é uma das raras e muito honrosas excepções a tal regra. Com o pretexto da mudança de governo, diversos anúncios foram feitos e quase outras tantas medidas, sendo que no presente mês de Abril temos uma ementa bastante diversificada de matérias em desenvolvimento para aplicação imediata ou quase.
 .
Vou isolar apenas algumas, mais “estruturantes”, como se costumam designar questões que deveriam ser tratadas em devido tempo, com prazos alargados e debates a sério.
 .
1) Avaliação externa dos alunos do Ensino Básico: a cronologia das coisas é conhecida, desde que, em Novembro de 2015, no Parlamento foi revogada a realização de provas finais no 4º ano e o ministério da Educação decidiu em Janeiro de 2016 que as de 6º ano também não seriam realizadas, sendo substituídas por um conjunto de provas de aferição. Com horror ao “vazio” provocado por decisões tão extemporâneas, o ministério decidiu a meio do ano alterar as regras mas, ao deparar com algumas dificuldades, optou por remeter a decisão da realização (ou não) de todas as provas atrás referidas (seja as de aferição, sejam as revogadas provas finais), sendo que a decisão das escolas deve ser comunicada à tutela até final do presente mês, ou seja, a pouco mais de um mês de distância das datas previstas para a sua realização.
 .
2) Debate sobre alterações curriculares: no passado dia 5 de Abril, através do portal do Governo e de comunicações públicas, ficámos a saber que iria ser lançado “um inquérito a todos os professores sobre os documentos curriculares” visando, entre outros objectivos “produzir recomendações com vista a ajudar à tomada de decisão no que respeita à reformulação dos documentos curriculares”, pois “tradicionalmente, os debates e decisões em torno do currículo envolvem especialistas e académicos, mas esquecem o contributo daqueles que, no dia-a-dia, o aplicam e conhecem melhor a sua viabilidade”. Decisão e propósito com enorme mérito, não fosse o caso do prazo dado opara a produção e envio de tais contributos terminar no dia 15 de Abril, ou seja, pouco mais de uma semana depois do lançamento da iniciativa. Sendo que esta é uma iniciativa, quanto ao tema, recorrente nos últimos anos em vários fóruns de discussão acerca de um mítico “currículo para o século XXI”. Basta googlar de forma rápida a expressão para perceber a miríade de debates com este tema e os documentos produzidos no âmbito das próprias instituições oficiais. Se é verdade que a componente participativa é de louvar, nãos seria menos de louvar que não se quisesse despachar tudo em poucos dias, como se existisse uma imensa pressa em preparar as novidades para um século que já vai na adolescência plena.
 .
3) Redução da dimensão das turmas: igualmente em debate público, do Parlamento ao Conselho Nacional de Educação, com contributos diversos, está a questão da redução do número máximo de alunos por turma. Não vou aqui discutir a validade deste ou aquele valor como sendo o ideal ou o mais adequado, mas concentrar-me apenas em dois pontos que distorcem qualquer debate sobre estas matérias. O primeiro é dizer que não existem estudos que comprovam que turmas menores são factor determinante para melhores resultados dos alunos, pois existem dados discordantes. Sim, claro que sabemos que em Educação é possível sempre provar tudo e o seu contrário e que, efectivamente e desculpem-me os estereótipos, se metermos 50 chineses numa salinha somos capazes de ter bons resultados médios ou que 35 finlandeses ou suecos de gema são capazes de conviver numa turma sem problemas de maior. Acredito. Mas a verdade é que um mínimo de bom senso e conhecimento da nossa realidade concreta na maioria das escolas nos diz que um número menos elevado de alunos por turma permite, por um lado, reduzir as possibilidades de comportamentos perturbadores das actividades, e por outro, aumentar a frequência de interacções entre o professor e os alunos, o que é a chave do ensino individualizado que nos dizem ser o mais adequado. O segundo ponto é transferir o debate sobre a bondade da medida para os seus custos financeiros, desvalorizando a medida em virtude dos seus custos e tornando esse factor como o determinante para uma decisão que deveria, antes de mais, preocupar-se com a melhoria do bem-estar e das condições de trabalho nas salas de aula. Eu percebo que em algumas faculdades existem aulas em auditórios para centenas de alunos, num modelo de aula pelo mestre sem direito a pios ou dúvidas, mas esse não deve ser o modelo, em particular para o Ensino Básico.
 .

