Intervenção do presidente do Conselho de Escolas, José Eduardo Lemos, em Loulé, em 9 de Julho de 2015.
Territorialização das políticas educativas e autonomia das escolas
Da mesma, que deve ser lida na totalidade, destaco as seguintes passagens com as quais concordo integralmente.
A indevidamente designada “Descentralização de competências” ou “territorialização de políticas educativas” produzirá um sistema educativo ainda mais assimétrico e retalhado do que aquele que atualmente existe, de que resultarão visíveis desigualdades nas condições de sucesso escolar dos jovens portugueses. Olhe-se para o retrato das autarquias do país e ficar-se-á com uma ténue ideia da dimensão dessas assimetrias e desigualdades.
Por outro lado, os contratos com as autarquias, que darão corpo à “descentralização” de competências, não as impedirão de subcontratarem ou subconcessionarem em operadores privados, todas ou parte das competências e atribuições que lhe forem transferidas. A exemplo, aliás, do que aconteceu com as AEC.
De facto, estes contratos abrem portas a que serviços, atividades e projetos, nomeadamente serviços de administração escolar, papelaria escolar, bufete, refeitório, biblioteca, sala de estudo orientado, serviço de apoio educativo, atividades de coadjuvação, desporto escolar, entre outros, possam ser subcontratados a operadores privados, numa prática de outsourcing de atividades que, comummente, se encontram na esfera direta do Estado. Tal, a acontecer, introduzirá no sistema mecanismos orientados para a obtenção de lucro e não para interesses pedagógicos e educativos.
As atuais assimetrias existentes no sistema educativo acentuar-se-ão na razão direta do poder económico e dos meios humanos disponíveis em cada município aderente, agora com forte cunho territorial/municipal, diminuindo a qualidade do serviço público de educação e abrindo campo fértil para a afirmação da Escola privada.
(…)
Ao contrário do que se afirma nos considerandos iniciais das minutas dos contratos a celebrar entre o Governo e as autarquias, as Escolas não verão nem reforçada nem aprofundada a pouca autonomia que têm, antes pelo contrário, perderão autonomia e poder de decisão. Mais grave ainda: os contratos contêm disposições que se traduzem numa transferência de competências, não apenas da Administração Central, mas também das Escolas para o Município. De facto e meramente como exemplo, as Escolas:
a) Deixarão de definir as regras de atuação do respetivo pessoal docente e não docente, sujeitando-se às regras harmonizadas pelo município para todas as Escolas [alínea e) do n.º 2 da cláusula 6.ª].
b) Com contrato de autonomia, deixarão de ter competência exclusiva para gerir os 25% do currículo nacional, conforme prevê a Portaria n.º 44/2014, de 20 de fevereiro, passando essa competência para as autarquias [alínea f) do n.º 2 da cláusula 6.ª].
c) Deixarão de ter responsabilidade exclusiva sobre o próprio Projeto Educativo, tendo de a repartir com as Autarquias e tendo de ajustar os seus Projetos aos Projetos Estratégicos Municipais [n.º 3 da cláusula 12.ª], em clara oposição ao quadro legal estabelecido pelo DecretoLei n.º 75/2008, de 22 de abril, na atual redação e às competências dos respetivos Conselhos Gerais.
d) Serão obrigadas a negociar e a celebrar protocolos de cooperação com o Município mesmo que esses não sejam do seu interesse. [n.º 4 da cláusula 22.ª].
e) Verão completamente esvaziada a dimensão financeira de Administração e Gestão, perdendo orçamento e fundos financeiros, bem como competências para gerar receitas e realizar despesas e para gerir e conservar as instalações e equipamentos escolares [cláusulas 25.ª a 38.ª]. Daqui a nada, perguntar-se-á para quê um Conselho Administrativo nas Escolas?
Enfim, não se encontra uma única área/domínio em que as Escolas ganhem competências e autonomia. Pelo contrário, estes contratos esvaziam-nas da pouca autonomia que têm e subtraem poder de decisão aos seus órgãos de Administração, acabando, inevitavelmente, por fragilizar as Escolas públicas, diluindo o seu caráter institucional e integrando-as, como mais um serviço, uma divisão, ou um setor, entre os que já existem nos Municípios aderentes.
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Excelente texto.
Para ler e reflectir. E agir…
A experiencia piloto é uma coisa- a generalização outra. É nesta diferença que tudo se joga. É preciso recuperar as competências pedagógicas, definir e clarificar muito bem o que se perde e o que se ganha. Se a gestão do pessoal docente e os curricula são da área do ME (recordemos que o curriculum é tudo o que se faz numa escola de ordem pedagógica e não apenas as disciplinas) então mantemos autonomia. Idem avaliação.
O psd fez de uma maneira, o ps (ouvi dizer…) fará doutra.
(achei curioso que o Nóvoa esteja a fazer Seminários este mês, abertos ao público, e um dos temas seja a municipalização sem referir o nome… 🙂 )
só faltou referir o que todos pensam mas poucos se atrevem a afirmar: o caciquismo autárquico ser usado como forma de repressão sobre os que pensam diferente do poder municipal.