Isaltinismo

Acerca do post sobre o facto de se ter já percebido que as decisões sobre o currículo do 1º ciclo estão tomadas há muito tempo e tudo isto que se vai observando – incluindo as provas de aferição do 2º ano – ser uma enorme encenação para encobrir acordos estabelecidos entre amigos para alargar o poder de um determinado grupo de influência, algumas pessoas que muito estimo pessoal e intelectualmente, deixaram-me comentários “numa rede social” (comentar aqui é mais complicado, dá a sensação de ser mais visível, pelo que respeitarei e não direi de quem são) que se podem resumir da seguinte forma “é pá, a medida é boa, para quê estar a questionar o processo de a tomar?”

Podem ler por vós mesmos:

Faz todo o sentido haver pelo menos 5 horas no 1.º ciclo (e até noutros ciclos!) para “expressões físico-motoras e artísticas. Não vejo qual é o problema. (VT)

Se a medida é boa???? É excelente! Isto é preso por ter cão e preso por não ter… (DR)

Esta lógica do “é bom, então avance-se e não nos preocupemos” tem para mim um par de problemas.

  • Em primeiro lugar, até pode ser “bom” ou “excelente”, mas não sei se foram consideradas outras hipóteses igualmente boas ou excelentes. Ou… se o foram, se foram descartadas porque na entourage ministerial não existe ninguém ligado a este ou aquele lobby capaz de pressionar o desenho do currículo em determinado sentido. Há declarações acerca do que é certo ou errado nisto tudo que a mim mais não parecem do que proclamações pessoais de fé sem fundamentação inquestionável.
  • Em segundo lugar, e mais importante, para mim os procedimentos podem dizer muito sobre a natureza de algumas políticas, por virtuosas que se anunciem. Se umas determinadas provas são apresentadas como ferramenta para definir uma política e se percebe, no primeiro dia em que estão a decorrer, que já existe todo um aparato de propaganda destinado a legitimar conclusões já adquiridas e medidas já decididas, algo para mim está errado. Ignoremos que me tenho informado sobre alguns dos meandros deste processo. Fiquemo-nos pelo que é público, para evitar problemas. Como é possível que no dia 2 de Maio se apresentem já medidas a tomar no próximo ano para o 1º ciclo em termos de alteração da matriz curricular e distribuição de horas, antes de se conhecerem os resultados das provas aplicadas a partir desse dia? É porque as “impressões” que se recolheram não precisam de outro diagnóstico ou “fotografia” e tudo não passou de um (quase) hábil estratagema.

Há pessoas para quem a alegada bondade das medidas (algo haveria a debater nesta matéria, mas esqueçamos isso para não complicar mais as coisas) justifica que se retorçam os procedimentos ou que se desrespeite aquilo que as próprias pessoas envolvidas declararam publicamente. Claro que em privado eu sei há muito tempo que o objectivo é aplicar o que está na apresentação do secretário de Estado João Costa. Claro que as pessoas que tiveram acesso privilegiado (não foi o meu caso, eu cheguei lá em recipiente requentado) à definição e, mais tarde, à forma de divulgar estas medidas, sabem há muitos meses que é isto que é para implementar. E há muito que há nomes para ocupar e formar o “terreno”, se é que me consigo fazer entender. O que me choca – e nem devia, porque eu já sei como isto se faz, mas ainda espero, a cada novo turno, que as pessoas façam diferente dos antecessores – é que se façam declarações públicas mistificadoras.

E não é a primeira (ou segunda vez).

Sobre a flexibilização curricular foi a mesma coisa. Publicamente desdizia-se o que era afirmado com toda a certeza em ambientes mais restritos. A coisa acabou por ficar adiada, mas só o foi porque houve bom senso a outro nível.

Sobre o Perfil dos Alunos passa-se o mesmo. Ainda não conhecemos o resultado da “consulta pública”, mas já é apresentado como final o que foi divulgado como proposta.

Claro que quem acha que isto é o supra-sumo da Pedagogia e da Educação no século XXI considera que é importante forçar a coisa e implementá-la seja de que maneira for e lá me aparecem com a tal coisa do “phosga-se, Paulo, não nos chateies se foi feito assim ou assado, se isto é tão bom”.

Não, meus amigos, as coisas não devem ser assim. A minha filha poderia adorar astrologia e cartomancia (por um acaso dos távoras é mesmo de educação física e desporto, apesar dos contratempos) mas não seria por isso (ou por causa dos gostos, inclinações ou interesses de conhecidos, amigos ou apoiantes) que eu defenderia esta ou aquela medida como boa e que se lixe todo o resto. Ninguém me leu ou ouviu ainda defender o reforço do ensino da História no 1º ciclo e essa é a minha área de formação e estudo. Por acaso, acho muito mais interessante que se alargue o tempo para as Ciências Naturais, mas essa é toda uma outra conversa. Como nos tempos em que critiquei o Crato por misturar-se no programa e ensino da Matemática, critico estes por se meterem da forma errada nesta matéria e por o fazerem na base da dissimulação.

Pensava que pelo menos uma parte do PS já tivesse aprendido com os erros da outra senhora, mas não.  E pensava que o Bloco e o PCP servissem para alguma coisa, mas… não.

Os fins justificam os meios. E quem se meter no caminho, leva. Conhecemos o método. Infelizmente.

Moralismo?

Não… acho é que por maus que os tempos estejam, a ética não pode ser um luxo.

Isaltino

Não Abram os Olhos, Não…

… e nem perceberão que há coisas extraordinárias feitas à medida de alguns e outros que se lixem. Já da outra vez, foi o mesmo. Há quem tenha de entrar e então arrebanha-se assim um grupo de ovelhas e os lobos e as raposas vestem umas peles e disfarçam. Não foi por falta de avisos. Mas ainda há quem acredite nestas coisas…

O Movimento – Professores Precários considerou hoje “injusto e inaceitável” que os docentes contratados para estabelecimentos públicos de educação sejam “impedidos” de aceder ao programa de regularização por estarem abrangidos por um concurso de vinculação extraordinária.

Eyes

Afinal, Já Está Decidido

Como o Arlindo também já destacou, a apresentação que está a ser feita pelo SE nas sessões com as escolas pelo país já contém as conclusões que, alegadamente, iriam ser obtidas a partir da realização das provas de aferição do 2º ano.

Já está decidido que a matriz do 1º ciclo irá ser alterada para acomodar alguns interesses próximos (hesito em alargar-me a amizades) do senhor secretário de Estado. A “fotografia” já foi tirada. As “impressões” há muito que foram transformadas em projecto de intervenção, com o aplauso de alguns grupos de (im)pressão.

1ciclo

Se a medida é boa? Até pode ser. Mas faz alguma confusão que pessoas armadas em algo mais do que os outros achem que fins alegadamente virtuosos justificam meios enganadores e tortuosos. Claro que há quem ache que tudo isto é secundário, mas a tipos arcaicos como eu, que não praticam o truque aprendido no jotismo ou a chico-espertice da conversa de café de proximidade, com a sensação da impunidade e a certeza da falta de escrutínio político competente (a “esquerda radical” está presa pelos tintins e a direita desapareceu desta área, deixando-a a aparelhistas em busca de melhor carreira), este tipo de coisa provoca a tal da urticária. E é triste perceber que, ao longo dos tempos, o “desenvolvimento curricular” depende mais de quem lá está do que de qualquer coisa mais sólida.

O que eu acho realmente é que era desnecessário gastar tanto dinheiro e perturbar a vida das escolas com as provas desta semana, se já tudo estava decidido. Ao menos, demonstrar-se-ia coragem e não apenas habilideza táctica.