Um programa da RTP sobre o mercado dos manuais escolares foi derrapando para uma tentativa de culpabilização dos professores por “obrigarem” os pais a comprar manuais com um par de páginas alteradas, como se isso fosse responsabilidade sua. Uma ex.ministra e um ex-ministro apareceram, em forma de pilatos, a fingir que não foram eles os primeiros a desrespeitar as regras com micro ou meso-reformas de conteúdos, programas e metas conforme a brisa. Uma associação de pais desapareceu do ecrã por ter parcerias e patrocínios que poderiam desaparecer, os grandes grupos editoriais alegaram um complot para fazer o mesmo. Ficaram por ali a debater, curiosamente em sintonia, três pessoas que tiveram de desmontar de cima a baixo uma mensagem que voltava a querer demonizar professores por serem os agentes passivos de uma corrupção de milhões. Porque as provas são sempre da ordem do diz-se que e certamente já soube ou ouviu que. Existe gente com carências éticas entre os docentes? Claro que sim. Mas é um grande salto colocar os professores todos como suspeitos de esquemas de corrupção por causa de alguém que até se conheceu há uns tempos e era uma lástima. Enquanto ao mesmo tempo se lava mais branco quem tomou as decisões de quebrar a lei que tinha publicado ou quem decidiu que deveria interferir directamente na forma de leccionar uma disciplina ou abriu todo um campo para a renovação de uma série de manuais antes do prazo.

Sim, ouvi falar em más práticas. Sim, acredito em esquemas menos claros, mas residuais, nesta matéria. Não, não acredito em opiniões de advogados que podem ter hoje uma opinião e amanhã outra. Não, não acredito em sensacionalismos que pegam num tema por um lado e depois acabam a bater à porta dos que mal se podem defender. E sim, acredito mesmo que a maioria dos professores escolhe as opções de manuais que considera as melhores para o seu trabalho diário. O mercado dos manuais escolares e materiais auxiliares é opaco e prisioneiro de interesses, mas não ao nível das escolas que não definem alterações sucessivas e a obrigatoriedade de renovar manuais acabados de adoptar. Ou se enfrentam as coisas como deve ser e se investigam os nomes e os seus conflitos de interesses na tomada de medidas ou ficamos apenas na abordagem simplista do “o professor obrigou a comprar livros caros”. Estou nas calmas, todos os meus alunos sabem que o manual só lá está porque mandam que esteja e até é útil em Português, mas nunca recomendei a compra de materiais adicionais. Em História, compra quem quiser. As aulas não seguem o manual, os documentos, imagens e outras informações podem coincidir com o manual, mas apenas na medida em que sejam incontornáveis (não se dá a Reforma sem analisar algumas das 95 teses do Lutero ou o Renascimento sem a Mona Lisa ou o David). Já agora, dispenso dossiers com planos de aula e planificações feitas a metro , para replicar nos momentos de avaliação do desempenho, pois sempre soube fazer isso, até fiz uma profissionalização e tudo. Também sou encarregado de educação, nunca recebi manuais oferecidos para os filhos, nunca me pagaram viagens, tenho facturas da wook para mostrar que até aos colegas raramente peço algum manual, não uso agendas e gosto de comprar canetas meio espalhafatosas, sem publicidade. E eu sou como muitos outros, com esta ou aquela variação natural em mais de 100.000 profissionais.
Como disse ontem, elevem o olhar, ide em busca de quem apoia a produção de legislação que depois anotada e comenta em publicação quase imediata, quem dá formação remunerada que lhe deveria estar vedada atendendo às funções desempenhadas, protestem pela ausência de um período de nojo no exercício de cargos aqui e ali, defendem a produção de “genéricos” – como ontem se falou em off, mas sem pedido de reserva – para muitos destes materiais. Eu cheguei a dar aulas com materiais de apoio produzidos pelo ME que, com os recursos digitais actuais, não precisam ser pequenos livros de imagens. Claro que não em exclusivo. Não defendo manuais únicos ou sebentas obrigatórias, mas a tal liberdade regulada que tanto assusta liberais e não atrai pretensos socialistas ou coisas assim.
Liberdade não é deixar que a criação de um duopólio se torne asfixiante e quase destrua as alternativas, com a escolha a ser feita entre produtos quase semelhantes, com diferenças mínimas de preço. Quem deixou que isso acontecesse? Os decisores políticos por apatia e algumas outras pessoas por desinteresse em investigar o que se passava.
Por fim, uma palavra para a arraia miúda disto tudo, os promotores das editoras que andam pelas escolas, quase pagos à peça, com objectivos de colocação de manuais que dificilmente conseguem cumprir fora de duas ou três editoras dos tais grupos. Esses mal foram falados e são os mais descartáveis em todo este processo.

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