Quero ser claro acerca de algo: estas matérias são muito importantes para a forma como deve ser encarada a Educação, independentemente das perspectivas em confronto, e o seu debate alargado e participado é desejável e mesmo imperioso, não devendo mera formalidade. Mas, por isso mesmo, deve desenvolver-se sem estar limitado ou condicionado por agendas políticas e prazos destinados a cumprir calendários exógenos ao sector. Infelizmente e apesar de alguns sinais positivos, a subordinação da Educação à política com minúscula parece estar para durar e a sua emancipação continua no plano da miragem.

PG 4

Sobre a Municipalização da Educação – 2

Incluo no final deste post o texto final da minha comunicação apresentada no seminário do CNE realizado na Universidade de Aveiro a 20 de Fevereiro de 2015. Irão reparar que optei por não ler uma comunicação escrita, preferindo adaptar a exposição que fiz, acompanhada do quase canónico powerpoint nestas ocasiões, às circunstâncias do momento, em especial às intervenções anteriores. O tom coloquial, nada académico ou formal, do texto corresponde no essencial ao que eu disse durante a última intervenção no seminário, já em horário bem para lá do previsto em virtude de participantes com o verbo longo e comigo bastante cansado de ouvir e calar. É bem notório que eu já estava razoavelmente farto e que mantive na versão escrita o tom usado no momento, para evidente desagrado de alguns dos presentes, o que foi um objectivo cumprido da minha parte. Agora, ao reler a versão para publicação ainda lhe achei umas gralhas e já não sei se estou mais ou menos irritado. Penso é que tudo isto começa a estar desactualizado e ultrapassado pelas circunstâncias presentes.

A seguir, algumas intervenções do público que tiveram de ficar (infelizmente por conveniências de horário) sem o devido contraditório e o encerramento pelo presidente do CNE. Das intervenções do público destacaria uma diatribe do presidente da Confap que, como é habitual nos titulares do cargo, parece não ter percebido uma passagem do que eu disse e lá se zangou da coxia lateral, assim como uma profissão de fé de Mário Nogueira na luta contra a municipalização da Educação, que eu quero muito ver em letra impressa, para memória presente.

Fica só uma citação já próxima do final do texto.

Não, desculpem, isso não é descentralizar. Isso é centralizar, fazendo com que o centro das decisões fique cada vez mais distante dos seus destinatários, que são os alunos. Quer o próprio modelo de gestão escolar, quer a portaria dos contratos de autonomia foram completamente atropelados. As competências das escolas que estão definidas nos contratos de autonomia das escolas que estão nestes concelhos, e em particular as escolas TEIP, foram completamente desprezadas por estas negociações, porque todas essas competências vão desaparecer ou vão ser transferidas, na sua larga maioria (não sei se são sessenta, se são setenta, se são oitenta… pois até parece que as matrizes são diferentes), para as autarquias.
Só há uma coisa de que podemos ter a certeza: as escolas não ganham nenhuma competência nova. E isto não é ser corporativo, mas, ao que parece de acordo com esta lógica, as escolas não fazem nada bem e é necessário esvaziá-las ainda mais da escassa autonomia que tinham.

Anexo: PGFinal.

PG Verde

 

Sobre a Municipalização da Educação – 1

Intervenção do presidente do Conselho de Escolas, José Eduardo Lemos, em Loulé, em 9 de Julho de 2015.

Territorialização das políticas educativas e autonomia das escolas

Da mesma, que deve ser lida na totalidade, destaco as seguintes passagens com as quais concordo integralmente.

A indevidamente designada “Descentralização de competências” ou “territorialização de políticas educativas” produzirá um sistema educativo ainda mais assimétrico e retalhado do que aquele que atualmente existe, de que resultarão visíveis desigualdades nas condições de sucesso escolar dos jovens portugueses. Olhe-se para o retrato das autarquias do país e ficar-se-á com uma ténue ideia da dimensão dessas assimetrias e desigualdades.

