Competências Básicas

Não sei bem como fica a minha disposição quando leio certas e determinadas coisas na imprensa ou as ouço/vejo em rádios ou televisões. A maior parte das vezes a reacção é um misto de enfartanço e desânimo, porque parece que os estúpidos somos sempre nós e os senhores doutores dos estudos e das opiniões é que sabem tudo sobre a Educação e as escolas, muito em particular sobre a culpa dos professores no mau estado daquelas e na degradação das aprendizagens. A coisa agrava-se quando leio especialistas a falar de competências (falta-me fazer algo sobre o tema no meu Novo Dicionário Educacional), básicas, nucleares ou essenciais, mais operacionalizações e metas.

Porque deparo-me com a impossibilidade concreta de contrariar algumas situações que são gritantes quanto ao défice que representam (seja de competências, seja de conhecimentos), mas cujos protagonistas são protegidos pelo direito ao sucesso.

Exemplo 1: perguntem aos vossos alunos, em especial até aos 15 anos, se sabem ver as horas num relógio analógico, vulgo “com aquelas coisas compridas” a que os velhos chamam ponteiros. Hoje confirmei que cerca de metade dos meus alunos de 7º ano (dos que não tiveram vergonha de responder) não conseguem ver as horas no relógio que está na sala de aula e que essa é a razão pela qual me perguntam tanta vez que horas são ou quantos minutos faltam para sair. Os relógios, distribuídos para facilitar a organização do tempo dos alunos em provas finais (más) e de aferição (boas), de pouco servem porque se muitos alunos conseguem perceber as horas, dizem que não conseguem perceber os minutos, pois cresceram já no mundo dos mostradores digitais. Quando perguntei se nunca lhes ensinaram isso no 1º ciclo ou se não precisam de saber ver um relógio para aprenderem as horas em Inglês ou Francês, responderam-me que não respondem a essas questões. E que não é por causa disso que deixam de ter positiva ou passar de ano. E têm razão. Mas se alguém der pela coisa em algum espaço mediático de referência, lá levaremos coma culpa em cima e aparecerão doutos opinadores a zurzir no lombo dos professores que nem ensinarem as horas sabem. O que não se questionam é se há alguma forma de ensinar algo que o aprendente considera inútil. Ou se os mecanismos de avaliação consideram esta ou outras matérias, que são bastante importantes do ponto de vista funcional para uma mente conservadora como a minha, relevantes para o (in)sucesso.

Exemplo 2: escrever o nome sem erros ortográficos. Quando os alunos se enganam na grafia das maiúsculas e da acentuação, com pretextos como o facto de no cartão de cidadão (sorry, sensibilidades bloquistas) não existirem maiúsculas e minúsculas nem acentos gráficos; ou que “o professor sabe que sou eu/como me chamo”. Porque tudo é relativo, acessório, inconsequente. Porque é chato. Um tédio. Porque não há qualquer tipo de brio em escrever bem o próprio nome. Há alguma “meta” para isso? Será aceitável que um aluno acabe o Ensino Básico sem saber grafar correctamente, na versão manuscrita, o seu próprio nome completo? A culpa é exactamente de quem? Eu sei a quem será atribuída por um bom punhado de miguéissousatavares e aprendizes. É dos corporativos dos professores das reles escolas públicas que só querem férias, privilégios e ganhar mais.

Os exemplos são anedóticos e caricaturais, esporádicos e localizados? Esperem um pouco e eu já vos explico como é possível fazer uma escolaridade básica de nove anos sem saber um pingo de gramática, para além de alguma aplicação funcional mínima. Isto é mais uma ladaínha de “velho do Restelo” que não sabe perceber que o futuro é das aprendizagens transversais e assinaturas digitais? Talvez, mas depois não se queixem.

calvin exams

2 opiniões sobre “Competências Básicas

  1. O post sobre este assunto dá-me oportunidade de esclarecer o meu ponto de vista, o qual muitas vezes não é bem entendido. A experiência e a observação dos processos pedagógicos evidenciam, para quem vê a realidade sem as palas do preconceito, o papel da memória e da repetição nas aprendizagens e no desenvolvimento. A tese de que a criatividade é o oposto da mecanização, da automatização, não é sustentável porque essa visão dá à criatividade um carácter espontaneísta, como se o indivíduo pudesse ser criativa a partir do nada. O que se constata no processo de desenvolvimento das crianças, da própria formação, é que a fixação de mecanismos não é impeditiva da criatividade, pelo contrário, é condição da criatividade.
    Veja-se o exemplo de aprender a andar de bicicleta. Enquanto não se mecanizam as operações não se é capaz nem livre de andar ou conduzir uma bicicleta. Generalizando, poder-se-ia enunciar uma espécie de lei pedagógica: “o aprendente não é livre”. Ele só é livre depois de dominar o objecto de aprendizagem e quando domina deixou de ser aprendiz. Essa ideia da simples “liberdade do aluno”, liberdade de aprendizagem, é um enunciado ideológico. Aprender a aprender – como pretende a tese “eduquesa” – não passa de um slogan para a ignorância.
    Como se vê (e este ponto há gente como a Reb que persiste em não o compreender) eu não defendo que os processos básicos da memorização e da repetição não sejam importantes no/para o ensino; o que acontece é que eles são apenas uma condição necessária para ele, não são uma condição suficiente. E é nesta confusão, nesta mistificação, que navegam ainda muitos daqueles que se entrincheiram na defesa do “ensino tradicional” ou no modelo examocrático.

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  2. Na minha escola não há toques. Só relógios de parede. A ver se não aprendem rapidinho a ler…desde o 5º pelo menos! Escrever nome: bem os meus do 1º ano sabem todos: faço-os assinar os desenhos desde o primeiro dia.
    Excepto NEE que sejam CEI no 1º ano. Que os há.

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