Onde Está a Obesidade Curricular?

Quando ouço ou leio um político a referir “estudos”, assim em geral, sem os concretizar, apetece-me sacar logo de uma pesquisa superficial para ver se é a pressa que inviabiliza a referência clara aos “estudos” ou se poderá ser outra coisa. Ao ler a notícia sobre as declarações do SE Costa na Mealhada sobre a “obesidade curricular” fui em busca das mais recentes estatísticas europeias sobre o peso das várias áreas do conhecimento no currículo na Europa. O relatório é da Comissão Europeia e todos os anos temos direito a um com o título, neste caso, de Recommended Annual Instruction Time in Full-time Compulsory Education in Europe 2015/16.

E o que nos diz ele sobre as tendências mais recentes (p. 30)? Ora bem, é o seguinte:

Obesidade Curricular1

Raios… este não deve ter sido um dos estudos lidos pelo SE Costa, até porque no mapa que vem logo a seguir sobre a evolução do número de horas de aulas nos últimos tempos, Portugal está no grupo em que só existiu crescimento sensível na Matemática.

Obesidade Curricular4

E se formos agora ver as tabelas com os números concretos, o que encontramos em relação a obesidades??

Obesidade Curricular

Pois é… no 1º e 2º ciclos (ler a parte técnica para perceber que eles unificam tudo no nível “primário”), o número de horas desceu de 938 para 822, enquanto no 3º ciclo e Secundário desceu de 1006 para 848, lá se indo a teoria tão prestimosa e teimosamente propalada por aí de estarem os alunos cada vez mais esmagados por tempo de aulas. É mentira, estão é muito tempo na escola, o que é apenas a consequência da “escola a tempo inteiro”, preenchida com actividades de “enriquecimento” curricular.

Mas vejamos agora a distribuição por áreas nucleares:

Obesidade Curricular2

Pois é, subir mesmo a sério, só a Matemática, levando as Ciências um grande pontapé para baixo e aqui nem aparecem as Ciências Sociais. Onde o currículo engordou nós sabemos onde foi, mas tenho a sensação que não há peso político que permita ao SE Costa tocar nos privilégios de certas elites muito entranhadas no PS quando está no ME e que já fizeram saber que cortes, nessas matérias, nem pensar, muito menos semestralizações ou outras cóbóiadas ao entardecer.

Pelo que… como de costume, a investida vai ser contra os mais fraquitos ou mais idiotas em alinharem em coisas alegadamente inovadoras só para não ficarem mal na fotografia e perderem alguns sorrisos à mesa das conversas.

Não é por acaso que quem apareceu publicamente a defender certas flexibilizações fosse quem sabe que não perderá ou até ganhará (na recente proposta para os 3º e 4º anos já se teve um cheirinho de uma das tendências) com esta negociata toda.

É esta uma visão cínica das coisas? Tem menos de cínico do que de objectivo.

E Não “Deslarga”!

“Aquilo que podemos considerar como ‘obesidade curricular’ é uma realidade que os estudos revelam ser necessário repensar e mudar, evoluindo para um ‘emagrecimento’ dos mesmos programas curriculares”.

Que estudos? Que programas? Que raio de “obesidade”? Trocar , por exemplo, conteúdos de História por modas passageiras da preferência deste ou aquele governante ou pelo reforço de outras disciplinas mais próximas do poder e com maior capacidade de sedução curricular? Ocorrem-me dois ou três casos…

Quanto a excessos programáticos, há uma situação ou duas que já se percebeu que dificilmente serão alteradas. Ou, se forem, não será com corte das horas porque o lobby é muito forte e já fez saber que não está para ser sacrificado.

Quanto ao mais, é notório que a volta a Portugal continua, que o secretário de Estado não compreende posições diferentes sem as encarar como inimigas do progresso e que assumiu isto como uma cruzada pessoal. Recuar, ponderar, jamé! É uma questão de orgulho pessoal que já está em causa.

É uma pena, porque anda a estragar mais do que a melhorar as coisas, com aquela teimosia das pessoas iluminadas que pensam ter a Razão pousada no ombro e que confundem as suas crenças pessoais com o interesse dos alunos e não entendem que os rodapés da História estão cheios de coisas destas. Talvez por isso queiram tanto retalhá-la (à História) aos semestres com argumentos patuscos que só nos podem fazer sorrir, porque se percebe qual a origem e objectivo de tudo.

Bigorna

Regresso ao Futuro – 7

Repito o que escrevi em outro post, logo a abrir este, para que não existam confusões ou distorções, a bem da verdade. O que apresento por aqui de lavra pessoal é, na melhor das hipóteses, mediano em relação ao que conheço e sei que foi feito por outras pessoas, em outras escolas, em muitos outros momentos. Faço-o apenas porque são coisas minhas e na sua mediania, talvez ajudem algumas pessoas que não sabem, não viram, não leram, não testemunharam ou – mais grave – sabem mas dizem que não, a entender que os professores já fizeram muito daquilo que agora se diz que não foi feito.

O que se segue é um rascunho de projecto (sem grelhas, mas com algum fraseado que na altura se usava muito) de 2000 para desenvolver na escola onde estava (não sei se me foi pedido pela directora, se pela minha coordenadora de História) e onde sabia que não estaria no ano seguinte (a malta não se negava, quando era pedido com maneiras e sem presunções da treta, a fazer trabalho extra), O projecto, ia dizendo, destinava-se a fazer a aplicação do currículo das diversas disciplinas à realidade local, visando desenvolver uma abordagem local do currículo e abrindo a escola à participação da comunidade envolvente. Estávamos em 2000, era muita gente uma criança nisto, não sei se já usando gel ou não na cachimónia (se não sabem o que é, espreitem aqui).

Ainda não havia banda larga, pens ou clouds… portanto, o projecto era para ser promovido por um cd-rom. Bons velhos tempos… já não eram as disquetes flexíveis, mas…

Flex2000iFlex2000gFlex2000h

Como é fácil de constatar, sempre me arrepiou um bocado o quadriculado das grelhas e sempre preferi a suavidade e harmonia das formas curvas.