Contaminação

Tudo começou há cerca de 15 anos com baixa intensidade, agravou-se em termos de crispação com o engenheiro e polarizou-se de forma brutal a partir de 2011. Não há espaço para debate, só para trincheiras e fileiras. Apoias este e és obrigatoriamente de [preencher a gosto]; criticas aquele e és necessariamente de [preencher a gosto].

Não há meio termo, não há áreas de respiração e debate, tudo tem de estar alinhado de um lado ou outro, a menos que se queira ser considerado traidor ou pária. A liberdade individual como que desapareceu a par da racionalidade argumentativa. A menos que sejam os actuais desalinhados de estimação, tipo Assis (para a Direita) ou Pacheco Pereira (para a Esquerda).

Há sempre um progressivo novo patamar mais baixo em tudo isto. Tudo está contaminado, tudo tem uma enorme carga tóxica. O debate público está irrespirável. Se era preciso lembrar-me de uma das principais razões que me levaram a encerrar o Umbigo, estas semanas têm sido muito úteis. E eu que detesto uniformes, bandeirinhas, aparelhistas reais e virtuais e patentes para-militares.

Mascara

Sabão na Boca

Marques Mendes, o novo-velho oráculo do regime, deveria falar sobre muita coisa, excepto sobre conflitos de interesses o algo vagamente relacionado com ética política.

Faltavam quatro meses para rebentar o escândalo do caso Vistos Gold quando, a 22 de julho de 2014, Marques Mendes telefona a Jaime Gomes, seu antigo sócio, a perguntar por novidades. O empresário tinha uma “boa” e “má” notícia. A boa é que, no que respeitava “ao assunto do IVA”, as Finanças tinham dado “um parecer favorável”. A má é que naquele momento andavam “aos tiros no aeroporto” de Trípoli, capital da Líbia. E os feridos continuavam lá à espera, lamentava.

Marques Mendes começa por concentrar-se na parte positiva, dizendo que “essa coisa do IVA” era “importante”. Porque sem isso o negócio estaria “furado”, não era?, indagou o comentador televisivo. Mais do que isso: estaria “morto, morto, morto”, respondeu Jaime Gomes. A conversa seguiu com os dois interlocutores concentrados na parte negativa. Era preciso, dizia Marques Mendes, ver se a situação acalmava, se “não se matam todos”. Jaime Gomes sugere que até era melhor que não morressem: “Quanto mais feridos houver, mais oportunidades existem.” E continuou, entre risos, fazendo uma comparação com a história do cangalheiro que tinha uma funerária no hospital e dizia:

“Não quero que ninguém morra, mas quero que a minha vida corra.” Marques Mendes concordou: ali era a mesma história, só convinha era que “os gajos” não morressem. Mas se ficassem nem que fosse um pouco “tortos”, isso até daria “jeito”, ironizou.

marquesMentes

O Mito do Contexto – 2

Retirar declarações do seu contexto é eliminar quando aconteceram, onde, o que as antecedeu e, eventualmente, o que se seguiu. Isso, sim, é descontextualizar o que foi dito. Infelizmente, por eventuais fidelidades político-partidárias que tornam o debate político em Portugal, não apenas em Educação, praticamente impossível e profundamente irracional, usam-se termos de forma disparatada, diria mesmo “descontextualizada”, apenas para atacar ou defender os da mesma cor ou os que, de momento, são da mesma cor. Ir em busca de inflexões de voz, ler pensamentos e até encontrar “carinho” na forma como as coisas são ditas para afirmar que uma coisa é outra, pode funcionar em alguns casos mais particulares, mas dificilmente em assuntos de Estado. Há cargos que implicam alguma reserva, contenção e preparação do que se vai dizer. Assim como há momentos, circunstâncias que apelam ao mesmo. Se há quem discorde disso, então não deve buscar esses cargos e meter-se em tais embaraços. Porque nem tudo é uma tertúlia de amigos ou de comentadores televisivos.

Mas eu sou muito radical nestas coisas, ainda acredito que as palavras valem alguma coisa e que nem tudo é pós-modernizável, relativizável, explicável pelo “contexto”.

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O Mito do Contexto

Leio muita gente a defender que devemos reparar no “contexto” das afirmações de António Costa sobre a boa ideia que seria para os professores de Português aproveitarem a possibilidade de darem aulas em França, atendendo ao facto de terem pouco emprego em Portugal por causa dos factores demográficos. A declaração é praticamente igual à de Pedro Passos Coelho em finais de 2011.

De acordo com os teorizadores do “contexto”, quem não percebe as diferenças é burro, demagogo ou, mais simplesmente para os simplistas, “é de Direita” (sim, chegámos a este ponto raso de argumentação nestes tempos de maniqueísmo exacerbado) como li num grupo de professores de “uma rede social”. Em outros ambientes li que quem não percebe a diferença de “contexto” ou não sabe ler ou não sabe interpretar.

Pronto. Ponto. Final.

Discordo em grande parte.

