Todos ao Molho Parecemos Iguais?

Nestes últimos finais de ano lectivo tive a má sorte de notar como existe uma forte ideologia pretensamente igualitária que para além de defender o sucesso a qualquer preço ainda defende que o reconhecimento do mérito académico é algo mau, elitista e mesmo “anti-democrático”. É aquele pessoal que acha que a existência de quadros de valor, mérito ou excelência é um mal imenso que só promove a competição e o reconhecimento da desigualdade entre os alunos.

Há duas maneiras de lidar com esta visão estreitinha das coisas. Como hoje é dia do Senhor e Ele diz que o Céu será dos pobres de espírito (a sério? como eu gostava de saber ler as escrituras no original!), vou optar pela via construtiva, dentro das minhas reconhecidas limitações.

Vejamos então a coisa de uma maneira que penso ser de entendimento acessível:

Se já estamos numa fase em que o sucesso é garantido com um mínimo de esforço, com um grau de exigência cada vez mais cá para baixo, se achamos que todos merecem transitar na escolaridade obrigatória desde que apareçam e levantem a mão ao reconhecer o chamamento pelo nome, que raio vos incomoda que possamos distinguir um pouco que faz mais do que isso e tem gosto em estudar e em ter um desempenho académico acima do sofrível? O que vos custa que se distinga o que não é igual? O que é que vos dói exactamente? Que raio de ideologia é essa que faz pessoas que rejubilam e vão para as redes sociais publicar tudo o que seja prémio ou feitos das suas turmas, escolas, alunos, filhos, parentes depois criticar os tais quadros de valor?

Reparem que já escrevi em letra impressa publicada que já nem me choca que passe toda a gente, desde que se inscreva com que média fez o seu trabalho. Que já estou pronto para flexibilizar critérios de avaliação até aos limites do elástico mais lasso. Agora, em troca desse levantamento artificial da base, dessa transformação de quase tudo em sucesso, acho que o mínimo que se deve exigir é que consigam entender que os bons alunos, os excelentes alunos, também têm direito a que seja reconhecido aquilo que fazem e que é diferente e, não tenhamos vergonha nas palavras, melhor do que os mínimos dos mínimos que agora equivale a sucesso.

(se subimos a base da escala, devemos subir toda a escala… há quem não pareça saber ou perceber que os sistemas que quase não têm retenções, não abdicam de um sistema que diferencia de forma clara os desempenhos académicos “positivos”…)

Esta cultura do igualitarismo à força, esta pedagogia da igualdade forçada, não só de oportunidades mas também do desempenho, esta ideologia que nivela pela mediocridade e se horroriza com a excelência (que considera elitista, subjectiva, relativa, etc, a menos que seja no desporto com os aspirantes a ronaldos metidos nas academias pagas, ou nas artes nas candidatas a rianas e actrizes mirins enviadas para audições ou sessões de fotos em qualquer produtora de vão de escada nas esperança de serem @s próxim@s bimb@s num espectáculo de triste realidade), é algo que só pode conduzir a Escola Pública para uma inevitável segunda divisão do nosso sistema educativo, pois se os próprios professores se negam a distinguir os seus melhores alunos, que confiança podemos ter em que explorem as suas capacidades?

Vamos deixar-nos de teorias da treta… a desigualdade é injusta quando resulta de mecanismos discriminatórios que reduzem as oportunidades dos indivíduos com base nas suas origens (sociais, culturais, de género, etc), mas a igualdade forçada também é injusta quando pretende indiferenciar de modo artificial o que é diferente e que resulta de capacidades e aptidões diferentes. Eu bem poderia estar 8 horas por dia a treinar que nunca seria um atleta, cantor ou um artesão de topo, faltam-me qualidades para isso ao nível de coordenação, vontade, inclinação, talento. Seria uma injustiça tremenda um sistema que me dessem uma classificação equivalente a quem não é mal jeitoso para essas coisas como eu. Seria desmoralizar essas pessoas ou, pior, talvez mesmo impedir as suas qualidades. Em contrapartida, sei que há gente que mesmo após décadas a dar aulas (e muitos anos de estudo e diplomas e formações creditadas) ainda tem dificuldade em conjugar verbos como o simples “haver” ou em fazer frases complexas com as conjunções apropriadas numa mera acta.

