Mitos Particulares

Na sebenta mal cuspida de alguns jovens (ou não tão assim) investigadores-opinadores do nosso recanto mal frequentado, o 25 de Abril foi devastador para o ensino privado em Portugal, tendo destruído quase por completo uma rede de ensino particular livre que ainda hoje não recuperou desse choque. Bem… têm razão numa parte, mas não em outra. Quando se observam as matrículas nos anos que rodeiam o 25 de Abril, percebe-se a clara redução de alunos no ensino particular (é bem verdade que muitas famílias saíram do país) mas não é verdade que o peso do ensino particular fosse muito elevado no sistema educativo nacional.

Matriculas74Se fizermos as contas bem feitas, em 1973-74, juntando Ensino Básico e Secundário, o sector privado alcançava apenas 12,5% das matrículas, algo que é exactamente o valor relativo que 40 anos mais tarde (2013-14) o ensino privado independente E com contratos de associação representa no Ensino Básico actual. Ou seja… após “40 anos de socialismo” estamos no ponto de partida… como no fim do Estado Novo 🙂 .

O facto do quadro ter a escolarização feminina em destaque é porque foi retirado de um trabalho em que esse era o tema central.

Alfabetização, Escolarização

Calma… não vos irei inundar com tiradas de erudição e quadros sem findar. Apenas gostaria que, em muitos outros dados disponíveis, reparassem na forma como se distribuía no século XIX o nosso atraso educativo em termos regionais. Para mim, foi sempre curioso perceber porque Coimbra, o distrito com a nossa mais tradicional Universidade (e então a única) era um daqueles em que a população era das menos alfabetizadas, em conjunto com outros distritos do centro do país. Se fizerem um cruzamento destes dados com os da religiosidade encontrarão umas relações interessantes que talvez nos façam entender porque a Educação, em dados contextos, era apenas uma das facetas de uma dualidade do país que ia para além da oposição interior/litoral.

AlfabJá agora, e porque é matéria que está relacionada com esta e é mais da minha área de (fraca) especialidade, repare-se como se distribuía a escolarização feminina no país em finais de Oitocentos. A “anomalia” insular explica-se, sem me alongar muito, pelo efeito da fortíssima emigração masculina. Mas ao nível do continente dá para perceber bastante bem os espaços de maior conservadorismo ou progressismo educacional no país pois nada como a educação das mulheres para testar as mentalidades de então.

EscolarAs fontes dos dados são os censos e o Anuário Estatístico de 1900.

 

Assimetrias

No norte da Europa, muito do progresso precoce da escolarização, ao nível da leitura mas não só, foi conseguido a partir da pressão das igrejas reformadas para que as populações acedessem directamente aos textos sagrados, combatendo o monopólio do latim que os sacerdotes católicos mantiveram até ao Vaticano II. Ao contrário do que alguns nos querem fazer acreditar, muito do nosso atraso cultural e educativo deve-se a uma concepção exclusivista do acesso à leitura e ao conhecimento praticado pelo clero português, à imagem do que se passou longamente no sul da Europa. Quando leio encómios enormes à acção educativa de algumas instituições eclesiásticas – não querendo retirar o mérito a muitas – não consigo deixar de sorrir perante a distorção consciente da História. Porque se fizermos um mapa da expansão da alfabetização e da literacia, ela acompanha de forma bastante fiel a fronteira entre o catolicismo e o protestantismo. Sendo que a data das leis relativas à obrigatoriedade da escolarização não são determinantes.

Isto é uma espécie de bêábá da História da Educação na Europa, sem nada de ideológico mas sim de factual, mas infelizmente há gente que andou à escola, mas nem o abecedário completo deve ter aprendido.

SoysalStrang

Fonte: Soysal e Strang, 1989.

Avis Rara

Acabo de auto-avaliar uma actividade extra-curricular de que fui um dos coordenadores com um simpático “Não Satisfaz” porque, por diversos motivos, não iremos concretizar o objectivo final. Claro que poderia auto-justificar tudo com imensas razões “válidas” (e até apresentei a principal), mas isso não impede que a coisa não tenha sido satisfatória. Porque detesto aquela prática da auto-desculpabilização sem consequências para o que não se fez.

Pato-walks-o