Há que ter a coragem de assumir as coisas. Prefiro algo coerente do que mantas de retalhos.
Educação: Por uma Flexibilização Coerente
Estamos a assistir a mais um processo de reforma educativa, desta vez sob o tema da “flexibilização curricular” e da necessidade de definir “aprendizagens essenciais”. É mais uma reforma a juntar a tantas outras que nos têm sido servidas a cada novo mandato no Ministério da Educação, como forma de se marcar uma espécie de novo tempo educativo para ser lembrado no futuro como o responsável por toda e qualquer conquista estatística ao nível do sucesso, seja nas estatísticas nacionais ou nas comparações internacionais.
Já muito se escreveu sobre os avanços, recuos ou piruetas deste processo nos últimos meses, pelo que não vou resumir os seus aspectos mais específicos, por se terem revelado bastante voláteis, preferindo concentrar-me no princípio geral da “flexibilidade” de um currículo “essencial” para os alunos “do século XXI”. Vou fazê-lo numa perspectiva de dar coerência e um aspecto mais global a este princípio, se é para ser levado a sério.
Antes de mais, consideremos a variável tempo numa dupla perspectiva: a primeira relaciona-se com a organização dos ciclos de escolaridade de outra maneira, de modo a permitir uma distensão dos programas por mais anos, eliminando redundâncias entre conteúdos dos vários ciclos, como acontece com o 2º e o 3º em diversas disciplinas; a segunda tem a ver com a obsessão de tudo contabilizar ao minuto, desde os horários dos professores às alternativas apresentadas para o trabalho “flexível” com os alunos. Para quando uma “flexibilização” do tempo escolar, organizado tradicionalmente em blocos com o monolitismo da lógica de série? Aulas de 45 ou 50 minutos não são verdadeiras alternativas. São apenas variantes mínimas do mesmo modelo de “tijolo”.
Em seguida, tenhamos coragem de enfrentar a questão da avaliação dos alunos em coerência com os princípios da “flexibilidade” e da necessidade de “emagrecer” o currículo, conjugando esta reforma com as medidas que há um ano marcaram mais um plano nacional para a promoção do sucesso escolar. Ao longo dos últimos 25 anos tivemos vagas sucessivas de retórica e legislação anti-insucesso com as mais variadas legitimações: ou porque é pedagogicamente infrutífero reter os alunos, ou porque isso lhes abala a auto-estima, ou porque é uma “chaga social” ou, de forma mais pragmática, porque “é caro”. Sejam coerentes de uma vez por todas e restrinjam a possibilidade de reter os alunos a casos ultra-excepcionais de falta de assiduidade, assumindo que todos (ou quase) devem passar de forma independente do seu desempenho, recebendo no final do Ensino Básico um certificado com as suas classificações, sejam quais forem. Abandonem de vez a noção de “positiva” e “negativa”, até porque a escala de 1 a 5 é toda positiva do ponto de vista matemático. E assim deixaríamos de comentar a transição de alunos com seis ou oito “negativas”. O aluno passou de ano com média de 1,5 ou 3,7 ou 4,8. E acaba-se de vez com o insucesso. Isso, sim, consideraria coerente e pouparia imenso em “formação” e conversa fiada por todo esse país, a massacrar pela enésima vez os professores, tentando fazê-los sentir-se “inflexíveis” e culpados pelos males alheios.

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