Depois é a Ritalina, Claro

Já sei que isto é assunto delicado para muita gente e raramente escrevo sobre o tema sem levar na cabeça. Mas… que se lixe. Assisto, quase diariamente, à forma como uma mamã do século XXI encara a criação do seu filhinho querido, a quem nada é negado, nenhum horário é imposto, nenhuma patetice é assim considerada, seja qual for a hora, tudo sempre recebido com exaltados gritinhos de satisfação e demais excitações sem parar. O puto não tem culpa se ninguém lhe apresenta uma qualquer estrutura de tempo e acções, se pensa que tudo é possível, a qualquer hora e, mais importante, sempre recebido com a alegria de que assim é que deve ser, faça o que fizer, incluindo boladas pelas paredes a qualquer hora e demais correrias em sapateado. Gratificação imediata e multiplicada. E nem adianta dizer seja o que for. Quando a criança chocar de frente com qualquer tentativa para lhe apresentar um horário e tarefas para cumprir irá, quase por certo, birrar, espernear, reagir mal, desconcentrar-se ao primeiro estímulo e a mamã lá estará a dizer que é impossível porque ele é um anjo, um santo. O seu santinho. E a ter de haver solução, medica-se, que é mais fácil.

Já sei… estou a simplificar, a exagerar, a caricaturar. Olhem que não, olhem que não. Nem tudo se resolve com (auto) disciplina, mas alguma coisa se conseguirá. Não é preciso ofenderem-se e darem os sermões do costume sobre a minha profunda ignorância sobre estas matérias. Só que nem tudo são patologias… há casos em que o problema é mesmo outra coisa. Basta não se perceber quem é mais infantil numa casa. No mau sentido.

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Os Foliões

A noite de ontem foi especialmente carnavalesca, com destaque para a TVI e a CMTV.

Na primeira, apareceu um ex-pm a atacar (ou a defender-se nas suas palavras) dos escritos de um ex-pr. Não sei qual deles o pior em diversas matérias. Pelo meio, um mail envolvendo um jornalista (?) que teria aceite participar numa espécie de conspiração para inventar notícias, mail esse que sem espanto foi divulgado pelo DN. A ser verdadeiro, o mail é importante, assim como o que nele é escrito. O problema é que, provavelmente, teremos hoje a defender a relevância do dito mail muita gente que defende a irrelevância dos sms relacionados com a cgd e a defender a irrelevância daquele quem defende a relevância destes. O costume. Pelo meio, um jornalista (?) disponível para plantar notícias. à volta, duas das principais figuras do Estado em tricas rascas, descendo sempre um pequeno patamar em direcção ao abismo, mesmo se são sabidas algumas coisas parecidas sobre os pares Eanes/Soares e Soares/Cavaco.

Na segunda, um jornalista (?) da própria casa foi confrontada em modo suave com gravações de conversas suas a confirmar que, com outros comentadores televisivos do seu clube (nem está em causa se é o deles ou o meu), combinavam declarações para as noites de 2ª feira nos canais em que aparecem, preocupados apenas em medir a “cacetada” dada às vítimas do dia, com uma preocupação marginal com a verdade dos factos. O cara de pau em causa teve o desplante de afirmar que aquilo fora uma “brincadeira” (seguindo exactamente a mesma argumentação de outra criatura similar, chateada com a falta de avença) que ocorrera no contexto de uma “formação” ou “aulas” numa Universidade. Mas aquele exemplo de ética no jornalismo dá “formação” ou “aulas” numa Universidade? E quem é capaz de continuar naquele programa a olhar para a cara dele – por uma vez embaraçada e a anunciar que disse mais baboseiras que terão sido gravadas – e a aceitar que ele seja tratado como “jornalista”? Não há, por ali, nenhuma necessidade de “avaliação do desempenho”, de seguir alguma ética ou deontologia profissional, ou a farpela de “comentador” justifica tudo? Hoje, por certo, as posições sobre o ocorrido serão tomadas de acordo com as cores clubísticas, sem capacidade de se ver o que os factos indesmentíveis representam de podridão a tantos níveis.

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(imagem colhida aqui)

 

Convergência

Por estranho que pareça a algumas mentes, aquilo que defendo como melhor para a Educação enquanto professor coincide com os meus anseios como encarregado de educação. Desejo para os meus alunos que estão, por exemplo, no 8º ano que alguma coisa de bom ainda seja feita a tempo, assim como para a minha petiza que está no mesmo 8º ano. Que exista gente que insiste em confundir “o interesse dos pais” com parceiros de ocasião ou que encare “o interesse dos alunos” como oposto aos dos professores só significa que entre nós se ascende a cargos de responsabilidade com base numa certa e determinada mediocridade de vistas. Pensando melhor, se calhar chegam lá mesmo como recompensa por essa mesma mediocridade, seja ela real ou simulada por razões óbvias.

