A Memória das Lutas

2 de Junho de 2015:

Representantes das oito organizações que constituem a Plataforma Sindical Docente fizeram, em conferência de imprensa realizada em Lisboa (5/06/2015), o balanço da consulta aos professores sobre a municipalização da educação. 97,5 por cento dos votantes disseram “Não!” .

A resposta dada pelos professores foi contra o processo de municipalização e não quanto à forma como o processo de municipalização estava e está a decorrer. E penso que esta distinção irá fazer toda a diferença nos próximos tempos, quando nos surgirem a defender a boa municipalização. No programa de acção da Fenprof para 2016-19, aprovado em 30 de Abril passado no seu 12º congresso, a páginas 19 lê-se que:

Em consulta nacional, por voto secreto, os professores portugueses disseram “não” à municipalização da educação (98% dos votos expressos). Neste contexto,a FENPROF defende a suspensão deste projeto-piloto, alertando para os riscos associados à municipalização da educação: o acentuar de assimetrias entre escolas de diferentes municípios; o descomprometimento do Estado em termos de financiamento e responsabilidades sociais; um maior controlo sobre as escolas; o aumento do clientelismo, do sentimento de insegurança e da desmotivação dos professores.
Repare-se que se fala na “suspensão” e não no seu fim. E agora reparem no que se afirma no parágrafo seguinte:
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Por se tratar de uma reconfiguração do sistema educativo, a FENPROF exige que qualquer processo de transferência de novas responsabilidades para o poder local seja objeto de debate público e negociação com as organizações representativas da comunidade educativa. Um debate que garanta o envolvimento das escolas e dos professores, valorizando as suas posições e os seus contributos. E deve ser enquadrado por uma ideia que reflita os caminhos e as condições para a descentralização administrativa do país.
Eu traduzo: a municipalização será aceite se for negociada com “as organizações representativas” e desde que seja enquadrada por uma ideia de regionalização que seja comum ao PS e PCP.
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Se assim for feito, termos uma boa municipalização, que se dirá descentralizadora. Será alegado que dela estará ausente a gestão do pessoal docente (algo que já acontece em todos os contratos assinados até agora). E uma das causas mais agregadoras do pessoal docente será abandonada pelas suas “organizações representativas”. TODAS: Em nome de outros valores. Porque TODAS andam é a tratar da sua vidinha e da sua posição à mesa das pizzas e dos entendimentos.
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Espero, aliás, pelo texto de alguns discursos de ontem, para verificar as omissões ou os truques de linguagem acerca desta matéria, bem como outros esforços por apagar nacos do passado e substituí-los por fotografias novas.
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Espero, ainda, que os moços de fretes que agora já por aqui pousam de vez em quando não venham dizer que isto é um texto anti-sindical quando apenas é um texto contra o processo de apagamento da Memória em decurso.
Municip
Foto do Henrique Faria na manifestação de ontem.

9 opiniões sobre “A Memória das Lutas

  1. Em política, seja na área educativa ou em qualquer outra, não há lugar para “angelismos”, mas confronto e luta de interesses. Os interesses privados da educação, representados pela direita (onde o pragmatismo se sobrepõe, por norma, a questões ou divergências menores), estão, mais uma vez, hoje a afirmar-se em força na rua, no Porto. À esquerda, PS e PCP, sobretudo, procuram assegurar ou conquistar as posições que lhes facultem domínio político-territorial – outra coisa não está por detrás do projecto da “municipalização” da educação -, sacrificando tudo o mais a esses objectivos estratégicos.

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  2. Não me parece que tenha a ver com “domínio político-territorial”, o que quer que isso seja.
    Acho que a questão é muito mais prosaica e tem a ver com dinheiro, nomeadamente a captação de fundos comunitários que, por meandros que desconheço em pormenor, escorrem mais facilmente se vierem a reboque do “desenvolvimento regional”. E na falta de uma regionalização do território que nunca se fez, terão de ser as autarquias a candidatar-se.

    Eu percebo e concordo com as questões de princípio invocadas pelo Paulo, mas o problema é sempre o mesmo: se queremos governar o nosso sistema educativo com o dinheiro dos outros temos de fazer as coisas segundo as regras deles.

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    1. O dinheiro dos nossos impostos não é “dos outros”. Os dinheiros europeus podem ser canalizados de um modo que as escolas não tenham de levar os seus projectos ao gabinete do senhor vereador/presidente para terem financiamento.

      Compreendo a rendição à real politik sindical, mas não a pratico.

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  3. O dinheiro dos outros a que me referi é dinheiro dos contribuintes, também, só que europeus.

    “Os dinheiros europeus podem ser canalizados de um modo que as escolas não tenham de levar os seus projectos ao gabinete do senhor vereador/presidente para terem financiamento.”
    Acho que é por aí. Mas isso implica negociar…

    O maior risco que eu vejo nesta história da municipalização é o de se acentuarem assimetrias e de se criar um sistema educativo a várias velocidades, como se viu por exemplo com a Parque Escolar: nuns concelhos há uma aposta estratégica na educação e consegue melhorar-se aquilo que já era bom. Noutros lados, onde o pessoal não exige mais, preferem continuar a fazer rotundas e obras de fachada e as escolas recebem as sobras.

    Lá para os meus lados não nos podemos queixar, um concelho pobre e montanhoso, e mesmo sem municipalização temos apoios financeiros da câmara a diversos projectos e vários equipamentos camarários à disposição. É nesta perspectiva que gostaria de encarar a política local de educação: como um complemento ao que já existe e não como uma transferência de competências que estão bem na responsabilidade das escolas.

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    1. Numa perspectiva de solidariedade nacional e europeia – eu que nem sou muito internacionalista – ou o dinheiro dos contribuintes é da comunidade ou não é de ninguém, muito menos so shôr vereador, por muito boa pessoa que seja.

      Ficarei muito interessado em ver, num presente próximo, um qualquer parecer do CNE nesta matéria a obter unanimidade, dos representantes sindicais mais “progressistas” ao de uma certa direita pedagógica. Aliás, como já aconteceu em alguns outros documentos recentes. 🙂

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  4. O quê? Agora a FENPROF tb já é uma organização representativa da “comunidade educativa”? Se fosse eu a dizer isso era logo acusado de usurpação de poder!

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  5. c’um caracas! de repente ao ler o texto e os comentários lembrei-me de aforismos…dos cem aforismos sobre amor e sorte…sorte?não…não morte claro. sempre me foi difícil o Nietzsche, logo a começar pelo soletrado…

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