Respostas completas para a peça de Isabel Leiria, no Expresso de hoje, sobre o envelhecimento do pessoal docente.
– O envelhecimento do corpo docente tem manifestações visíveis nas escolas, quer na relação professor-alunos, quer no próprio desgaste/bem-estar/capacidade do professor no exercício das suas funções?
Sim. A combinação do envelhecimento com a diminuição da redução da componente lectiva por motivo de idade e tempo de serviço tem consequências graves, que só parcialmente podem ser minoradas pela maior experiência. O aumento da diferença etária em relação aos alunos provoca naturalmente uma maior estranheza, por exemplo, na própria forma de falar, no vocabulário usado porque, mesmo quando se tem filhos e netos com a idade dos alunos, há uma crescente divergência comunicacional. Há 20 anos, em algumas zonas do país, os alunos ainda conheciam uma série de termos e realidades que agora praticamente desconhecem, enquanto nem todos os professores conseguem acompanhar a aceleração da modernidade tecnológica e dos códigos linguísticos dos jovens. Isto perturba a comunicação, dificulta a relação pedagógica e introduz um fenómeno de insegurança nos docentes, por vezes mascarado pelo que pode parecer um maior distanciamento ou autoritarismo.
– Foi recentemente chumbado um regime especial de aposentação para os professores. Seria a solução boa para este problema? Acredita que algum governo tenha margem para avançar por aí atendendo à estrutura etária da sociedade portuguesa e aos custos que uma medida desse género necessariamente acarretaria?
Dizem os chavões da política que a governação é a arte de fazer escolhas e estabelecer prioridades. A Educação deixou de ser uma prioridade perante os imperativos da eficácia económica. Qualquer governo teria margem para introduzir um sistema de aposentação digno para os docentes se essa fosse a sua prioridade. Os encargos adicionais não seriam numa ordem comparável à de outras verbas consumidas para assegurar outros encargos do Estado. Até porque a entrada de professores mais novos, em início de carreira, fariam baixar sensivelmente as despesas correntes com o pessoal.
– Com o continuar dos professores em exercício por mais anos, a situação tenderá a agravar-se. Que consequências antevê?
O agravamento dos fenómenos de esgotamento psíquico, de burnout profissional, de absentismo por motivos de saúde e de degradação das condições de ensino na sala de aula, porque um professor que não está bem, só com dificuldade consegue assegurar as suas funções com a mesma qualidade que conseguiria há 10 anos (e a remissão para 2006 não é inocente). A dificuldade em lidar com situações de indisciplina, em assegurar a crescente carga burocrática que em nada na última década, apesar dos recursos digitais, muito pelo contrário e a menor disponibilidade para desenvolver práticas pedagógicas inovadoras e com algum risco reduzir-se-ão progressivamente.
– A redução em um quarto do numero de professores no sistema em 10 anos esteve longe de ser acompanhada por idêntica redução de alunos. As escolas ressentiram-se, nomeadamente em termos de apoio aos alunos ou havia também algum ‘desleixo’ na gestão e afetação de recursos humanos?
O alegado desleixo na afectação de recursos, evocado desde o ministro David Justino para justificar a redução dos professores em exercício, não justifica a forma como os meios humanos têm sido reduzidos e aumentada a sua carga de trabalho. Existia, mais do que desleixo, algum compadrio em práticas de clientelismo local que só residualmente foram controladas, pois nenhum dos modelos de colocação de professores conseguiu eliminar tais práticas, muito menos os que alegam a “flexibilização” das contratações como melhor forma de afectar os recursos. A redução do pessoal docente muito acima da redução de alunos é algo que foi denunciado sempre que cada ministra ou ministro o apresentou como argumento, mas a verdade é que o consenso existente nos últimos 15 anos para domesticar profissionalmente e proletarizar materialmente a classe docente foi transversal aos diversos governos, em alguns casos com a própria cumplicidade sindical em troca de outro tipo de entendimentos.

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