Há perto de uma década um dos assuntos que despertava maiores iras era a forma como os professores tinham passado a ser tratados quanto ao seu absentismo, em especial o resultante de baixas médicas. Foram diversos os casos com amplificação mediática, em que docentes foram obrigados a regressar ao serviço com doenças terminais ou em estado perfeitamente incompatível com a docência.
Não chegámos ao mesmo ponto, mas já estivemos mais longe. Porque volto a ter relatos de coisas estranhas em juntas médicas, desde a duplicação das ditas cujas entre ME e SS com decisões discordantes a situações em que se diz a colegas para mudarem de residência se querem uma junta média que recuse liminarmente o prolongamento da licença, mesmo em casos de doença crónica devidamente comprovada. Sem direito a aposentação antecipada, lá se têm de arrastar as pessoas mais 30 dias pela escola para poderem recorrer novamente a um atestado.
E agora estamos todos quase dez anos mais velhos. Não há que o negar. Mas isso é encarado por algumas luminárias como se fosse uma culpa própria dos docentes, o de não terem rejuvenescido com os anos. E dizem que o corpo docente das escolas está “envelhecido”, não no sentido de lhes dar melhores condições de trabalho, mas sim de os criticar e de apontar a necessidade de terem “formação” para o mundo e as escolas do “século XXI” que aparentemente não entendem. E há quem por aí – será porque só começaram a dar aulas já no século XXI e a acharem-se “novos”? – pareça apoiar essa necessária “renovação” e carregue com a necessidade de novas “mudanças” a cada ano e aponte o dedo a quem “não se sabe adaptar aos novos tempos” e à “inovação” (as aspas não são citação directa, apenas as uso para destacar essa forma de “pensamento inovador”).
E eu olho para @s meus (minhas) colegas de escola, agrupamento, região, país, vejo, ouço, leio, quase todos os dias os seus lamentos perante a incompreensão de quem acha que o burnout docente é uma invenção de gente preguiçosa e privilegiada. Ou que atiram apenas para a indisciplina a razão do mal e assim esconda o continuado bullying exercido sobre a classe docente na última década.
E é aí que – perante os rostos concretos que vejo na vida real e não em visitas vipes organizadas por direcções porreiraças e amigas – a coisa para mim ganha contornos de uma fúria perigosamente mansa porque se fixa em rostos individuais de gente que, em seu tempo, não existiram, andaram a tratar da sua vidinha, fugiram a qualquer visibilidade ou tomada de posições incómodas, mas agora aparecem por aí como gurus do “novo tempo”, eles que foram colaboracionistas do antigo. Não falo de quem nem tinha idade para contar para este campeonato. Falo daqueles que foram operacionais no terreno durante a investida de Maria de Lurdes Rodrigues ou que estiveram prudentemente na sombra durante os anos quentes, a fazer a sua carreira sem riscos. Sim, já perceberam por certo que falo de alguns dos arautos do “sucesso” que andam pelo país a espalhar o Novo Verbo e pelos quais tenho um respeito mínimo, mesmo mínimo, porque não lhes reconheço qualquer autoridade moral, ética ou mesmo pedagógica e científica para nos darem lições com base em “impressões” e muito menos para nos obrigarem a ouvi-los em “formações”, sempre a pedir mais, nunca dando nada em troca sem ser palavras vazias de conteúdo, apenas conversa fiada, requentada, reciclada de há 20 anos. Sem sequer serem capazes de assumir até ao fim a sua retórica, dizendo ao país que apenas andam a fingir que o objectivo não é a transição automática dos alunos ou a culpa é da falta de “inovação” dos professores.
Há pecados originais que não há purgatório que resolva.