A Sério

Depois do que escrevi mais abaixo sou obrigado a declarar que, a não ser O Idiota e O Jogador, li muito pouco Dostoievski até ao fim, do Tolstoi fiquei quase sempre a meio da Guerra e Paz e que, assim dos russos que todos devemos ler, sou mais fã dos que inventaram as short stories (Tchekov, Turgueniev, Pushkin) do que dos enciclopédicos.

E que eu é mais bolos (sem muito creme) e banda desenhada.

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O Anti-Intelectualismo Entre Nós

Ia lendo um dos últimos “retratos” da FFMS (Vale a pena? – Conversas com escritores de Inês Fonseca Santos) quando encontrei esta passagem de uma conversa com Mário de Carvalho: “qualquer chefe cozinheiro ou qualquer modista ou coisa parecida é mais importante do que um professor, e os professores são um dos aspectos da representação social do saber; o professor tem saber, mas é desvalorizado. E não são só os professores a serem desvalorizados, são desvalorizados os escritores, os cientistas, os pintores, os artistas das mais diversas áreas… Isto porquê? Porque o predomínio é o do negócio, da traficância, que joga com o recurso aos impulsos mais básicos, mais primários, mais simples”. (pp. 17-18). Algumas páginas antes, citava-se Albert Manguel a afirmar que “Na nossa época, o ato intelectual não tem qualquer prestígio.” No original, a citação continua, afirmando que “quando queremos interrogar–nos sobre o futuro consultamos os oráculos televisivos, as pessoas que deitam umas cartas, os horóscopos…”

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É quase inevitável associar estas críticas ao culto da superficialidade e a uma certa recusa do conhecimento, do saber, dito “enciclopédico” como se fosse ofensa, a declarações recentes de pessoas com responsabilidades na definição de políticas educativas e que, pelo que afirmam de forma sucessiva, parecem considerar que esse saber teórico – intelectual – desnecessário, dispensável, inferior ao “saber fazer”, ao “sentir”, como se fosse possível fazer tal hierarquização maniqueísta sem se cair num primário anti-intelectualismo muito comum em sociedades com escassa História, em ambientes seduzidas pelo relativismo cultural pós-moderno ou em que o ideal do self-made-man, do empreendedor sem pergaminhos académicos é o ideal de sucesso.

Esta tendência para o anti-intelectualismo é uma característica que muitas vezes se associa à direita, mas que é partilhada por boa parte da esquerda multiculturalista. É algo que faz parte da cultura americana e daquele substrato ideológico que nos trouxe um trump ao poder, mas que nos últimos 10-15 anos também se tem espalhado pela Europa, a par do triunfo do racionalismo economicista.

Em Portugal, infelizmente, começa a sentir-se demasiado na área da Educação, com gente muito bem intencionada a construir sucesso na base da recusa do papel essencial do conhecimento na relação pedagógica. Que acha que basta fazer a cadeira e não compreender nada exterior ao seu processo de produção, que basta clicar e googlar e já tem informação e que pensamento crítico é dizer mal de, sem fundamentar.

Há quem confunda inovação e progresso com falta desse mesmo conhecimento, do que já se passou e fez. Que pense que o mundo começou quando deram a primeira aula, quando chegaram ao primeiro gabinete, quando conseguiram a primeira requisição ou deram a primeira formação creditada e subsidiada. Na verdade, apenas fazem parte de uma corrente antiga, a daqueles que temem o saber porque conhecem o poder que ele tem quando devidamente usado para desmascarar que o rei vai nu, por muito que os cortesãos o afirmem paramentado com as mais belas vestes.