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É Carnaval, Quase Ninguém Levará a Mal

Que eu partilhe umas breves notas sobre parte do que me fez desacreditar na especial utilidade do meu contributo para o debate das coisas educativas. Até porque pouco gente lerá, fazendo bem em preferir o desfile do carnaval no calendário certo. E podem ser breves porque já me expliquei suficientemente, e sem grandes filtros, quando fechei o Umbigo. A Educação tornou-se (ou nunca deixou de ser) uma “cartografia de interesses” em que o debate é encenado, simulado, truncado, manipulado. Cheguei progressivamente à conclusão que o meu contributo em pouco ou nada serviria para modificar as coisas no sentido que acho correcto e, em conformidade, regressei a pouco e pouco às origens.

Este quintal é apenas um espaço de descompressão pessoal e não tenho qualquer ilusão que o que escrevo por estes tempos possa influenciar seja o que for de uma forma decisiva.

É essencial que tenhamos sempre a lucidez suficiente para percebermos quando a nossa presença se torna apenas uma forma de legitimação do contrário do que desejamos. Se a decisão de terminar o Umbigo fora tomada há muito e apenas esperava uma data específica, houve momentos que avolumaram a minha consciência de que em Educação existem trincheiras fechadas nas suas convicções, que é impossível desalojar, embora exista um “amplo consenso” em relação a questões que me desgostam profundamente.

Uma delas passa pela “descentralização de competências”, que retirará ainda mais autonomia às escolas, afastando ainda mais o centro de muitas decisões das salas de aula, agravando o processo iniciado com os mega-agrupamentos e o modelo único e unipessoal de gestão. Há pouco mais de dois anos percebi até que ponto ia a encenação de debate quando participei no seminário sobre o tema organizado pelo CNE na Universidade de Aveiro. Assisti a um passeio por parte dos defensores da municipalização da Educação, com direito a prime-time sem limite de tempo para algumas estrelas da companhia, enquanto os poucos críticos do modelo (o presidente do Conselho de Escolas e eu, embora com motivações diferentes) eram remetidos para o fim das intervenções, com tempo contado por causa dos excessos alheios e sem direito a responder às críticas que se lhe seguiram. As peripécias que se seguiram e que culminaram numa atípica publicação de actas em que, na primeira versão, apagaram metade da minha intervenção e, mesmo na versão final, há comunicações com vídeos em que mal se percebe o que é dito.

(a ida a Aveiro ainda me permitiu a feliz oportunidade conhecer uma subdirectora que se gabou de ser responsável por eu ter fechado o blogue, coitada da senhora, que levou com um arquivamento em cima do processo que me tentou mover)

Mas esse seminário apenas consolidou a minha crença no carácter instrumental de muitos debates com conclusões pré-definidas na encomenda, a menos que alguns dos subscritores batessem firmemente o pé. Em 2013, nas conclusões do debate sobre as propostas do FMI para Portugal, no caso da Educação, o carácter inconclusivo só foi possível porque houve quem lá estivesse sabendo que só queriam recolher a sua assinatura no final do papelinho. E sempre pude dizer o que bem entendi a quem estava a espalhar informação errada. Olhos nos olhos.

Mas já nessa altura eu tinha pouquíssimas ilusões. Já tinha passado por um grupo de trabalho informal – claro que promovido por alguém que garantiu ser a coisa sem qualquer conhecimento oficial – destinado a apresentar propostas ao ME da altura (Crato), mas que começou a desfuncionar quando se percebeu que não era para ter propostas “radicais” ou mais complexas em áreas como a avaliação do desempenho ou a formação de professores. Havia logo lá alguém – uma eminência do CNE – a controlar o que se escreveria e que não poderia, em caso algum, colocar em causa os poderes estabelecidos e os credos da situação de então.

Mas há muito mais exemplos possíveis, que se foram acumulando, deste tipo de práticas destinadas a levar os tresmalhados ao redil ou, quando inconseguiam isso, a lançar suspeitas sobre as motivações pessoais e de carreira de quem não quer aderir a algo só para parecer que tem influência. Entre ficar no meu cantinho e as coisas irem na direcção certa e aparecer a validar aquilo de que discordo, já se sabe o que prefiro. Mesmo se com a geringonça (entre 2008 e 2011, já operava dessa forma, embora com duas máquinas distintas a funcionar desse modo por razões diversas, a do partido socrático de uma forma e a dos ortodoxos maristas de outra) voltou aquela prática de tentar denegrir na sombra o carácter daqueles que decidem defender com clareza aquilo em que acreditam e apontar o dedo aos truques dos instalados de passagem no poder.

