Sim, eu sei que é muito popular nos tempos que correm afirmar coisas como “a escola não é um lugar para ensinar, mas um lugar para aprender”, que “a aprendizagem centra-se no aluno; ele é o construtor da sua própria aprendizagem” e que “isto implica que o professor imagine e crie metodologias de autoaprendizagem que levem o aluno a descobrir e a pensar, sendo que o papel do professor é acompanhar e orientar o aluno nesse caminho de descoberta.”
Eu sei que isto é, de novo, um must entre muita gente que defende mudanças de “paradigma” e que, a cada reforma que pretende aplicar, puxa do argumento da centralidade do aluno em todo o processo educativo, empurrando o professor para um papel de apagamento ou mesmo subalternidade. Muito em especial quando se quer retirar-lhe competências na área da avaliação ou da imposição de regras. Para além do mais, verdade se diga, muitos dos defensores desta teorização tem uma forma tão fofinha de apresentar as coisas, parecem ter as evidências tão do seu lado que até fica mal discordar e dizer que a sua atitude é, pelo menos em boa parte, errada, seja no presente, seja em termos históricos.
Recordemos aos distraídos ou aos que acham que a História da Educação existe desde que se conhecem como professores, que historicamente foram os alunos a ir em busca dos professores e não o contrário. Desde a Grécia Clássica que sabemos que aqueles que eram encarados como mestres (palavra agora quase proibida, a menos que seja para designar quem acaba um segundo ciclo de estudos superiores que mal parece um só ciclo) eram procurados pelos que queriam ser seus discípulos e com eles aprenderem mais do que as competências da vida quotidiana ou as evidências do senso comum. A etimologia do termo “educar” (educere, educare) aponta para a abertura dos indivíduos ao conhecimento do que os rodeia, para algo além do que já são e conhecem. Assim como o termo grego scholé se refere a um tempo/espaço de lazer, descanso, em que se procurava conhecer algo. Aprender, certo. Mas com a presença indispensável de quem estava em condições de transmitir os conhecimentos a aprender, diferentes das aprendizagens feitas na vida comum ou do mero senso comum. Pelo senso comum, estaríamos ainda nos tempos da terra plana com o sol em seu redor.
O mesmo se passaria na Idade Média. As Universidades, enquanto instituições de ensino que se vão desligando do controlo religioso do saber a transmitir, nasceram da busca de conhecimentos pelos alunos, que procuravam quem lhes ensinasse algo mais do que aquilo que poderia ser aprendido no seu dia a dia ou com recurso aos mais velhos. A educação, enquanto busca de saber novo, não se deve confundir com o tradicionalismo das aprendizagens em oficinas ou com a transmissão acrítica e fiel dos dogmas religiosos.
A escola é um lugar para aprender, certamente. Não existe sem alunos, como é óbvio. Mas sem professores, sem ensino, é outra coisa. Pode ser um enorme piquenique na floresta para descobrir à vista desarmada as maravilhas poéticas da Natureza, pode ser uma animada reunião da tribo à volta da fogueira para contar caçadas heróicas, pode ser um serão familiar onde se transmitem mitos de origens ou lendas fantásticas. Pode ser algo extraordinário. Mas não é uma escola, enquanto tal. Há a designação “escola da vida”, que muita gente exibe justamente com orgulho. Mas não é a escola numa acepção do termo que vem de longe. Mesmo se mudou muito ao longo do tempo, a educação e a escola organiza-se em torno da transmissão de conhecimentos que se se distinguem do que pode ser aprendido nas ruas, entre pares ou em família. Transmissão essa que implica a existência, num plano de igual necessidade, de emissores e receptores. De professores e alunos. Alunos e professores. Uns não existem sem os outros. Os professores não existem sem alunos. Mas os alunos também não fazem sentido sem professores.
As escolas são lugares para se ensinar e aprender. Na Grécia Antiga, em Roma, na Idade Média, na Manchester industrial, agora, no século XXV. Pode mudar-se a configuração aparente da relação estabelecida em torno da transmissão de conhecimentos, o espaço físico onde essa relação se desenvolve ou mesmo os acessórios que a auxiliam em cada época, mas aquela do “todos somos alunos e todos somos professores” é um cliché que retrata apenas uma pequena parte da realidade porque, se as coisas fossem mesmo assim, quer-me parecer que ainda andaríamos a divertir-nos com a anedota do ovo e da galinha.
Tudo evoluiu? Certamente que sim. Por isso mesmo é que acho de um enorme despropósito andarem sempre a querer convencer-nos que a Escola de hoje é igual à de séculos ou mesmo gerações passadas. Não é. Ou que os professores não passam de facilitadores da auto-descoberta. Não, são mais do que isso. Desculpem-me lá os progressistas do mofo renovado.
