Que eu partilhe umas breves notas sobre parte do que me fez desacreditar na especial utilidade do meu contributo para o debate das coisas educativas. Até porque pouco gente lerá, fazendo bem em preferir o desfile do carnaval no calendário certo. E podem ser breves porque já me expliquei suficientemente, e sem grandes filtros, quando fechei o Umbigo. A Educação tornou-se (ou nunca deixou de ser) uma “cartografia de interesses” em que o debate é encenado, simulado, truncado, manipulado. Cheguei progressivamente à conclusão que o meu contributo em pouco ou nada serviria para modificar as coisas no sentido que acho correcto e, em conformidade, regressei a pouco e pouco às origens.
Este quintal é apenas um espaço de descompressão pessoal e não tenho qualquer ilusão que o que escrevo por estes tempos possa influenciar seja o que for de uma forma decisiva.
É essencial que tenhamos sempre a lucidez suficiente para percebermos quando a nossa presença se torna apenas uma forma de legitimação do contrário do que desejamos. Se a decisão de terminar o Umbigo fora tomada há muito e apenas esperava uma data específica, houve momentos que avolumaram a minha consciência de que em Educação existem trincheiras fechadas nas suas convicções, que é impossível desalojar, embora exista um “amplo consenso” em relação a questões que me desgostam profundamente.
Uma delas passa pela “descentralização de competências”, que retirará ainda mais autonomia às escolas, afastando ainda mais o centro de muitas decisões das salas de aula, agravando o processo iniciado com os mega-agrupamentos e o modelo único e unipessoal de gestão. Há pouco mais de dois anos percebi até que ponto ia a encenação de debate quando participei no seminário sobre o tema organizado pelo CNE na Universidade de Aveiro. Assisti a um passeio por parte dos defensores da municipalização da Educação, com direito a prime-time sem limite de tempo para algumas estrelas da companhia, enquanto os poucos críticos do modelo (o presidente do Conselho de Escolas e eu, embora com motivações diferentes) eram remetidos para o fim das intervenções, com tempo contado por causa dos excessos alheios e sem direito a responder às críticas que se lhe seguiram. As peripécias que se seguiram e que culminaram numa atípica publicação de actas em que, na primeira versão, apagaram metade da minha intervenção e, mesmo na versão final, há comunicações com vídeos em que mal se percebe o que é dito.
(a ida a Aveiro ainda me permitiu a feliz oportunidade conhecer uma subdirectora que se gabou de ser responsável por eu ter fechado o blogue, coitada da senhora, que levou com um arquivamento em cima do processo que me tentou mover)
Mas esse seminário apenas consolidou a minha crença no carácter instrumental de muitos debates com conclusões pré-definidas na encomenda, a menos que alguns dos subscritores batessem firmemente o pé. Em 2013, nas conclusões do debate sobre as propostas do FMI para Portugal, no caso da Educação, o carácter inconclusivo só foi possível porque houve quem lá estivesse sabendo que só queriam recolher a sua assinatura no final do papelinho. E sempre pude dizer o que bem entendi a quem estava a espalhar informação errada. Olhos nos olhos.
Mas já nessa altura eu tinha pouquíssimas ilusões. Já tinha passado por um grupo de trabalho informal – claro que promovido por alguém que garantiu ser a coisa sem qualquer conhecimento oficial – destinado a apresentar propostas ao ME da altura (Crato), mas que começou a desfuncionar quando se percebeu que não era para ter propostas “radicais” ou mais complexas em áreas como a avaliação do desempenho ou a formação de professores. Havia logo lá alguém – uma eminência do CNE – a controlar o que se escreveria e que não poderia, em caso algum, colocar em causa os poderes estabelecidos e os credos da situação de então.
Mas há muito mais exemplos possíveis, que se foram acumulando, deste tipo de práticas destinadas a levar os tresmalhados ao redil ou, quando inconseguiam isso, a lançar suspeitas sobre as motivações pessoais e de carreira de quem não quer aderir a algo só para parecer que tem influência. Entre ficar no meu cantinho e as coisas irem na direcção certa e aparecer a validar aquilo de que discordo, já se sabe o que prefiro. Mesmo se com a geringonça (entre 2008 e 2011, já operava dessa forma, embora com duas máquinas distintas a funcionar desse modo por razões diversas, a do partido socrático de uma forma e a dos ortodoxos maristas de outra) voltou aquela prática de tentar denegrir na sombra o carácter daqueles que decidem defender com clareza aquilo em que acreditam e apontar o dedo aos truques dos instalados de passagem no poder.
Se há matéria em que a hipocrisia tem sido mais visível tem sido a do papel das Artes no currículo. No início de 2011, o PS tentou acabar com a EVT e o par pedagógico no 2º ciclo perante os protestos de muita gente, incluindo o PCP, o PSD e o CDS que no Parlamento inviabilizaram a medida de Isabel Alçada. Chegados ao poder, PSD e CDS acabaram por implementar esse mesmo corte na reforma curricular de 2012, sendo a vez das esquerdas clamarem contra o “afunilamento do currículo”. Já lá vamos em ano e meio de geringonça educativa e nem no debate sobre a “profunda” alteração no currículo se fala em qualquer sensível reforço da componente artística no currículo do Ensino Básico. Parece que, afinal, o “afunilamento” irá continuar, perante o silêncio de boa gente que muito gritou e agora se calou com a promessa de qualquer coisa. Não me admiraria se estivessem por aí numa qualquer estrutura de missão ou coisa assim a investigar qualquer coisa.
Quando um tipo cínico como eu cruza o que se pode ler sobre as competências para o século XXI, alguns dos seus defensores e as vagas previstas para a vinculação extraordinária, é impossível não perceber as sobreposições. Algumas só não me espantam porque pouco me espanta, tirando os defesas laterais que o Jesus costuma arranjar para as suas equipas.
As “breves notas” vão já muito longa? Pois vão, mas é só para que se perceba que acho que a “consulta” aos professores sobre a extensão dos programas foi um truque nem especialmente subtil para validar os cortes (em vez de reforçar os tempos) e a estratégia mediática de “atirar barro à parede” em matéria de gestão “flexível” do tempo das disciplinas uma forma velha de fazer as coisas, mesmo se com retórica mais hábil do que a média. Porque não adianta negar o que se diz pelo país, em “formações” e debates com muita gente a assistir que até tem direito a que lhe expliquem como se podem dar aulas desta e daquela disciplina de acordo com a nova sebenta pedagógica do trabalho de projecto.
Por isso é que os “contributos” para este debate em contra relógio sobre a reforma curricular me fazem lembrar outros tempos, em que até debates bem mais profundos foram parar à gaveta. Foi há 10 anos, em 2007, e muitos dos protagonistas são os mesmos. O relatório, baseado em mais de uma centena de contributos e não sei quantas audições públicas (olhem tantas fotos de notáveis) esbarraram na agenda política da ministra da altura em acabar com a carreira docente, embaratecer a Educação e promover a festa da Parque Escolar.
Os actuais protagonistas do ME onde andavam e o que fizeram nessa altura? Tratavam da sua vidinha e estiveram desaparecidos ou então estavam do lado de lá, daquele que destruiu qualquer hipótese de confiança em quem colaborou, nem que seja por alegre omissão, nos combates daqueles tempos. Embora, na maior parte dos casos, achem que o único problema da época foi a “comunicação”. Daí a sua actual obsessão em comunicar muito.

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