Se há matéria em que a hipocrisia tem sido mais visível tem sido a do papel das Artes no currículo. No início de 2011, o PS tentou acabar com  a EVT e o par pedagógico no 2º ciclo perante os protestos de muita gente, incluindo o PCP, o PSD e o CDS que no Parlamento inviabilizaram a medida de Isabel Alçada. Chegados ao poder, PSD e CDS acabaram por implementar esse mesmo corte na reforma curricular de 2012, sendo a vez das esquerdas clamarem contra o “afunilamento do currículo”. Já lá vamos em ano e meio de geringonça educativa e nem no debate sobre a “profunda” alteração no currículo se fala em qualquer sensível reforço da componente artística no currículo do Ensino Básico. Parece que, afinal, o “afunilamento” irá continuar, perante o silêncio de boa gente que muito gritou e agora se calou com a promessa de qualquer coisa. Não me admiraria se estivessem por aí numa qualquer estrutura de missão ou coisa assim a investigar qualquer coisa.

Quando um tipo cínico como eu cruza o que se pode ler sobre as competências para o século XXI, alguns dos seus defensores e as vagas previstas para a vinculação extraordinária, é impossível não perceber as sobreposições. Algumas só não me espantam porque pouco me espanta, tirando os defesas laterais que o Jesus costuma arranjar para as suas equipas.

As “breves notas” vão já muito longa? Pois vão, mas é só para que se perceba que acho que a “consulta” aos professores sobre a extensão dos programas foi um truque nem especialmente subtil para validar os cortes (em vez de reforçar os tempos) e a estratégia mediática de “atirar barro à parede” em matéria de gestão “flexível” do tempo das disciplinas uma forma velha de fazer as coisas, mesmo se com retórica mais hábil do que a média. Porque não adianta negar o que se diz pelo país, em “formações” e debates com muita gente a assistir que até tem direito a que lhe expliquem como se podem dar aulas desta e daquela disciplina de acordo com a nova sebenta pedagógica do trabalho de projecto.

Por isso é que os “contributos” para este debate em contra relógio sobre a reforma curricular me fazem lembrar outros tempos, em que até debates bem mais profundos foram parar à gaveta. Foi há 10 anos, em 2007, e muitos dos protagonistas são os mesmos. O relatório, baseado em mais de uma centena de contributos e não sei quantas audições públicas (olhem tantas fotos de notáveis) esbarraram na agenda política da ministra da altura em acabar com a carreira docente, embaratecer a Educação e promover a festa da Parque Escolar.

Os actuais protagonistas do ME onde andavam e o que fizeram nessa altura? Tratavam da sua vidinha e estiveram desaparecidos ou então estavam do lado de lá, daquele que destruiu qualquer hipótese de confiança em quem colaborou, nem que seja por alegre omissão, nos combates daqueles tempos. Embora, na maior parte dos casos, achem que o único problema da época foi a “comunicação”. Daí a sua actual obsessão em comunicar muito.

PG Verde

Radicalismos

A malta que tem parasitado o sistema democrático, corrompendo-o e desacreditando-o até à medula, aquela malta que receia qualquer ideia mais firme, porque “radical”, mas dentro da lógica democrática, é a principal responsável pela ascensão dos trumpes e das suas inspirações europeias, fascinadas com um poder forte, mas tendencialmente autocrático. Esse centrão pastoso, sem crença que não a da aparência democrática, sem projecto que não o da conversão de todos a essa ausência de tudo o que não sejam instrumental para os seus interesses, honrarias e lugarzinhos nos conselhos consultivos ou em cargos (não) executivos numa burocracia privada ou na tentacular administração europeia, é que está na origem do fascínio pelos putines, mesmo que digam o contrário.

Os trumpes e as lepénes não existem porque o povo é irremediavelmente parvo, mas sim porque percebeu que os poderes estabelecidos nas capitais do mundo ocidental o têm tratado como parvo e começou a optar por ir em busca de soluções nos limiares de uma democracia que se tem tornado meramente formal. Sim é um perigo, mas a culpa é daqueles que transformaram isto tudo num simulacro e parecem incapazes de perceber que a sua legitimidade se esgota quando desprezam a maioria e mesmo que apareçam de cravo ao peito e zeca no ipod nos dias de efeméride. Maioria que se passa a abster ou parte em busca de outra coisa, ao sentir-se desenquadrada.

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João Abel Manta, 1972.

Os Suseranos

Queixam-se da impertinência dos novos vassalos financeiros. E parece que há quem ande incomodado pelo atraso na vaga por prestar homenagem. E serão pedidas, especialmente em privado, imensas desculpas por não se querer ser um porta-aviões para as negociatas lá da terra.

Nem quero ver quando descobrirem que algum médio quadro chinês andou por cá a dar brancura ao erário e se fizer uma investigação. Até se borram todos os que andam de mão estendida.

feudalismo22