Day in, day out
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Day in, day out
Dois anos e meio depois. Falta o resto. Se dá montanha ou ratatouille.
O Público traz hoje mais dois artigos sobre o que entre nós passa por ser uma polémica literária, a propósito de mais um livro de Rodrigues dos Santos em que ele capitaliza a utilização de uma tese popular na segunda metade do século XX que é atribuir a responsabilidade do fascismo ao marxismo. Um dos artigos é do próprio autor do livro que se limita a repetir-se e publicitar-se. A sua tese – baseada no argumento de que existiram fascistas com um passado marxista ou socialista, como Mussolini – tem tanta validade como dizer que o nosso liberalismo actual tem base no esquerdismo dos anos 70 do século XX só porque parte dos nossos liberais de agora (quase todos ligados ao PSD) foram militantes da extrema esquerda em meados dessa década. Ou que o nazismo se deve a Wagner porque Hitler e diversos dos seus correlegionários adoravam as obras daquele compositor. Já o texto de António Araújo recoloca tudo no seu contexto historiográfico, com as causalidades e contextualizações certas e não sensacionalistas. se por sensacionalistas entendermos uma tese com muitas décadas e típica do período da Guerra Fria.
Já agora, se Rodrigues dos Santos fosse mesmo ousado, deveria reconhecer que Cristo foi o primeiro grande comunista utópico da História, com a sua mensagem de defesa dos pobres e de combate aos poderes autoritários e recusa de pagamento de tributo (material ou simbólico) ao Imperador Romano. Cristo que esteve, no fundo, na origem de uma enorme sublevação de massas que, no prazo longo, transformou de forma revolucionária (ou reformista?) o Império e grande parte do mundo. Ergo, Cristo está na origem do comunismo utópico, logo, do marxismo, logo, do fascismo, de acordo com a tese de JRS. Até porque Cristo era judeu e universalista tal como Marx e tudo isto está naturalmente ligado.
Resumindo, JRS queria ser o nosso Tom Clancy e vender muito livros. Está a consegui-lo. Mas nunca será um contador de histórias. Nunca será um Stephen King. Porque esse sabe construir histórias, dar densidade à intriga, às personagens e todas essas coisas que fazem com que um escritor de best sellers não seja apenas um falso sensacionalista com enredos da carochinha, mesmo que polvilhados com aparente erudição.
Aguarda-se um próximo volume de JRS em que recuperará as teses dos Protocolos do Sião.
Na sebenta mal cuspida de alguns jovens (ou não tão assim) investigadores-opinadores do nosso recanto mal frequentado, o 25 de Abril foi devastador para o ensino privado em Portugal, tendo destruído quase por completo uma rede de ensino particular livre que ainda hoje não recuperou desse choque. Bem… têm razão numa parte, mas não em outra. Quando se observam as matrículas nos anos que rodeiam o 25 de Abril, percebe-se a clara redução de alunos no ensino particular (é bem verdade que muitas famílias saíram do país) mas não é verdade que o peso do ensino particular fosse muito elevado no sistema educativo nacional.
Se fizermos as contas bem feitas, em 1973-74, juntando Ensino Básico e Secundário, o sector privado alcançava apenas 12,5% das matrículas, algo que é exactamente o valor relativo que 40 anos mais tarde (2013-14) o ensino privado independente E com contratos de associação representa no Ensino Básico actual. Ou seja… após “40 anos de socialismo” estamos no ponto de partida… como no fim do Estado Novo 🙂 .
O facto do quadro ter a escolarização feminina em destaque é porque foi retirado de um trabalho em que esse era o tema central.
Calma… não vos irei inundar com tiradas de erudição e quadros sem findar. Apenas gostaria que, em muitos outros dados disponíveis, reparassem na forma como se distribuía no século XIX o nosso atraso educativo em termos regionais. Para mim, foi sempre curioso perceber porque Coimbra, o distrito com a nossa mais tradicional Universidade (e então a única) era um daqueles em que a população era das menos alfabetizadas, em conjunto com outros distritos do centro do país. Se fizerem um cruzamento destes dados com os da religiosidade encontrarão umas relações interessantes que talvez nos façam entender porque a Educação, em dados contextos, era apenas uma das facetas de uma dualidade do país que ia para além da oposição interior/litoral.
Já agora, e porque é matéria que está relacionada com esta e é mais da minha área de (fraca) especialidade, repare-se como se distribuía a escolarização feminina no país em finais de Oitocentos. A “anomalia” insular explica-se, sem me alongar muito, pelo efeito da fortíssima emigração masculina. Mas ao nível do continente dá para perceber bastante bem os espaços de maior conservadorismo ou progressismo educacional no país pois nada como a educação das mulheres para testar as mentalidades de então.
As fontes dos dados são os censos e o Anuário Estatístico de 1900.
No norte da Europa, muito do progresso precoce da escolarização, ao nível da leitura mas não só, foi conseguido a partir da pressão das igrejas reformadas para que as populações acedessem directamente aos textos sagrados, combatendo o monopólio do latim que os sacerdotes católicos mantiveram até ao Vaticano II. Ao contrário do que alguns nos querem fazer acreditar, muito do nosso atraso cultural e educativo deve-se a uma concepção exclusivista do acesso à leitura e ao conhecimento praticado pelo clero português, à imagem do que se passou longamente no sul da Europa. Quando leio encómios enormes à acção educativa de algumas instituições eclesiásticas – não querendo retirar o mérito a muitas – não consigo deixar de sorrir perante a distorção consciente da História. Porque se fizermos um mapa da expansão da alfabetização e da literacia, ela acompanha de forma bastante fiel a fronteira entre o catolicismo e o protestantismo. Sendo que a data das leis relativas à obrigatoriedade da escolarização não são determinantes.
Isto é uma espécie de bêábá da História da Educação na Europa, sem nada de ideológico mas sim de factual, mas infelizmente há gente que andou à escola, mas nem o abecedário completo deve ter aprendido.
Fonte: Soysal e Strang, 1989.