O meu vício mais antigo e mais entranhado, aquele que não desaparece e aumenta a cada nova descoberta ou aquisição. Como dizia mais ou menos o Eco, a nossa biblioteca não se define apenas pelo que lemos, mas por tudo aquilo que não conseguimos ler, mas queremos ter na mesma. Despertar esse gosto, educar esse prazer, só se consegue depois de o fazer com a leitura, com a ânsia por conhecer, não apenas os factos mas em especial as ficções. Nada disso se consegue com concursos de velocidade, ou mesmo de soletrar (à maneira dos anglófonos), mas com o mergulho e manuseamento dos livros, de todos os formatos e condições, permitindo aos miúdos perceber quanto mais pode estar num livro só do que numa rede social inteira. Tudo dependendo também de nós. Sempre tive livros por casa, mas nunca na quantidade que desejava, pelo que logo que pude comecei, qual agarrado, a consumir as doses que me fazem atravessar os dias e os anos. Até então, recorri à biblioteca pública disponível, claro que da Gulbenkian, em que a fruição dos livros se fazia com recato mas não com ascetismo monacal. Uma biblioteca pode e até deve ser um templo, mas daqueles alegres, em que não se corre o risco de perder a fé por causa de ir além do sussurro. Assim como um livro não se desfruta apenas numa hora, num pedacinho de tempo que termina tão depressa. Por isso, mais do que tornar gratuitos os manuais para serem devolvidos como que intocados, seria importante permitir a todos, a começar pelos que menos podem, ter livros e não apenas zingarelhos tecnológicos. Sim, há o PNL e tal, filão para selos editoriais que valem milhões, mas escrevo sobre algo mais além, algo essencial para que não percamos a nossa capacidade de desfrutar de algo que contém, nos melhores momentos, a imensidão da imaginação de quem o escreveu. Educar a miudagem para isso, mais do que para o maquinismo automatizado da repetição acelerada de fonemas e vocábulos por absorver, é uma das funções – se não a função – mais dignas de quem passa parte do seu tempo a ensinar a língua, portuguesa, neste caso. Porque quem lê não gagueja. Quem ainda não entendeu, é porque se perdeu nos meandros de outra coisa.