A Espreitar

Uma verdade incrível é esta: não são conhecidas as concretas remunerações de cada um dos deputados que elegemos. Não é só espinhoso calculá-las: é, na verdade, impossível”. A denúncia vem de fonte insuspeita: José Magalhães, constitucionalista, ele próprio deputado (entre 1983 e 2015, com interrupções) e antigo governante (foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, no segundo governo Guterres, e da Administração Interna e da Justiça, nos dois governos Sócrates). É apenas uma de muitas revelações, todas sem papas na língua, que o autor reuniu no livro “Políticos.pt — guia prático das remunerações de altos cargos políticos”, à venda na próxima semana, com a chancela da Aletheia.

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O retrato é implacável: “Os diplomas sobre remunerações dos políticos foram proliferando sem critérios uniformes e visão de conjunto, cresceu uma espécie de favela legislativa confusa e opaca”. Um emaranhado que ele se propõe destrinçar com este livro, que sistematiza de forma clara as principais leis que determinam os vencimentos (e complementos remuneratórios) da classe política e expõe, preto no branco, as disfunções (algumas gritantes) que urge corrigir.

Como estas: desigualdades “injustificáveis” na remuneração dos deputados; pagamento de suplementos “sem fundamento bastante”; práticas que remuneram e incentivam “o grau zero de trabalho” nos círculos eleitorais; viagens parlamentares sem mecanismos de controlo; possibilidade “quase ilimitada” de faltar a reuniões; ausência de “medição fiável” do desempenho dos parlamentares; assimetrias remuneratórias “absurdas” e que “padecem de grave défice de controlo do uso dos dinheiros públicos” nas autoridades administrativas independentes que gravitam na orla parlamentar.

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É igualmente imprescindível, sublinha, estabelecer “uma fronteira nítida entre a política e os negócios”. Sugere, por exemplo, que o período de nojo após exercício de funções governativas aumente de três para quatro anos (o tempo de uma legislatura); que haja “um corte profundo com o statu quo” relativo aos deputados-advogados (que não pode sequer admitir o exercício pro bono, no seu entender “porta para acumulações de fachada”); que se substitua o pagamento, à cabeça, de verbas para deslocação ao círculo por que se foi eleito —regime que se converteu “numa espécie de segundo salário”, denuncia — pelo pagamento contra faturas de despesa.

Vai mais longe, defende um reforço taxativo das incompatibilidades e impedimentos durante e após o exercício de funções políticas. “Quem esteve no Governo não deve poder exercer cargos nas empresas que prossigam atividade de impacto relevante no sector que foi diretamente tutelado, bem como nos casos em que se tenha verificado uma intervenção direta do antigo titular de cargo político na atividade da empresa” — norma que, a estar em vigor na altura, teria impedido Jorge Coelho de ir para a Mota-Engil ou Ferreira do Amaral de integrar a Lusoponte.

“Deve também ser proibida a aceitação de cargos de funcionário ou consultor de organizações internacionais com as quais o interessado tenha realizado negociações em nome do Estado português” — o que teria impossibilitado Vítor Gaspar de ocupar o lugar que ocupa no FMI. Ou, ainda, “os consultores do Estado em processos de privatização e concessão de ativos em que tenham tido intervenção devem ficar impedidos de exercer funções nas entidades contraparte da negociação” — o que não deixaria que Diogo Lacerda Machado fosse indicado para a administração da TAP.

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