E quanto a “paradigmas”… tomara eu que muita gente percebesse do que anda a falar.
Amável filho, quatro são os elementos: fogo, ar, água e terra, e destes quatro é composto e unido o teu corpo e tudo o que comes e bebes, apalpas, cheiras e sentes. Tudo o que teus olhos vêem sob a lua pertence aos quatro elementos.
O fogo está sobre o ar, o ar está sobre a água, e a água está sobre a terra. O fogo e o ar são leves, a água e a terra são pesados. Por isso, o fogo e o ar se movem para cima e a água e a terra se movem para baixo.
Filho, a composição se faz de duas maneiras: uma é quando o fogo é seco pela terra, o ar é aquecido pelo fogo, a água é humedecida pelo ar e a terra é resfriada pela água. A outra maneira é quando todos os quatro elementos são unidos em um corpo elementat, como o meu, o teu ou os outros corpos onde estão unidos os quatro elementos.
(Ramon Llull, Doutrina para crianças, XCIV)
Uma “bíblia” dos anos 80, o livrinho “At the Chalkface”, onde se defendia que o professor devia ser 1 mero facilitador, não aborrecendo muito os alunos. O conceito chalkface (escolas conservadoras de giz e quadro) em oposição completa de 1 novo conceito: o antiquado “mestre” vira “facilitador” , quase se promovendo a sua ausência…..
Perdi o livro. Mas não faz mal.
https://www.amazon.com/At-Chalkface-Practical-Techniques-Methodology/dp/0175560285
GostarGostar
Três breves notas: a) Enquanto nos guiarmos segundo uma lógica binária e uma moral maniqueísta – rigorosos do ensino à séria de um lado, fofinhos facilitistas da treta do outro lado – não sairemos da cepa torta, quanto mais de paradigma. b) Para se perceber a confusão instalada, observe-se a distinção falaciosa e artificiosa que se tenta operar entre ensinar e aprender; acontece que ensinar, no seu sentido robusto, só pode ser entendido factivamente: só se ensina algo se alguém aprende algo, se não, não se ensina – um pseudo-ensino não existe simplesmente, não é ensino algum (daí falar-se no “processo ensino-aprendizagem” e daí o absurdo de se procurar focar o ensino neste ou naquele pólo, pois ele é constitutivamente uma relação). c) Todo o grande ensino tem uma característica comum (que vem dos Gregos): ensina sobretudo a pensar; ser-se ensinado é ser-se ensinado a pensar (o que deve ser a directriz pedagógica primeira, e mais uma vez há dois pólos indissociáveis: conhecimentos e competências, não conhecimentos ou competências: conhecimentos sem competências são inertes, competências sem conhecimentos são cegas); e se se tiver prazer nisso, então… (lamento dizer, mas quem dá aulas no secundário, no fim do trajecto, apercebe-se que grande parte dos alunos não sabe, nem gosta de, pensar…).
GostarGostar
Mas se reparares no que é escrito por muitas pessoas, não existe “ensinar”. Só existe “aprender”.
Se há alunos que no Secundário não sabe e nem gosta de pensar, há quem tenha tido 3 anos para evitar isso. 🙂
GostarGostar
O tubérculo nasce desde logo torto quando se faz referência a «mais de 25 anos» de… (agora embatuquei: se a senhora não ensinou, chamo-lhe o quê?) facilitagem. Eu não atingi ainda o meio século de vida e já tenho tanta experiência de… facilitação quanto a nossa colega reformada.
Saiu há dias uma reportagem (já não sei em que meio de CS) acerca desse mundo novo, dessa nova metodologia, aplicada de Norte a Sul de Portugal. Tudo muito modernaço, tudo muito tecnológico, tudo muito p’ra frentex… até que, já a finalizar a ensaboadela, alguém se lembrou de perguntar a um dos nossos colegas ex-professor(a), agora facilitador(a), “Então e quanto a resultados?”.
A resposta é lapidar: «Não podemos ter ilusões…». O resto, vocês adivinham.
GostarGostar
Absolutamente de acordo!
TRETAS!!!
É, crescentemente, minha convicção que esta gente não gosta mesmo é de ENSINAR!
É, crescentemente, minha convicção que o objectivo é ter mão-de-obra bem “baratinha, ignorantezinha, admoestadinha” e satisfeita com a azeitona e o pão sobre a mesa )! – enfim, qualquer coisa do género ” pobrezinhos mas felizes”
GostarGostar
para levar o aluno descobrir e a pensar, primeiro ele tem de QUERER; depois, as metodologias é que terão importância.
GostarGostar