Dia: 5 de Novembro, 2016
A Criança na Loja dos Doces
Obrigado a consumir com razoável moderação, porque a sobretaxa foi-se, mas mal se deu por isso, com o resto da carga em cima do lombo.
Entretanto, aos 86 anos, o mestre José Ruy continua prolífico e a publicar como um jovem.
Manuais
Parece que afinal aquilo da reutilização dos manuais pode não ser bem assim, tal como a penalização dos encarregados de educação se calhar não será, até porque seria disparatados ser, em especial nos casos de maiores carências económicas. A discussão é apenas vagamente relevante ou motivadora pois anda enclausurada na trincheira demagógico-orçamental (governo a prometer manuais gratuitos, mas a ver se custam pouco) ou jurídico-mercantil (editoras a procurarem meios legais para manter as suas vendas em alta). Percebo todos, mas, já agora, preocupar-me-ia mesmo mais com o interesse da miudagem e na necessidade de não nos fazermos finlandeses, noruegueses, suiços, luteranos ou calvinistas, com éticas protestantes e hábitos de leitura enraizados num passado de obrigação de ler respeitosamente a Bíblia em língua comum desde há séculos e de não ir ao domingo lavar os pecados com hóstias. Parece que não é nada disto, mas é, e grande parte da população do país que temos, com destaque para aquelas minorias que certos sociólogos políticos dizem defender muito, ainda precisam de passar uma ou duas gerações de ambientação a certos hábitos culturais para podermos avançar para o século XXI e tal.
Que raios quero eu dizer?
Quero dizer que há muitos miúdos que precisam, desde a mais tenra idade, de ter uma relação física com os livros, de os poder manipular livremente (não necessariamente para os destruir ou danificar sem sentido, como é evidente), para melhor poderem apreciar o que são, o que está lá dentro, como podem interagir com o seu conteúdo, com destaque para os manuais escolares, mesmo se não em exclusivo. Se começarmos, desde cedo, a proibi-los de quase fazer mais do que folhear os livros, mesmo os de trabalho na escola, de os tratar com distância e veneração quando os vão buscar à biblioteca – por vezes, nem isso podem fazer, sendo os professores que os levam para a aula e da aula, no âmbito das leituras PNL – estamos a caminho quase inteiro de os alienar para a leitura mais tradicional e a empurrá-los apenas para a desmaterialização dos gadgets, a qual tem mais consequências pouco interessantes do que os fanáticos das tecnologias nos informam.
Sim, devemos educar a populaça a ter maneiras, mas, com sinceridade, há tanta mais coisa a fazer, a aprofundar, do que a criar salas de aula que se querem de liberdade e criatividade mas só se o zézinho e a joaninha não pingarem uma gota de tinta nos manuais ou de forma inadvertida, em mochilas com mais material do que o necessário para escalar os himalaias, os dobrarem valentemente.
Se os políticos do momento querem a glória dos manuais gratuitos, devem assumir que isso tem encargos e que não se consegue à tio patinhas. Querem ganhar votos, assumam que isso não se faz sem custos Já as editoras de materiais escolares que pletoricamente têm produzido todo o tipo de auxiliares a cada novidade curricular ou avaliativa do ME e que profusamente têm lucrado com as reedições das obras do PNL, seja por causa do acordo ortográfico, seja porque com mais umas ilustrações há obras que duplicam de preço mesmo com autores mortos e enterrados para os direitos de autor há gerações, mais valia terem um pouquinho de decoro, porque me parece que estão longe de entrar em insolvência, a acreditar pela concentração oligopolista da produção e distribuição da última década e pouco.
Todos falam em nome dos alunos e do “interesse das famílias”, mas tudo é apenas um jogo político ou comercial, nem sempre me parecendo que está em causa um verdadeiro combate aos grupos de interesses ou de pressão presentes no “mercado da Educação” ou sequer uma guerra ideológica, mas mais uma disputa, um ajuste de contas entre facções que sabem quem apoiou ou deixou de apoiar quem em dado momento. Escave-se um pouco e descobrir-se-á que tudo isto começou há coisa de uma década. E descobrir-se-á ainda que as alegadas vantagens pedagógicas para os alunos ou económicas para as famílias são apenas a cobertura do que está mesmo em jogo e são a menor das preocupações dos antagonistas do momento.