Daria para prosa prolongada, mas a esta altura da semana e do dia, não me parece produtivo. Ficarei pela versão curta, na medida do impossível, esperando que a pressa não seja amiga de alguma incongruência ou discordância, ortográfica ou semântica.
As escolas e os professores estão presentemente perante uma espécie de cerco que, apesar de palavras suaves, irá esvaziar toda a sua autonomia e negará qualquer confiança nas suas excelsas qualidades.
Por cima, temos um ME que decidiu regressar a boa parte do pior do que tivemos nos anos 90 do século passado (eu sei, há nostálgicos que agora já recuperam esses tempos como dourados), ou seja, aquela verborreia toda cheia de conceitos e paradigmas e alegados modernismos e progressismos, em nome do direito ao sucesso e da centralidade do aluno em tudo o que é Educação, transferindo para os periféricos professores a responsabilidade por tudo o que aconteça que reduza um nível de sucesso na ordem dos 103-108% em qualquer ano de escolaridade, com ênfase nos não terminais. Apelidando de conservadores quem não se entusiasme com um retrocesso conceptual de duas décadas, a actual equipa do ME não se acanha em manter algumas das piores medidas dos governos do século XXI, excepção feita aos exames da 4ª classe. E nem se lhes fale em degelo, porque mesmo sem sobretaxa continuaremos a ganhar menos do que há quase uma década. O rosto sorridente é o do ministro Tiago, enquanto a cabeça falante é a do secretário João. A secretária Alexandra completa a trindade e lê o teleponto, enquanto acena para os microfones.
Do lado direito, temos uma fronda dos interesses privados pretensamente liberais (por afirmarem com muita força que defendem a liberdade – deles), para quem todos os cortes na rede pública de ensino se justificam devido a factores indesmentíveis e mais do que válidos como: a) crise demográfica; b) imperativos orçamentais; c) racionalidade financeira, mas que perdem toda a sua validade quando se aplicam aos seus amados contratos de associação em zonas onde há rede pública com capacidade para absorver os alunos sem custos adicionais. O seu rosto é o queirozeze, mantendo-se alvarengas&muñozes na sombra com a benção clerical onde os ensinamentos de despojamento de Cristo se encontram em baixa. O Observador é o seu órgão oficial.
Do lado esquerdo, temos duas federações sindicais unidas num espírito de colaboração com o Poder, umas vezes mais uma, outras vezes mais outra. Tudo aquilo que antes se dizia ser intolerável, no contexto certo e com as directrizes superiores adequadas, já é aceitável, desde que tudo se discuta à mesa, de três em três meses, se troquem números de telefone directo, exista diálogo e – se sobrarem uns trocos – forem recuperados privilégios em certas e determinadas formações. A luta que as uniu em tempos quase esquecidos está ultrapassada, os machados enterrados e toda a gente acha que é tempo de ser responsável. Por comodidade, passei a usar a designação de FNEprof, algo que escapa a alguns histriónicos articulistas de direita que ainda não perceberam até que ponto o Mário passou a ser o rosto da colaboração e não da contestação. O João, por estes dias, conta pouco e aquela vocação para director geral que marcou o último mandato tem pouca utilidade para a actual situação.
Por baixo, em acelerado crescimento, fertilizado por retóricas de proximidade e intensificado pela ânsia de fundos europeus, temos o lobby autárquico para o qual está reservada a transferência de muitas das competências que hoje ainda sobrevivem nas escolas e duas ou três que o ME aceita conceder. A acompanhar a entrega dessas competências irá um envelope financeiro chorudo, de verbas com origem nas Europas e destinadas à melhoria das qualificações e formação da população (desde o Fundo Social Europeu que lengalenga é a mesma, só mudando – será? – os mamões, para usar a terminologia do galamba antónio) através da sua aplicação em infra-estruturas (vai ser um fartote de obras públicas municpias e renovação de frotas automóveis dos empreendedores locais e outras lenas) e “projectos” destinados a combater o insucesso e o abandono, aos quais as escolas irão ter de se candidatar juntos dos shôres vereadores e presidentes, alguns dos quais altamente estimáveis, mas outros verdadeiros carreiras arrogantes e pesporrentos, de diferentes tonalidades. O rosto mais visível desta face do quadrado é a ANMP e uma ampla coligação de autarcas espalhados por todo o país, impacientes por aproximar a Educação da sua asa protectora, distanciando das escolas o centro das decisões mais relevantes, ou seja, as financeiras. Dispensam, já desde os tempos de Crato, a colocação dos professores, mas certamente abraçarão a contratação de técnicos especializados e formadores com o cartão certo. Quem se lhes opõe é centralista, salazarista quando visto por uns, estalinista quando visto por outros.
E a modos que é assim, há quem diga que eu sou pessimista, mas a verdade é que eu cresci a poucas centenas de metros do famoso oráculo de Belline e a verdade é que ele, nessa altura, jogava muito mal às cartas (era novinho, o miguel) e eu ganhava muitos cromos em jogos de lerpa.