A Educação deve promover, ao mesmo tempo, o sucesso e a excelência, permitindo a todos melhorar o seu desempenho e ver isso reconhecido. Promover a excelência, esquecendo o resto, agrava fossos e promove o aumento da desigualdade; promover o sucesso, anatemizando a excelência, acaba por nivelar por baixo, impedindo o progresso dos melhores. a solução está em tentar que todos, de forma colaborativa mas sem eliminar a competição (já repararam que há desportos em que nem pode haver empates?), possam desenvolver as suas capacidades e ver isso reconhecido.

Claro que não me admira que entre alguns dos lutadores de feicebuque contra os quadros de valor nas escolas públicas estejam aqueles que também se afirmam contra a avaliação tout court e que estão contra a avaliação de qualquer desempenho concreto. Não entendem que a igualdade à força só produz sistemas distópicos. Aquela ideia de que um carpinteiro é equivalente a um médico funciona na parte da dignidade de cada trabalho, mas que não funciona mesmo se colocarem um programador de computadores a fazer-vos uma operação ao pâncreas.

Mas o que lhes falta em lógica e observação da realidade e da natureza humana, sobra-lhes em agressividade, adjectivação e, curiosamente, em valorização da sua própria opinião em relação à dos outros. Porque se há coisa que caracteriza algumas destas pessoas que defendem a igualdade à força dos alunos é a defesa intransigente da desigualdade do valor das opiniões. As suas são as únicas que têm mérito e são dignas do reconhecimento da excelência dos seus princípios. Quem pensa de outra forma é um ser moralmente inferior.

Brain

13 opiniões sobre “Todos ao Molho Parecemos Iguais?

  1. De acordo.
    O mérito e desempenho dos melhores alunos é, muitas vezes, deixado para 2º plano, como se estes alunos não necessitassem da mesma atenção que é dada aos seus colegas.

    O nivelamento por baixo é assim, no nosso país, uma evidência em todos os sectores da sociedade.

    Isto, sim, é , talvez, um trauma social com raízes profundas.

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    1. As raízes desse “trauma social” não são assim tão profundas. Foram plantadas e regadas até hoje, de forma dedicada, desde o 25 de Abril de 1974, durante a noite, com a condescendência temerosa de quem nunca ousou levantar a voz.

      Depois, é o que se vê: os tais que defendem a igualdade à força dos alunos (muitos são-no por mimetismo) acabam por ser eles a boicotar de forma intransigente e agressiva qualquer outra visão que não se enquadre dentro da sua ortodoxia ou credo.

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  2. A tua argumentação deixou-me a pensar. Eu sempre reagi contra os quadros de honra por ter estudado numa época em que, nos liceus, existiam e até eram publicados no Diário Popular, se não estou em erro. Fazer parte deles revoltava-me, pois se uns conseguiam melhores resultados do que outros isso devia-se a factores diversos que não dominávamos, em geral. Como professora sempre me afirmei contra.
    Contudo, na escola actual, onde o “sucesso burocrático” se impõe, talvez seja um mal menor….

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    1. A ideia é darmos a quem se esforça (mesmo e para além da média) algo que vai além do igualitarismo enganador.

      Por isso, há agora quadros de valor mesmo para quem não tem grandes notas, mas se distinguiu pela superação das suas dificuldades.

      Eu fui aluno dos últimos tempos (primária) em que alguns professores ainda tentavam distinguir esse mérito de forma não institucional.

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  3. Concordo. Tenho convivido inúmeras vezes com essa situação … os “objetores de consciência” da distinção pelo mérito. Reclamam-se donos do Bem, da Verdade e, até, da nossa “pobre” Moral.