Por outro lado, os contratos com as autarquias, que darão corpo à “descentralização” de competências, não as impedirão de subcontratarem ou subconcessionarem em operadores privados, todas ou parte das competências e atribuições que lhe forem transferidas. A exemplo, aliás, do que aconteceu com as AEC.

De facto, estes contratos abrem portas a que serviços, atividades e projetos, nomeadamente serviços de administração escolar, papelaria escolar, bufete, refeitório, biblioteca, sala de estudo orientado, serviço de apoio educativo, atividades de coadjuvação, desporto escolar, entre outros, possam ser subcontratados a operadores privados, numa prática de outsourcing de atividades que, comummente, se encontram na esfera direta do Estado. Tal, a acontecer, introduzirá no sistema mecanismos orientados para a obtenção de lucro e não para interesses pedagógicos e educativos.

As atuais assimetrias existentes no sistema educativo acentuar-se-ão na razão direta do poder económico e dos meios humanos disponíveis em cada município aderente, agora com forte cunho territorial/municipal, diminuindo a qualidade do serviço público de educação e abrindo campo fértil para a afirmação da Escola privada.

(…)

Ao contrário do que se afirma nos considerandos iniciais das minutas dos contratos a celebrar entre o Governo e as autarquias, as Escolas não verão nem reforçada nem aprofundada a pouca autonomia que têm, antes pelo contrário, perderão autonomia e poder de decisão. Mais grave ainda: os contratos contêm disposições que se traduzem numa transferência de competências, não apenas da Administração Central, mas também das Escolas para o Município. De facto e meramente como exemplo, as Escolas:

a) Deixarão de definir as regras de atuação do respetivo pessoal docente e não docente, sujeitando-se às regras harmonizadas pelo município para todas as Escolas [alínea e) do n.º 2 da cláusula 6.ª].

b) Com contrato de autonomia, deixarão de ter competência exclusiva para gerir os 25% do currículo nacional, conforme prevê a Portaria n.º 44/2014, de 20 de fevereiro, passando essa competência para as autarquias [alínea f) do n.º 2 da cláusula 6.ª].

c) Deixarão de ter responsabilidade exclusiva sobre o próprio Projeto Educativo, tendo de a repartir com as Autarquias e tendo de ajustar os seus Projetos aos Projetos Estratégicos Municipais [n.º 3 da cláusula 12.ª], em clara oposição ao quadro legal estabelecido pelo DecretoLei n.º 75/2008, de 22 de abril, na atual redação e às competências dos respetivos Conselhos Gerais.

d) Serão obrigadas a negociar e a celebrar protocolos de cooperação com o Município mesmo que esses não sejam do seu interesse. [n.º 4 da cláusula 22.ª].

e) Verão completamente esvaziada a dimensão financeira de Administração e Gestão, perdendo orçamento e fundos financeiros, bem como competências para gerar receitas e realizar despesas e para gerir e conservar as instalações e equipamentos escolares [cláusulas 25.ª a 38.ª]. Daqui a nada, perguntar-se-á para quê um Conselho Administrativo nas Escolas?

Enfim, não se encontra uma única área/domínio em que as Escolas ganhem competências e autonomia. Pelo contrário, estes contratos esvaziam-nas da pouca autonomia que têm e subtraem poder de decisão aos seus órgãos de Administração, acabando, inevitavelmente, por fragilizar as Escolas públicas, diluindo o seu caráter institucional e integrando-as, como mais um serviço, uma divisão, ou um setor, entre os que já existem nos Municípios aderentes.

.Thumbs

O Que Quer Dizer Isso?

“Deixo hoje o XXI Governo Constitucional, convicto de que tinha um bom projeto e uma excelente equipa – e de que estávamos no caminho certo – contudo, em profundo desacordo com o Sr. Ministro da Educação no que diz respeito à política para a juventude e o desporto, e ao modo de estar no exercício de cargos públicos”, explica o secretário de Estado demissionário.

Duvida

Eles até são quase sósias…