Regresso ao Futuro – 6

Até eu começo a estar farto deste mergulho na memory lane, mas acho que devo levar este triste ofício até ao fim, passando para um testemunho mais pessoal acerca da preparação de materiais para a gestão flexível do currículo ali pelo ano 2000, que foi quando se começou a transição de experiências-piloto para uma generalização que durou pouco tempo. Para quem ainda se lembre, em especial no caso dos manuais da Asa, recebemos no pacote da época (não sei se já terá prescrito a suspeita de corrupção, mas eu juro que não adoptei o manual em causa), um livrinho que tinha como autor, entre outros, o José Matias Alves. A capa interior era assim; por fora tinha como subtítulo O ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa.

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Vinha em seguida um pequeno conjunto de textos e materiais (pouco acima das 100 páginas), de que destaco em seguida algumas páginas (3, 6-8, 20-26) e que resumem bem tudo o que agora tem sido apresentado como projecto inédito do ME para quem na altura andava distraído ou nem sequer se preocupava com isto. Eu era qzp de fresco, estava muito longe de entrar no quadro, mas nunca recusei ideias (quase) novas e em 2000 isto ainda não era muito reciclado:

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Na altura eu era dt de uma turma de 5º ano carregada de casos ao abrigo do 319/91 (só para malta velha, do século XX), 6 alunos em 22 (seis, não leram mal, mais três com dificuldades que se poderiam considerar moderadas), pelo que já na altura (graças a uma directora que já o era antes do modelo único e que tinha uma boa dose de “peso” para levar as suas ideias adiante, boas ou menos boas, como dar-me esta dt no ano da minha profissionalização com horário misto todos os dias) dispunha de parceria pedagógica com a professora de Ensino Especial nas aulas de Português e tinha aplicado algumas ferramentas que estavam então meio em experimentação, meio em trabalho de campo para a tese de um dos gurus do Ensino Especial da península de Setúbal.

E então desenvolvemos uma intervenção na turma que passou pela reorganização espacial da sala, pelo trabalho inter-pares (cada aluno do “319”, salvo um caso, teria ao seu lado um colega que o ajudaria nas aprendizagens) e pela aplicação de uma “ferramenta” que era o “perfil do aluno” (a tal experimentação aplicada na ECAE* de Sesimbra).

O trabalho acabaria por ter bons resultados e ser apresentado em sessões no seminário “Inclusão” da CERCIP (por onde passou, por exemplo o José Morgado) e no Instituto Piaget de Almada (pois, nunca me chegaram a pagar as sessões conforme prometido… é a vida!), por mim e pela Maria João Pinto da Educação Especial. Ficam em seguida excertos do resumo desse trabalho, a começar pela introdução escrita com todos os tiques da época (que reconhecerão facilmente da declaração de Salamanca no discurso do actual SE e de muita gente bem intencionada, mas nem sempre com experiência concreta que se veja):

Tomando como princípio orientador da nossa prática pedagógica o conceito de inclusão, urge concretizar na prática estratégias efectivas para a construção de uma “escola inclusiva”. A tarefa não é fácil, pois está nos seus primeiros passos, e estamos conscientes das muitas dificuldades que nos surgirão num caminho por onde ainda tacteamos em busca das orientações mais adequadas.

Sabendo que é necessário gerir diferenças em sala de aula e estando empenhados em promover aprendizagens de qualidade para todos os alunos, surgem-nos desde logo diversas questões:

  • Planificar… para quem ?
  • Como definir estratégias de intervenção sem conhecer em profundidade as situações a enfrentar ?
  • Que materiais utilizar no apoio a uma pedagogia que se pretende diferenciada e adaptada às necessidades educativas de cada aluno ?

Sem possuirmos um conhecimento sistemático dos alunos com quem vamos trabalhar, desde os seus ritmos e formas de aprendizagem ao seu contexto familiar, passando pelas aspirações de futuro, pela imagem que têm da Escola, não é possível planificar um trabalho adequado a todos os alunos e que aspire a alcançar um real sucesso educativo que ultrapasse o mero sucesso escolar para consumo estatístico.

Com tudo isto em mente, pretendemos apresentar um instrumento de trabalho que visa identificar os diversos estilos de aprendizagem presentes em cada grupo de alunos, denominado “Perfil de Turma”, actualmente em aplicação em todas as escolas do concelho de Sesimbra, como estratégia dinamizadora das práticas inclusivas do trabalho entre docentes e discentes de cada turma.

Para exemplificar a sua aplicação apresentamos um caso concreto – uma turma de 5º ano da Escola Básica Integrada da Quinta do Conde.

O trabalho passou em especial por diagnosticar o mais rigorosamente possível (nem sempre com sucesso) as situações-problema, definir algumas propostas de solução, reorganizar o espaço da sala de aula e diferenciar muito o trabalho. O que fica em seguida são imagens do texto então produzido. Em outros anos conheci muita coisa parecida, participei pessoalmente em diversos projectos do mesmo tipo, tive conhecimento de muita outra coisa similar ou bem mais avançada. Neste caso, a “papelada” foi produzida a pedido, para as tais apresentações que decorreram em meados de 2000.

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É bom que se entenda que nada disto é excepcional ou raro. Este é um trabalho que a generalidade dos professores faz há anos, como prática quotidiana, sem necessidade de reclamar louros pelo seu esforço. Há muitos milhares de colegas com experiências deste tipo, talvez não sejam é tanto de guardar as coisas como eu em sucessivos discos rígidos.

Apresento isto como mero exemplo do que muita gente fazia e faz, melhor do que eu, sendo isto algo que eu gostaria que se entendesse como significativo do que é norma, ao contrário de quem aparece publicamente a afirmar que nada disto (e outras coisas que colocarei em outro post sobre flexibilização curricular e interdisciplinaridade dos conteúdos) se fez ou que foi abandonado, só porque desconhece ou faz que desconhece para oportunismos políticos.

* – Quem não souber ou se recordar destas siglas pode espreitar aqui.