Sãozinha, Querida, Get a Life!

“No limite se nós acharmos que ninguém pode ter uma vida profissional antes de cargos governativos, então vamos ter um problema muito grande porque só podem ser governantes professores, académicos, professores de liceu e gente que não tem uma vida privada. Vale a pena perguntar se é o sistema que nós queremos e se é essa democracia que queremos construir”, frisou.

Encontra-se mais rapidamente uma criatura com défice social do que uma política capaz. Já sabia que não gostas de profes, que os achas gente menor, mesmo os académicos, que não são empreendedores como os falidos que fazem as maravilhas engomadinhos do teu partido.

Olha, rapariga… vai-te tratar, que bem precisas de fazer alguma coisa que não ser líder política. Eu sei que os padrões andam muito baixos, mas mesmo assim…

(já agora… os professores de liceu eram nos tempos da outra senhora que, pelo menos, tinha um pouco mais de maneiras à mesa que tu…)

Cristas

(Intermezzo Burrrocrático com Três RRR)

Há quem recorde os anos 90 do século XX como uma espécie de Época Dourada das Escolas e da Educação. Claramente, só pode ser o efeito dos últimos 10-15 anos de muito mau para se pensar assim. Quem levou com a MLR e o Crato em cima é normal que esteja traumatizad@, mas era boa ideia que reconsiderassem o que recordam d’antanho.

Volto a fazer ressalvas… estas coisas não são para mim objecto de combate político dicotómico ou maniqueísta do género Esquerda/Direita porque isto foi transversal aos mandatos e governações. Começou com o PSD, acelerou com o PS durante o final do século XX e depois o sistema apenas se foi reproduzindo e dobrando sobre si mesmo, em espiral.

Muito do que se anuncia como uma forma de renovar o trabalho pedagógico ou de o aproximar do interesse dos alunos é concebido a partir de um pensamento eivado de desconfiança e algo paranóico com a necessidade de controlo completo sobre o trabalho dos docentes.

Reparemos nas 5 páginas do “Quadro/Resumo das Actividades” que seria necessário seguir como guião para o Trabalho de Projecto (obra já antes citada de Lisete Castro e Maria Manuel Ricardo, pp. 65-69).

A seguir à Área Escola (governo PSD) vieram as ACND (governo PS) com mais uma parafernália de grelhas para registar tudo e mais alguma coisa que fosse feita e observável nas aulas com a miudagem. Ou seja, era mais o tempo necessário para proceder aos registos do que o que sobrava para alguma coisa mesmo relevante. as grelhas seguintes estão no livro Projecto de gestão flexível do currículo – os professores num processo de mudança de Ana Maria Lopes, publicado pelo próprio Ministério da Educação em 2003.

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E relativamente aos alunos? Tudo ficava mais ligeiro, atractivo, significativo, ligado à sua realidade local? Depende. Se gostassem de questionários e pretendessem uma vida de burrrocratas convictos, havia um com 70 (se-ten-ta) questões para auto-avaliação dos seus hábitos de estudo (pp. 143-145 da obra referida acima).

Eu poderia publicar em pequeno mosaico, mas acho que se perdia o aspecto delirante do que se tem vivido nas escolas a substituir o que poderiam ser actividades e aprendizagens relevantes por tretas. Quando são necessárias 70 questões para conhecer os hábitos de estudo de um aluno é porque não se trabalha todos os dias com ele.

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Isto é um exagero (é!) e não se fazia na prática?

Olhem que sim, olhem que sim… afinal, de onde acham que surgiram os grelhadores convictos dos tempos da MLR?

Regresso ao Futuro – 2

Há quem pareça pensar que ando a escrever só para dizer mal da ideia de flexibilização curricular  porque não quero mudança. Errado, o que eu critico é a roupagem que anda a envolver esta tentativa trêpega de querer fazer uma “profunda” reforma curricular, como se fosse um salto para o futuro e como se as pessoas que dela discordassem fossem uns matusaléns pedagógicos, incapazes de sair do século XX ou XIX.

