Descongelaram e não nos Informaram

O Arlindo fez o apanhado dos problemas que a Fenprof e a FNE encontram no arranque deste ano lectivo (aqui e aqui), mas parece-me que lhe escapou um detalhe perturbador. Não me espanta que uns estejam muito pouco contestatários e outros estranhamente vocais. De qualquer modo, tanto os primeiros quanto os segundos ignoraram por completo a manutenção do congelamento da carreira docente. O que é estranho, porque por muito importantes que sejam outras questões de ordem laboral, parece-me que há algo que é essencial para quem está nas escolas e em tempos já teve uma carreira com um horizonte de progressão. É verdade que afunilar as causas de descontentamento dos docentes tem as suas desvantagens, mas obliterar por completo, poucos dias depois de passarem 11 anos sobre a data do primeiro congelamento parece-me esquisito. A menos que os tenham descongelado a eles e nós não saibamos.

Ou então fica tudo à espera de 2017 e do orçamento feito à medida de pagar o buraco da cgd.

gelo

Tutorias – 2

Uma curiosidade deste modelo de tutoria para as massas (ou “terapia de grupo” como o Alexandre Henriques lhe chamou numa designação com a qual concordo em absoluto) que este ME quer fazer passar por ser uma alternativa para combater o insucesso escolar é a forma como tenta que esqueçamos – ou, pelo menos, alguns de nós que não se desmemoriaram – que as tutorias são algo que existe há muito tempo no nosso sistema de ensino.

É o caso do despacho 178-A/ME/93, que no seu capitulo III, alínea j) prevê a existência de “programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo, orientação e aconselhamento do aluno”.

Assim como no nº 1 do artigo 10º do decreto regulamentar n.° 10/99, de 21 de Julho se estipula que “a direcção executiva pode designar, no âmbito do desenvolvimento contratual da autonomia da escola ou do agrupamento de escolas, professores tutores responsáveis pelo acompanhamento, de forma individualizada, do processo educativo de um grupo de alunos, de preferência ao longo do seu percurso escolar.”

No seu ponto 2, pode ler-se que “as funções de tutoria devem ser realizadas por docentes profissionalizados com experiência adequada e, de preferência, com formação especializada em orientação educativa ou em coordenação pedagógica” e no ponto três temos que:

Sem prejuízo de outras competências a fixar no regulamento interno, aos professores tutores compete:

a) Desenvolver medidas de apoio aos alunos, designadamente de integração na turma e na escola e de aconselhamento e orientação no estudo e nas tarefas escolares;

b) Promover a articulação das actividades escolares dos alunos com outras actividades formativas;

c) Desenvolver a sua actividade de forma articulada, quer com a família, quer com os serviços especializados de apoio educativo, designadamente os serviços de psicologia e orientação e com outras estruturas de orientação educativa.

Explicitamente como medida de combate ao insucesso escolar são previstos “programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo, orientação e aconselhamento do aluno” na alínea c) do nº 3 artigo 2º do despacho normativo 50/2005.

Já no decreto-lei 75/2008 de má memória por outras razões, se continua a prever no nº 4 do seu artigo 44º que “no desenvolvimento da sua autonomia, o agrupamento de escolas ou escola não agrupada pode ainda designar professores tutores para acompanhamento em particular do processo educativo de um grupo de alunos.”

É por isso que encontramos ao longo, pelo menos, dos últimos 20 anos imensos materiais sobre as tutorias como método de combate ao insucesso escolar e ao abandono e regulamentos e planos bastante extensos, detalhados e bem estruturados de acção tutorial (este é apenas um exemplo)..

Que isto pareça ter sido esquecido por muita gente é algo que eu consideraria estranho, caso já não estivesse habituado a estas amnésias selectivas.

calvin exams

Tutorias – 1

O Expresso traz hoje uma longa peça (felizmente sem aquelas enormes fotos a ocupar o espaço da informação) da Isabel Leiria sobre o modelo de tutorias reformulado por este ministro da Educação com declarações, por exemplo, do Alexandre Henriques e minhas. Fica aqui o meu depoimento inicial, garantindo eu que escrevi “conselho de turma” antes do corrector ortográfico do jornal (escrevo sem AO) ter baralhado as coisas no texto impresso. De vez em quando dou a minha calinada (mera gralha ou calinada mesmo) devido à pressa ou distracção, mas não foi o caso.

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As tutorias são das medidas mais eficazes no enquadramento dos alunos com problemas de abandono ou insucesso escolar, porque leva ao estabelecimento de uma relação individualizada e de confiança com o tutor. Isso pode permitir a abordagem de questões do foro pessoal do aluno que podem estar a dificultar as suas aprendizagens ou outros aspectos da sua vida escolar. Pude verificar isso nas vezes em que fui professor tutor; quando corre bem, até acaba por levar outros alunos a querer ter tutoria.
Se há um “segredo” ou mais valia desta medida é exactamente a personalização do tipo de apoio e o facto de não ser um mero apoio disciplinar, mas mais uma espécie de aconselhamento.
Por isso, acho um disparate que se definam rácios de 10 alunos por professor com 4 horas semanais. Mesmo fazendo um desdobramento das horas pelos alunos, isso significa que cada hora terá de corresponder a 2-3 alunos e nem sempre as questões a abordar se adequam a um apoio de grupo, em especial quando os alunos nem sequer são colegas de turma. E isso significa que cada aluno acabará por beneficiar apenas de um ou duas horas. Com os 10 alunos em grupo, ainda seria pior com 15 minutos por aluno ou pouco mais.
As tutorias devem ser estabelecidas noutra base, com horas fixas no horário mas, ao mesmo tempo, com a possibilidade do professor-tutor intervir fora de um horário rígido. E também faria sentido que as tutorias fossem atribuídas a professores do Conselho de Turma dos alunos e não conforme a disponibilidade de horas de acordo com os critérios ministeriais.
Na ausência de uma formação nesta área, seria importante que a função fosse assegurada por docentes com perfil para ela e não, como se corre o risco em muitas escolas, por quem tenha insuficiência de horário ou redução da componente lectiva ao abrigo do artigo 79º do ECD.
Quanto a outro tema, acho que os percursos curriculares alternativos – vulgo PCA – são uma resposta mais adequada e menos demagógica do que os cursos vocacionais para o Ensino Básico com a sua pseudo-componente “profissional” e as suas regras de funcionamento desajustadas ao perfil dos alunos, acabando por obrigar escolas e docentes a “fabricar” sucesso sob pressão ministerial. Os PCA permitem adequações curriculares e no processo de avaliação que podem resolver boa parte dos problemas verificados em muitos alunos com 2 ou mais retenções. Embora o essencial seja o despiste precoce das situações problemáticas.
calvin exams