Sim, o contexto é diferente: António Costa estava a falar em França, onde defendeu a língua portuguesa falando grande parte do tempo em francês (nunca vi governantes franceses a falar português quando nos visitam) e, ao que parece, feliz pelo facto de Hollande (esse vulto da coerência pessoal e política ao nível da palavra dada e das promessas assumidas) reconhecer a importância da língua portuguesa em França. Para além disso, António Costa estava a falar num momento histórico singular, em que o governo tem o apoio explícito e praticamente incondicional da maior central sindical de professores, em que nos querem fazer acreditar que cortar subsídios a 40 colégios é a maior medida de defesa da Escola Pública desde que o Egas Moniz ensinou o Afonso Henriques a assinar de cruz e em que, dizem os economistas optimistas, estamos num “novo ciclo” que se afirma de “crescimento”.

Realmente, o “contexto” é diferente, até porque Passos Coelho falava numa entrevista a um jornal, em recato, com poucos meses de governação e ainda um razoável estado de graça para Nuno Crato que se preocupara em “despachar” a questão da avaliação do desempenho docente (com assinatura de sete sindicatos e declarações de Mário Nogueira que, apesar de não assinar, afirmou para os professores se preocuparem com outras coisas e “seguirem em frente”) e ainda não fizera um décimo das tropelias que marcariam o seu mandato. Sim… é preciso lembrarmo-nos de que Dezembro de 2011 não é Dezembro de 2014 e que, por exemplo, o massacre dos professores de EVT acontecera ainda no mandato de Sócrates. E Crato só assumiu claramente que iria deixar de contratar muitos professores em entrevista ao Sol em Setembro de 2012.

A esta distância pode já tudo parecer-nos um borrão, com fronteiras indefinidas, mas há que saber – ainda – distinguir “os contextos”. Já para não falar da troika e essas coisas. O problema do “contexto” é que quando chamamos por ele devemos conseguir contextualizá-lo em termos de factos e datas. Não basta invocá-lo e dizer umas generalidades a propósito.

Que se entenda uma coisa: não estou a defender PPC que sempre se mostrou muito disponível para dizer disparates sobre Educação, área de que ele não percebe mais do que alguns assessores lhe dizem ser verdade. PPC é uma nulidade na matéria e nunca isso esteve em causa. O seu apelo à emigração dos professores para os PALOP fazia para ele(s) imenso sentido e até acredito que ficou chocado por não termos acolhido de braços abertos tão generosa sugestão.

Agora que também fique claro que espero que António Costa não esteja sempre a pensar que ainda está na Quadratura do Círculo e que pode dizer coisas que parecem giras que daí não há consequências práticas. Que ele tivesse dito que está a tomar medidas para redignificar a situação profissional dos professores de Português junto das nossas comunidades de emigrantes, que está a estabelecer acordos para a expansão da presença de algumas dezenas (centenas, muito dificilmente) de professores em França, tudo bem… agora afirmar que isso é uma janela de oportunidade de emprego ou algo parecido para as dezenas de milhar de professores no desemprego é de uma enorme demagogia.

Não foi isso que ele disse? Estou a ser radical? Não sei ler? Não sei interpretar e fazer a exegese de meia dúzia de frases bem claras e preciso que me explicitem o “contexto”?

Olhem que não, olhem que não…

O primeiro-ministro António Costa esteve por estes dias em França e recomendou aos professores portugueses que estejam atentos às oportunidades no país.

Em breve serão marcadas “as reuniões do grupo técnico que existe entre Portugal e França para o alargamento da presença do português” como língua de aprendizagem nas escolas francesas, salientou o PM, que destacou que isto é obviamente muito importante para a difusão da nossa língua. É também uma oportunidade de trabalho para muitos professores de português que, por via das alterações demográficas, hoje não têm trabalho em Portugal e que podem encontrar aqui, mas é também um grande desafio para a nossa tecnologia e para a capacidade de fomentar o ensino à distância”, considerou, citado pela Lusa.

Em 2011, Passos Coelho foi criticado por ter mandado os professores emigrar. “Sabemos que há muitos professores em Portugal que não têm nesta altura ocupação e o próprio sistema privado não consegue ter oferta para todos. Nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que ou consegue nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas ou querendo-se manter, sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado de língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa”.

Foi numa entrevista ao Correio da Manhã que o actual líder do PSD deu conta da sua opinião sobre o tema. “Angola, mas não só Angola, o Brasil também, tem uma grande necessidade ao nível do ensino básico e do ensino secundário de mão-de-obra qualificada e de professores”, salientou Passos Coelho. O ex-primeiro ministro recusou depois que tenha convidado alguém a emigrar.

O que é preocupante para mim é que o “contexto mental” dos dois PM (um destro, outro canhoto, politicamente, claro) é muito semelhante. Quando se lhes ocorre singularizar um grupo profissional para emigrar do país parece só lhes ocorrer o dos professores. É com a melhor das intenções? Sim, sim… e o Inferno e tal.

Futre