Pelo contrário, a minha crítica faz-se no sentido inverso. O de que as concepções que fundamentam o que agora se quer apresentar como “inovador” não passam da recauchutagem de ideias que existem há muito entre nós, que começaram a ser implementadas (e desfeitas) em dois momentos das últimas décadas, primeiro pelo PSD no início dos anos 90 do século XX e depois pelo PS na viragem para o século XXI (hélas!), não tendo colhido grande sucesso nas escolas pela forma como quiseram operacionalizar pela via do mínimo custo possível a modernidade. Nos anos 90 com Couto dos Santos e Manuela Ferreira Leite a desmantelar boa parte da reforma Roberto Carneiro e no início do século XXI com David Justino e Maria de Lurdes Rodrigues (bem antes de Crato) a tornar as ACND algo pior ainda do que tinha sido no momento da sua criação. Crato apenas oficializou o fim da coisa, que andava defunta por ali… submersa em papelada e fingimento.

Eu não estou contra a mudança. Muito pelo contrário. Estou é contra a mudança fingida, contra a mistificação retórica e com a incapacidade política deste tipo de reforma escapar aos grupos de pressão que mandam na geringonça educativa e não estou a falar dos sindicatos, coitados, arrumados a um canto da prateleira.

Mas voltemos ao que se passou mesmo no início dos anos 90 e recordemos como o que agora se quer apresentar como novo não passa de algo velho. Já então o trabalho de projecto era um grande objectivo, com toda um enorme aparato de “instrumentos” e “ferramentas” para diagnosticar “problemas”, planificar “estratégias”, registar “evidências” e relatar todo o sucedido. Para os mais desmemoriados (que os há em grande quantidade com o avanço da nossa idade) foi o momento em que o pesadelo burrocrático nas escolas se começou a volumar de modo exponencial, com uma tabela, um quadro, uma grelha de observação, um relatório para cada mijinha curricular, extra-curricular, disciplinas, interdisciplinar, multidisciplinar, transversal, horizontal, diagonal ou vertical, se ainda existisse força nas articulações.

Recordemos como foram então “conceptualizadas” coisas como o Plano Educativo da Escola as Actividades de Complemento Curricular ou a Área-Escola (e desculpem lá a extensão da coisa, mas nada como MOSTRAR as coisas, porque não chega enunciá-las, mesmo que a memória esteja fresca):

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A transversalidade da abordagem dos conteúdos numa perspectiva inter e/ou transdisciplinar já existia

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Depois veio a “formação” e a difusão da palavra aos professores que deveriam ser nas escolas os apóstolos das novas metodologias (é por esta altura que muitos dos que andam agora a professar esta mesma Fé eram professores ou alunos nos Ramos de Formação Educacional – que em 1987 eu me tinha recusado a aceitar como destino único para os licenciados na área das Letras – período em que formaram as suas crenças irredutíveis na virtude do modelo.

O que se segue é do livro Gerir o Trabalho de Projecto – Um Manual para Professores e Formadores de Lisete Barbosa de Castro e Maria Manuel Calvet Ricardo (Lisboa, Texto Editora, 1993 na sua edição original, 1998 na 5ª edição de que abaixo reproduzo as páginas 45 a 47, estando mais acima as páginas 75 e 76).

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Quem se der ao trabalho de ler (pobre coitados, não sigam o meu mau exemplo) encontrarão quase ipsis verbis o que agora se anuncia em novas “formações” (em outro post irei divertir-me com a questão da avaliação).

Não, não sou eu que fiquei parado no século XX. quem ficou parado lá foi quem leu isto e ainda hoje pensa que é o que de mais inovador existe à face da Terra em termos de metodologia. Reparem que não estou a avaliar se é bom ou mau. Apenas a descrever que já passámos por isto e que foi aqui que a docência se transformou em muitos momentos numa encenação para o registo em formulários como o que ocupa cinco páginas (65-69) deste mesmo livro com a designação de “Quadro/Resumo”.

Estou a simplificar ou a caricaturar? Nada disso. Estou a recordar. mostrando. E foi contra isto que muito de nós nos revoltámos. Contra o império da burrocracia pedagógica, do palavreado bacoco. Em tempos em que eu era apenas contratado, mas lá tinha de “fazer Área-Escola”… ou melhor… eu era dos que mostrava só o que os alunos faziam… não ia fazer em vez deles para depois tirar fotos e dizer que era muito bom professor.