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    1. Também discordo da ideologia do todos somos iguais e não queremos avaliação. Já escrevi isso muitas vezes, contra quem não quer ser avaliado, mas também contra quem diz que nenhum de nós quer ser avaliado.

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  4. Concordo com o texto.
    Fiz o meu percurso académico no antes 25. Não “frequentei” quadros de honra mas conheci a realidade.
    Sempre me irritou o “nacional-porrerismo” dos “fraquinhos” e a dificuldade em reconhecer o mérito.
    Defender as ideias do texto, num conselho de turma, nem sempre é fácil…!
    Nem sempre é fácil…

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  5. Tentar contra-argumentar face a um texto/opinião que (mesmo que por intuitos talvez de ordem polémica) se estriba numa lógica maniqueísta, que divide as posições sobre este tema entre dois campos opostos e extremados “igualitaristas-facilitistas”, de um lado, e, do outro, “meritocratas-rigoristas”, não se afigura fácil, se não se quiser cair sob a alçada dos esquemas binários e redutores dessa lógica. Eu, pelo meu lado, defendo que o verdadeiro ensino – entendido como a oportunidade de cada um desenvolver o seu potencial humano – acabará, de forma natural, por conduzir à desigualdade entre os indivíduos, justamente porque eles apresentam potenciais diversos, com características particulares e únicas (de resto, o maior problema do modelo que ensino que temos é precisamente o de não permitir a cabal expressão dessas singularidades, como há muito venho sublinhando). Mas, por outro lado, essas singularidades devem ser vistas e compreendidas não à simples luz de uma perspectiva meritocrática. Neste ponto, convirá aprofundar mais um bocado as coisas. Analisando a perspectiva de educação subjacente ao “prémio de mérito”, descortinamos uma tão sedutora e fácil quanto perigosa (daí a sua presença avassaladora na ideologia dominante) concepção behaviorista que, de uma forma simplista, pretende associar – segundo uma lógica causal linear – o mérito do desempenho do aluno a uma recompensa estimuladora, no caso, de carácter honorífico (ou pecuniário). A grande questão que esta concepção levanta é que entende as aprendizagens como resultado de um mecanismo de constante estimulação (ou punição) dos alunos, desencorajando a afirmação da sua autonomia e autodeterminação enquanto ser moral, quer dizer, assume e responde pelos seus actos, antes de tudo o mais, perante a sua própria consciência .O “prémio pelo mérito” mais não faz do que consagrar ostensivamente uma indigente perspectiva educativa (e também antropológica, para sermos mais rigorosos) que encontra na emulação competitiva o seu fim mesmo, ampliada pela pulsão mercantilista imperante. Enquanto as aprendizagens não forem compreendidas, sobretudo, à luz da ideia de uma acção movida por valores, de que um bom desempenho já comporta um mérito inalienável e intrínseco, de se encontrar aí a satisfação de uma realização pessoal insubstituível, teremos um sistema de ensino completamente desvirtuado desde a sua base.

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    1. Deixei de ler ao fim de poucas linhas… porque tu simplificas tudo (não sei se para encaixares melhores nos teus preconceitos) o que te desagrada e dizes que é binário. Já me cansei de ler o mesmo vezes sem fim.

      Binária era a avózinha…

      O que eu queria saber é o que tu fazes no teu quotidiano docente, mas isso é um mistério.

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  6. se o quadro de mérito é baseado predominantemente nos resultados quantitativos dos testes de avaliação, ‘sabe a poucachinho’…
    mas mais importante que o quadro de mérito seria o bom senso dos profs que para classificar com 3 existe latitude imensa (a partir de 40% já está e se não estiver vota-se para estar…) mas para classificar com 4 (aqueles 67, 68, 69%) ou 5 (os 87, 88, 89%), existe ‘enguiço’ bolorento freudiano…

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