As Contas do Insucesso (mas com Sentido)

Há vários anos que discordo abertamente das contas que por cá se apresentam sobre o custo financeiro do insucesso escolar. Não falo das questões sociais, psicológicas ou pedagógicas. Refiro-me à demagogia desenfreada que, independentemente da cor dos governantes ou especialistas, assalta quem fala disto com contas mal feitas. Arranjam um valor médio por aluno e multiplicam-no pelos “chumbos” e acham um valor que praticamente ninguém questiona (e a comunicação social amplifica de forma acrítica), excepto este ou aquele idiota como eu a quem esse tipo de contas cheira a esturro. Mas, como se sabe, os títulos e as medalhas de valor e mérito estão todas do lado deles e eu passo por ser apenas um tipo que não percebe nada de contas públicas e a quem, quando a coisa aperta, se dirigem umas bocas assim pró foleiro, em especial na minha ausência ou em remoques privados.

Só que… parece que o problema não é só meu. Acedi há uns dias ao relatório feito em 2015 pelo Institut des Politiques Publiques que faz o estudo dos custos das reprovações em França, numa perspectiva que até é favorável ao seu fim ou redução e que, entre outras coisas, faz as contas aos encargos financeiros do insucesso.

Só que… eis o que é escrito a esse respeito:

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Isto significa que um país que de acordo com o nosso CNE apresenta um nível de insucesso relativamente próximo do nosso (28,4% dos alunos com pelo menos uma retenção por lá contra 34,3% por cá de acordo com um estudo feito praticamente na mesma altura do francês) teria uma poupança de 2 mil milhões de euros em 10 anos, sendo o orçamento anual da Educação de 65 mil milhões. Ou seja, uma poupança numa década de 3,1% de um único orçamento (cerca de 0,3% em média por ano).

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Por cá, as contas são todas outras… para um orçamento anual a rondar os 5,5 mil milhões de euros (valores dos orçamentos de 2015 e 2016) , os nossos especialistas apontam valores de poupanças anuais de 600 milhões (nos momentos de maior delírio demagógico) ou de mais de 250 milhões de euros (quando tomaram um cházinho de camomila). O que significa algo como uma poupança entre os 4,5% e quase 11% por ano. Isto só faria sentido de tivéssemos um insucesso 15-20 vezes superior ao francês, o que não é o caso.

As observações metodológicas do estudo francês aplicam-se de igual modo ao caso português: os alunos que não chumbam não deixam de ser alunos (só saem os que terminam a escolaridade obrigatória e não continuam estudos), até passam para ciclos de escolaridade mais caros e há custos fixos que não desaparecem com o fim dos chumbos.

Mesmo com poupanças a triplicar as francesas para compensar diferenças “sistémicas” ou da amostra usada (1% do orçamento anual), o valor seria de 50 a 60 milhões de euros. Nunca os valores que andam por aí a espalhar,  incluindo nas “formações para o sucesso”, mesmo na versão menos despudorada. Pode ser muito, mas é certamente muito menos do que a agit-prop dos sucessivos ME, seus apóstolos do sucesso e do próprio CNE com todo o seu saber técnico (vá… quem ler isto faça lá as queixinhas do costume a quem sabemos).

Porque entre nós se engana a opinião pública desta forma e com tanta facilidade e colaboração de muita comunicação social? Há resposta para isso, mas já me chega de criar amigos. Porque ou são incompetentes, apesar de tão qualificados, ou são pura e simplesmente desonestos e eu tenho dificuldade em definir as fronteiras da “mera” desonestidade “política”. Há (deveria haver) limites para o spin político. E, já agora, para o colaboracionismo mediático.

PG Verde