Antologia Antropológica, Animalário e Portugal dos Pequenitos

São algumas das etiquetas que uso para situações como a que adiante é descrita e que resultou, em boa medida, da idiotice que surgiu em torno de duas reportagens sobre o tema dos manuais. Mas aposto que em “liderança” a avaliação é capaz de ter sido bué da boa. A imagem (que surge depois da assinatura) é de minha responsabilidade.

Boa tarde, Paulo!

Desde que me conheço como professor e desde que as editoras convidam os professores a estarem presentes em sessões de apresentação com os autores de manuais que o faço. Como não as fazem em Barcelos, vou eu a Braga, a Viana, à Póvoa ou ao Porto (e pago eu a gasolina, as portagens, etc.). E sempre encarei as bolachinhas, o sumo de concentrado ou o café de saco como um gesto de simpatia, perfeitamente inócuo que só uma mente formatada por pretensos ideais puritanos, desde logo antiquados, pode encarar como uma tentativa de suborno da minha pessoa. Francamente! 41 anos de serviço e vem-me um político qualquer (não será um qualquer, mas enfim!..) tentar condicionar-me a escolha de um Manual a regras próprias do Estado Novo, mas aí o livro era ÚNICO e não havia discussão.

Mais! Procuraram limitar-me a liberdade de eu escolher e decidir conscientemente, condicionando-me a análise dos manuais que entretanto foram enviados para a minha escola. Mais ainda, o Conselho Pedagógico e/ou Diretor da minha escola entenderam e decidiram que todos os manuais recebidos na escola eram pertença da escola, porque eram dirigidos ou a ele, Conselho Pedagógico, ou a um representante de disciplina. Uns lamentável e realmente será assim, mas aqueles que têm bem legível o MEU nome, são MEUS!!! E não abdico da sua posse.

Longe de mim, assumir-me defensor de editoras, mas velhinho como sou, lamento que o ministro ou alguém em seu nome, tenha resolvido apoiar as malabarices de meios de comunicação social.

Abraço

José S. Fernandes

coice-da-jumenta

A Escola Desnecessária

Mandaram-me há bocado umas perguntas de uma revista de que desconhecia a existência sobre o ensino da Cidadania, o que se projecta para ela, os conteúdos que se têm apresentado como passíveis de ser leccionados e todas aquelas transversalidades com nome de “Educação para…”. E eu, como seria de esperar num conservador dinossáurico [sic, escrevi mesmo assim], embasbaquei ao ver aquilo tudo concentrado num parágrafo.

Ele há de tudo, desde a Prevenção Rodoviária à Educação para a Sexualidade, passando por excitações mais à Direita (Educação para o Empreendedorismo) ou Mais à Esquerda (Educação para a Igualdade de Género), numa espécie de albergue onde tudo se mete e faz girar como se fosse uma máquina para lavar tudo.

E não pude deixar de constatar que o pessoal que anda a empurrar com isto para a frente e a querer criar-lhe espaço curricular (vamos chamar-lhe assim) é o mesmo que acha que os alunos têm aulas em excesso e que devem aligeirar a carga do currículo que se percebe ser o “tradicional”, o do século XX, ou XIX, ou o que lhe passa pela cabeça. O mesmo pessoal que considera que se devem reduzir os programas a conteúdos “essenciais”.

Ora… estes “novos” conteúdos, transversais, horizontais ou verticais fazem, em razoável escala, parte daquilo que deveriam ser aprendizagens em família ou sociedade. Como em outros tempos, os da invenção do actual modelo de escola de massas (o do “paradigma de Manchester” – pré-Mourinho – para usar a designação que há muito tempo se usa para o associar à industrialização), era em sociedade e na família que se aprendia como trabalhar a terra, guiar uma carroça, ir à pesca, caçar, até brincar. E a “Escola” no seu modelo contemporâneo foi criada exactamente para ensinar aos indivíduos o que não era possível aprenderem em casa ou no seu ambiente social mas que lhes era necessário para acederem ao que agora se chamam “competências superiores” e a novas funções relevantes para a sociedade e a economia. A Matemática, as Ciências, a História, a Geografia, a Filosofia, são disciplinas que fazem parte do “núcleo duro” do currículo porque para o ensino é necessário mobilizar um saber que não se encontra sempre na cozinha, na sala, na rua ou nos centros comerciais d’agora ou mesmo nas fábricas e oficinas d’outrora.

A Escola surgiu da necessidade de ensinar aos indivíduos o que os métodos e ambientes tradicionais não conseguiam. Não para ensinar o que lhes agradava ou interessava numa visão imediatista. Em boa verdade, surgiu para ensinar coisas chatas, daí haver quem preferisse não lá colocar os pés e ir lavrar.

Não tenho a certeza de já estarmos numa fase em que esse tipo de saberes/conhecimentos (“enciclopédicos” nas palavras do nosso actual secretário de Estado, especializado no advérbio) pode ser menorizado no currículo e ser substituído ou mesmo suplantado por outro tipo de saberes que me parecem claramente do foro primário da família e da sociedade e só secundariamente da Escola. A menos que consideremos que a “mudança de paradigma” seja no sentido do currículo do Ensino Básico se tornar uma espécie de substituição do que deveria ser a socialização num sentido mais amplo do que a escolar. Em que a Escola se substitui à Família e à Sociedade na Educação Integral dos indivíduos. Qualquer conhecedor sofrível de História saberá que essa é a essência de todos os projectos totalitários na Educação, quando se afasta dos saberes ditos “tradicionais” e ocupa parte do seu lugar com as ideologias do momentos, disfarçadas de outra coisa. Educação Financeira soa-me a Economia Doméstica, não sei bem porquê, mesmo que não seja (ou por isso mesmo) só para as meninas.

A menos que a “mudança de paradigma” seja a da substituição do arcaísmo dos saberes “tradicionais” e estruturantes do pensamento pelas meras competências do “saber fazer”, essa forma disfarçada de desintelectualizar a Educação que remete para as teorias de algum pós-modernismo multiculturalista (versão BSSantos por cá) em que “saber fazer” unguentos com ervas da Amazónia é equivalente ao conhecimento requerido para produzir antibióticos.

A menos que a “mudança de paradigma” para o século XXI seja a da desresponsabilização quase total de tudo o que é exterior à Escola em relação à formação dos indivíduos. É verdade que o conceito de Escola a Tempo Inteiro há uma década que aponta nesse sentido. É verdade que o esvaziamento de um currículo académico mais formal em favor de abordagens do quotidiano no concreto são apenas mais um passo nesse sentido.

A menos que a “mudança de paradigma” para o século XXI queira a formação de indivíduos cujo perfil seja tão difuso e generalista na base das “educações para…” que, quando for necessário ir além de “saber fazer” a cadeira só saibam ir em busca do google.

Mas reconheço uma vantagem a esta tendência que se enquadra na evolução da espécie. Os polegares já está a crescer mais depressa.

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