A Expansão Burrocrática

Participei ontem numa das mesas redondas do Luso 2016, onde era o único elemento do ensino não-superior, e foi interessante constatar como nas Universidades e Centros de Investigação avançam os lamentos perante o tempo que se perde em ralatórios e tarefas administrativas destinadas a requerer, validar, avaliar, justificar, representar os actos praticados, a praticar ou a ver não autorizados. Não pude deixar de fazer um sorriso pouco alegre e dar-lhes as “boas vindas” ao admirável mundo velho dos básicos e secundários, tendo sido suficientemente educado para me esquecer de lhes dizer que deviam ter antecipado, em devido tempo, que seriam os próximos a ser apanhados pela maré.

Burocracia-escolar

Quantos?

Vai por aí polémica exacerbada e ofensiva acerca de quantos participantes estiveram ontem em Lisboa em defesa da Escola Pública. Não sei, não estive lá e o que vi em fotos e na televisão dá-me, com base na minha escassa experiência de desfilador e marchante, apenas a certeza de que somos quase todos muito fracos em Aritmética, quanto mais em Matemática.

O que sei? Que quando se começam a ofender pessoas, neste caso a jornalista Clara Viana, por causa de números, alguma coisa está errada, tão errada como ofender quem lá não quis estar, procurando arranjar inimigos externos para encobrir um erro táctico elementar (tentar responder a outras manifestações de grupos de pressão e marcá-la para dia de jogo da selecção, levando-a a perder praticamente qualquer impacto mediático) e um frentismo político que tende mais a cavar trincheiras na sociedade do que a unificar seja o que for.

Até porque, para mim, a questão que falta é a seguinte: quantos dos subscritores iniciais da petição que está associada a esta manifestação apareceram por lá e quantos serão (ou não) atropelados pela mesma malta destemperada que gosta de ofender todos os que não encarneiram com a coreografia de apoio ao governo e ao ME? Por que não vi lá os fagundesduartes, os ricardosrodrigues os porfíriosilvas (afinal, parece que este andou por lá e até falou) e mais uma série de gente (ainda pensei que existisse um mini-concerto folkinlisboa) que dá o nome e o número de cêcê para a lista, mas que só os desmemoriados confundem com defensores convictos da Coisa (nem digo apenas Educação ou Escola) Pública.

palavr

A Memória das Lutas

2 de Junho de 2015:

Representantes das oito organizações que constituem a Plataforma Sindical Docente fizeram, em conferência de imprensa realizada em Lisboa (5/06/2015), o balanço da consulta aos professores sobre a municipalização da educação. 97,5 por cento dos votantes disseram “Não!” .

A resposta dada pelos professores foi contra o processo de municipalização e não quanto à forma como o processo de municipalização estava e está a decorrer. E penso que esta distinção irá fazer toda a diferença nos próximos tempos, quando nos surgirem a defender a boa municipalização. No programa de acção da Fenprof para 2016-19, aprovado em 30 de Abril passado no seu 12º congresso, a páginas 19 lê-se que:

Em consulta nacional, por voto secreto, os professores portugueses disseram “não” à municipalização da educação (98% dos votos expressos). Neste contexto,a FENPROF defende a suspensão deste projeto-piloto, alertando para os riscos associados à municipalização da educação: o acentuar de assimetrias entre escolas de diferentes municípios; o descomprometimento do Estado em termos de financiamento e responsabilidades sociais; um maior controlo sobre as escolas; o aumento do clientelismo, do sentimento de insegurança e da desmotivação dos professores.
Repare-se que se fala na “suspensão” e não no seu fim. E agora reparem no que se afirma no parágrafo seguinte:
.
Por se tratar de uma reconfiguração do sistema educativo, a FENPROF exige que qualquer processo de transferência de novas responsabilidades para o poder local seja objeto de debate público e negociação com as organizações representativas da comunidade educativa. Um debate que garanta o envolvimento das escolas e dos professores, valorizando as suas posições e os seus contributos. E deve ser enquadrado por uma ideia que reflita os caminhos e as condições para a descentralização administrativa do país.
Eu traduzo: a municipalização será aceite se for negociada com “as organizações representativas” e desde que seja enquadrada por uma ideia de regionalização que seja comum ao PS e PCP.
.
Se assim for feito, termos uma boa municipalização, que se dirá descentralizadora. Será alegado que dela estará ausente a gestão do pessoal docente (algo que já acontece em todos os contratos assinados até agora). E uma das causas mais agregadoras do pessoal docente será abandonada pelas suas “organizações representativas”. TODAS: Em nome de outros valores. Porque TODAS andam é a tratar da sua vidinha e da sua posição à mesa das pizzas e dos entendimentos.
.
Espero, aliás, pelo texto de alguns discursos de ontem, para verificar as omissões ou os truques de linguagem acerca desta matéria, bem como outros esforços por apagar nacos do passado e substituí-los por fotografias novas.
.
Espero, ainda, que os moços de fretes que agora já por aqui pousam de vez em quando não venham dizer que isto é um texto anti-sindical quando apenas é um texto contra o processo de apagamento da Memória em decurso.
Municip
Foto do Henrique Faria na manifestação de ontem.