Eu sei que vou escrever algo desagradável para muitas pessoas sapientes, mas lá terá de ser.
Ouço e leio muito boa e estimável gente dizer que devemos adaptar e modernizar a estrutura curricular aos “interesses dos alunos” como se isso fosse a fórmula mágica para combater o insucesso e o abandono.
Tal solução levanta-me muitas dúvidas por razões que me parecem óbvias, mas talvez seja defeito meu, miopia incurável.
Vejamos de forma breve:
Desde quando é que uma escola básica de massas obedece a uma lógica de “interesse dos alunos” e não ao “interesse da sociedade” ou dos “grupos sociais” responsáveis pelo ensino na fase pré-contemporânea? E não será que é mesmo assim que tudo funciona ou melhor que precisa de funcionar?
Desde quando a Matemática foi “do interesse dos alunos” ou da sua larga maioria? Ou mesmo a História que produz menos alergias e insucesso? Ou mesmo outras disciplinas tidas por mais benignas? Em que parte do mundo é que a escola atingiu patamares de grande qualidade na base dessa lógica tão fofinha, pois em todas as épocas os alunos tiveram interesses bem discordantes da “oferta curricular” dos seus tempos?
A escola contemporânea – apesar dos seus defeitos e distorções que urge corrigir – não se baseia exactamente num princípio de contradição em relação ao imediatismo dos interesses?
Será que não estamos a tomar a escola do Sócrates e do Platão – elitista até mais não – como um “paradigma” de algo exactamente oposto do que ela foi em seu tempo?
Não estaremos a confundir a necessidade de interessar os alunos pela aprendizagem com o querer ensinar-lhes apenas o que lhes interessa?
Se queremos mesmo ir ao encontro do “interesse dos alunos”, estaremos mesmo dispostos a trocar metade das horas de Ciências Português ou Geografia por “Redes Sociais – Parte 1” ou “introdução ao PES 2015 em PS4” ou mesmo “GTA em Smartphones”?
Caricatura? Não me parece.
Não deverão essas áreas de “interesse” ficar nas áreas não-curriculares ou opcionais?
Será que as pessoas que tão bem pensam estão mesmo dispostas a levar o seu “pensamento” até às suas naturais consequências?
E olhem que isto é escrito por um gajo muito criticado anos a fio por levar as suas turmas um tempo por semana para a sala de computadores e os deixar divertir-se um pouco até ao momento em que os censores e os filtros “isto é só para trabalhar em coisas sérias” entraram em acção.
