De vez em quando, uma ideia aparece e não a quero perder e só a reencontrar passado algum tempo; há poucos dias fiz uns apontamentos para um pequeno texto motivado pela sensação resultante do que vou lendo sobre Educação nos últimos meses, em especial no que se refere à renovada pressão para o sucesso dos alunos, às estratégias destinadas a colocar a única responsabilidade do insucesso nos docentes, as propostas de reorganização dos ciclos de escolaridade e aquelas outras constatações sociológicas sobre as práticas segregacionistas ou mesmo racistas dos professores portugueses, tudo feito com a cortesia de investigadores ou políticos que depois gostam muito de afirmar a sua confiança nesses mesmos professores e nas escolas às quais querem retirar competências para as entregar às autarquias.
Não escrevi logo por texto e acabei por aproveitar estes dias de algum convívio docente intra ou extra-escola para verificar que a maioria dos meus colegas de geração sente-se algo parecido a mim… a sensação de que somos indesejados no sistema de ensino por boa parte dos decisores – e daqueles que os apoiam ou pretendem aconselhar – na área da Educação.
Porquê?
Porque muitos dos professores na casa dos quarenta e muitos e cinquenta e tal ainda têm a memória viva de outros tempos, outras formas de fazer e estar, outros modos de organização escolar, de tomada de decisões, assim como do percurso, práticas e retóricas de muitos dos que continuam sempre na mó de cima no que diz respeito a dizer como se faz ou deve fazer, mas sem nunca terem demonstrando, quando puderam, se seriam capazes de o fazer. Os professores que nasceram ali pelos anos 60 ou mais e que entraram na profissão até aos anos 90 ainda sabem como isto evoluiu, o que melhorou e o que piorou e, salvo algumas minorias de crédulos, rendidos ou desistentes, tem uma opinião bastante próxima – que é transversal a simpatias político-partidárias – pelas legitimações de políticas pela OCDE, dos estudos tipo-isczé (governos de esquerda), made in Católica (governos de direita) ou das vagas de maior intensidade dos pareceres do CNE (até porque é fácil ir às fichas técnicas e dar com os nomes, os mesmos quase desde a fundação afonsina).
É uma geração de professores muito cépticos, que para alguns estão imbuídos de uma “cultura de retenção”, que ainda não conseguiram ver bem a luz do belo pensamento das pedagogias mais avançadas ou dos novos paradigmas com um século, que ainda não se renderam à inevitabilidade da proletarização ou da precariedade e que, conforme os contextos, são mais ou menos acusados por alguma opinião publicada de serem “conservadores”, “retrógrados”, “privilegiados” ou “corporativos”. Em tempos de governos do PS costumam avançar os progressistas que anunciam o século XXI com amanhãs sorridentes de sucesso, enquanto em tempos de governos do PSD/CDS avançam os apóstolos da racionalidade financeira, da necessidade de accountability e dos novos modelos de gestão.
Para além das guerras de alecrim e manjerona para cerrar fileiras que se pretendem antagónicas, todos convergem em políticas de centralização hierárquica das decisões, de esvaziamento das competências das escolas e de domesticação da carreira docente. E todos defendem um rejuvenescimento do corpo docente ou da sua forma(ta)ção para as novas tendências, por forma a implementarem com poucas ondas e contestações as políticas de sucesso escolar e financeiro que políticos e especialistas consideram inadiáveis para melhorar o desempenho dos alunos, mesmo se esse desempenho melhorou de forma consistente nas últimas duas décadas de acordo com os testes internacionais PISA, TIMMS ou PIRLS.
Os indesejados somos nós, os professores que, apesar de congelados a meio da carreira ou pouco mais, são considerados caros, problemáticos e incapazes de se adaptar aos novos tempos. O que se deseja é um proletariado docente, cordato, agradecido por lhes darem um lugar ao sol, a quem se fomenta a inveja em relação aos mais velhos, de quem se espera uma obediência quase total, como retribuição por uma qualquer vinculação ou contratação, mesmo que precária. Os indesejados são aqueles que se querem afastar ou vencer pelo cansaço, pelo esgotamento, pelo massacre contínuo, de forma mais explícita ou mais melíflua, combinando demagogia política com “estudos científicos” encomendados à medida.
Mas, quase por definição, estes indesejados são muito teimosos. E têm uma longa experiência de suportar as manipulações, as desconsiderações (materiais e simbólicas) e as mistificações da opinião pública.
O que é uma chatice. A Memória é uma chatice e o alzheimer ainda é capaz de demorar uns anos a bater em força.

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