Livros

O meu vício mais antigo e mais entranhado, aquele que não desaparece e aumenta a cada nova descoberta ou aquisição. Como dizia mais ou menos o Eco, a nossa biblioteca não se define apenas pelo que lemos, mas por tudo aquilo que não conseguimos ler, mas queremos ter na mesma. Despertar esse gosto, educar esse prazer, só se consegue depois de o fazer com a leitura, com a ânsia por conhecer, não apenas os factos mas em especial as ficções. Nada disso se consegue com concursos de velocidade, ou mesmo de soletrar (à maneira dos anglófonos), mas com o mergulho e manuseamento dos livros, de todos os formatos e condições, permitindo aos miúdos perceber quanto mais pode estar num livro só do que numa rede social inteira. Tudo dependendo também de nós. Sempre tive livros por casa, mas nunca na quantidade que desejava, pelo que logo que pude comecei, qual agarrado, a consumir as doses que me fazem atravessar os dias e os anos. Até então, recorri à biblioteca pública disponível, claro que da Gulbenkian, em que a fruição dos livros se fazia com recato mas não com ascetismo monacal. Uma biblioteca pode e até deve ser um templo, mas daqueles alegres, em que não se corre o risco de perder a fé por causa de ir além do sussurro. Assim como um livro não se desfruta apenas numa hora, num pedacinho de tempo que termina tão depressa. Por isso, mais do que tornar gratuitos os manuais para serem devolvidos como que intocados, seria importante permitir a todos, a começar pelos que menos podem, ter livros e não apenas zingarelhos tecnológicos. Sim, há o PNL e tal, filão para selos editoriais que valem milhões, mas escrevo sobre algo mais além, algo essencial para que não percamos a nossa capacidade de desfrutar de algo que contém, nos melhores momentos, a imensidão da imaginação de quem o escreveu. Educar a miudagem para isso, mais do que para o maquinismo automatizado da repetição acelerada de fonemas e vocábulos por absorver, é uma das funções – se não a função – mais dignas de quem passa parte do seu tempo a ensinar a língua, portuguesa, neste caso. Porque quem lê não gagueja. Quem ainda não entendeu, é porque se perdeu nos meandros de outra coisa.

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Mimese

Um argumento que vou lendo e ouvindo por aí sobre a permanência de práticas pedagógicas atávicas entre os professores é aquela que afirma que, apesar da eventual excelência da formação específica que receberam pelos melhores especialistas nacionais, eles (e elas) acabam por copiar as práticas daqueles que foram os seus professores do Básico e Secundário (no meu caso, Preparatório e Unificado).

É uma tese curiosa que faz tábua rasa de algumas coisas como o facto de, para o bem e o mal, professores profissionalizados preferirem práticas de professores dos seus tempos de adolescência mais ou menos consciente das pedagogias do que que daquelas dos professores já da sua fase adulta e, em especial, profissionalizante.

Mas, tomemos por boa pelo menos parte da tese apenas para efeitos de diversão e ocupação de alguns minutos de pensamento. Se acontece essa “cópia” das práticas dos professores de antanho, quando éramos alunos da idade de muitos dos nossos, será que não optamos por escolher aquelas que consideramos terem sido as BOAS práticas na nossa perspectiva de então? Por exemplo, dificilmente eu escolheria a prática daquela professora que se vingava nas nossas notas pelo facto de não estarmos todos à porta quando ela chegava e virmos em correria do campo de jogos. Ou a daquele professor que contava imensas anedotas secas no 10º ano em vez de ensinar Filosofia como deve ser. Ou a daquela professora que dividia os alunos pela tendência ideológica que lhes adivinhava no 11º ano.

Ou seja… se filtrámos coisas dos nossos antigos professores, o mais certo é termos escolhido o que achamos bons exemplos. Se desprezámos outras formas de estar, mesmo apreendidas mais tarde, é porque as avaliámos menos correctas. Como a de professores que conseguem ensinar pedagogia diferenciada e dialogante em longas exposições de uma ou duas horas sem qualquer direito a interrupção. Apareceu-me um desses, ali por alturas da minha profissionalização, que nos foi dar uma sessão sobre flexibilidade da gestão e do currículo, mas que só aceitava dúvidas depois de despejar a cartilha durante quase duas horas.

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