Operador@s de Call Center

O presidente do Instituto Superior Técnico escreve hoje no Público que “de acordo com uma estimativa muito divulgada, 2/3 dos alunos que agora iniciam a sua formação escolar irão trabalhar em profissões que ainda não existem”. Seguem-se algumas generalidades sobre a necessidade de formação ao longo da vida, “o advento da quarta revolução industrial”, a crescente penetração das tecnologias de informação e comunicação em tudo e mais umas passagens  capazes de deprimir qualquer pessoa com alergia a clichés – o título é apropriadamente “uma revolução na Educação”, algo parecido ao que já li tantas vezes que perdi a conta excepto ao caso em que o Vital Moreira designou assim as políticas da MLR –  e desagua na publicidade a novos cursos do IST.

Em outros dias menos cinzentos, nem perderia tempo a copiar aquelas citações acima e apenas pensaria se não era mais adequado o texto ter sido publicado como publicidade institucional. MAs hoje está de chuva e decidi começar por lamentar que o presidente de uma das mais respeitadas instituições universitárias portuguesas baseie a sua argumentação numa “estimativa muito divulgada”, como se a sua identificação roubasse espaço a informação relevante sobre os cursos que quer divulgar.

Em seguida, temos a tal questão da “revolução” necessária por causa da aceleração das necessidades do mercado laboral, como se isso nunca tivesse acontecido antes. As primeiras telefonistas ou telegrafistas fizeram a sua formação escolar quando nem existiam telefones ou telégrafos; o mesmo com as profissões ligadas à rádio, televisão ou informática, ao longo do século XX. Nos últimos 200-250 anos, a adaptação às novas exigências do mercado de trabalho foi uma permanência e a própria revolução industrial original levou a que 100% dos operários que trabalharam nas novas unidades fabris tivessem crescido (quase sempre sem formação escolar) num mundo que os não preparou para a nova realidade. Muitos foram expulsos das suas aldeias e campos de forma dramática (para quem não é das letras, leiam-se O mundo que nós perdemos de Peter Laslett na sua versão revista ou, na área da ficção, Colheita de Jim Crace) e o mundo avançou.

O que está em causa não é a novidade das profissões que surgem com regularidade, mas sim se essas profissões significam um emprego com melhores condições. Muita gente que fez a sua formação académica em finais dos anos 80 ou nos anos 90, acabou a ter de trabalhar em alguns momentos em call centers ou a vender time sharing, algo para que não existiam cursos de pré ou pós-graduação à data.

A mobilidade profissional não é um bem em si e nem sempre a “revolução” é coisa boa, mesmo sendo a “quarta revolução industrial” (consultar aqui a introdução à teorização do conceito por Klaus Schwab). Se Engenharia Empresarial para a Transformação Digital é uma área em crescimento entre nós? Se calhar, é. O IST deveria divulgar isso sem ser como “opinião” do seu presidente. A menos que os cursos sejam oferecidos e não cobrados a bom cobrar.

lampadinha21

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