Estive a Olhar Para as Estrelas ao Meio-Dia

E elas fizeram-me notar na coincidência de dois “temas” relativos à carreira docente. A da redução da componente lectiva ao abrigo do artigo 79 e a do descongelamento “faseado” das carreiras. Eu acho que elas estão enganadas e andam a ver coisas onde elas não se encontram, deve ser do calor, qualquer coisa tipo insolação. Mas insistiram comigo que poderia haver mais do que uma coincidência cronológica nestas duas questões do género… nós até lhes damos (à malta com mais de 50 anos) as reduções pelo modelo antigo se vocês aceitarem não descongelar mais uns anos.

Para eles (governo e geringonça educativa) é um bom negócio, assim como para alguns dos seus sapadores, disseram-me os astros em tom conspirativo. Mas eu respondi que não é grande ganho para malta como eu, que continua  a ter o mesmo total de horas de trabalho, lectivo ou não, pois quase sempre vai dar ao mesmo, aula de apoio ou tutoria ao molho. Por isso, acho que deve ser engano de algum cometa que passou por aí e deixou cair alguns calhaus da cauda que deram à costa.

Ou então é barro, a ver se pega. Como este, que a fne já agarrou.

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Dúvidas

Quantas actualizações salariais daria o saco azul do zeinal? E quantas dariam as viagens e outras simpatias que o espírito santo salgado (e outros mecenas empreendedores, alegadamente, claro, da antiga pêtê à agora edêpê, com aqueles grandes debates encenados para discutir o futuro do país) distribuiu(ram) por muita gente que andou e anda por aí a criticar os funcionários públicos e professores por terem “privilégios”? Existisse algum pudor e vergonha e seriam muit@s o que pediriam escusa para escrever sobre quem recebe para fazer o trabalho que faz e não encomendas de pseudo-notícias e opiniões teleguiadas. Atenção que não estou a falar em especial de jornalistas a sério, mas de alguns cromos com foto diária ou semanal para despejar chorrilhos de asneiras sem qualquer verificação factual. Aliás, durante muito tempo essa – o recurso sistemático à pós-verdade – deveria ser condição indispensável para a avença mediática, em meio singular ou em sinergia comunicacional.

Olhem que não eram só os corporativos e abrantinos que eram mantidos pelo(s) poder(es), nem só pelo desse tempo. Os processos não mudaram. Pelo contrário, refinou-se no encobrimento e no uso de informação sensível para manter muita gente pela arreata sem bufar

E há os que adesivam por muito pouco, porque parece que ainda há por aí alguma crise.

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Uma das Grandes Estratégias de Maria de Lurdes Rodrigues…

… passou por promover a divisão entre os professores, no sentido de encontrar apoios para algumas das suas medidas. Como já escrevi por diversas vezes (vou remeter para este conjunto de textos de 2008 do Umbigo por comodidade), uma das causas sempre foi o do aplainamento da carreira docente, no sentido de limitar a progressão salarial dos professores, criando obstáculos como escalões intermédios ou procedimentos de “avaliação do desempenho” com estrangulamento por quotas, na impossibilidade de pura e simplesmente reduzir o número de escalões e impedir formalmente o acesso ao topo da carreira (até ela percebeu que a coisa seria inconstitucional).

Nessa altura (2008-2009), a táctica foi acusar os professores “velhos” de progredirem “sem mérito”, de forma “automática”, de terem “privilégios” e basicamente de trabalharem pouco e receberem muito, de maneira a conseguir a simpatia dos professores “novos”, à espera de lugar no quadro ou estacionados nos primeiros escalões e promovendo desse modo a inveja em relação aos colegas mais antigos como se fossem eles os verdadeiros obstáculos à sua carreira e à melhoria das suas condições salariais.

Este discurso mesquinho nunca me agradou (e tive comentadores residentes a martelar isto no Umbigo a começar por uma “marta”), pois sempre achei que as coisas se resolvem nivelando por cima e não pela mediocridade e indigência (material e/ou intelectual). Eu estou no 5º escalão e ganho menos do que há 10 anos, após ter começado a dar aulas há 30, mas isso não significa que queira que quem está mais adiante venha a ter menos. Eu quero é que me permitam, ter mais.

Mas o discurso da necessidade de domesticar e aplainar o salário dos docentes nunca desapareceu, mesmo quando usavam mentiras para o fundamentar (o próprio texto de João Freire de que publiquei excertos confirmava que a carreira docente em Portugal não era anómala em relação a outras). Muitos foram os seus apoiantes e pode ler-se, por exemplo, num texto de um líder dos interesses privados na Educação e apoiante de Nuno Crato o seguinte:

Deixo à reflexão uma medida de longo prazo que pode, sem prejuízo para ninguém, ajudar a flexibilizar a gestão de pessoas nas escolas: a diminuição do número de escalões da carreira, diminuindo a diferença entre o nível de entrada (que sobe) e o de saída (que desce). Esta alteração antecipa vencimento numa fase da vida em que os docentes mais precisam: querem constituir família, educar os filhos, etc… com a contrapartida de, mais tarde, numa situação mais estável e com menos encargos, não haver aumentos de remuneração tão acentuados. Esta alteração poderá criar um incentivo importante para trazer jovens talentosos para a educação. Por outro lado, uma carreira mais homogénea, ou menos estratificada, facilitaria muito a gestão financeira do sistema em autonomia pois diminuiria significativamente a diferença de necessidades de financiamento entre escolas facilitando o financiamento por meio de uma fórmula. Com esta maior uniformidade, a questão da antiguidade e todas as outras associadas à carreira são menos relevantes na alocação dos recursos entre escolas e dentro de cada escola. (texto de Rodrigo Queirós e Melo, pp. 182-183)

Nestes novos tempos, de anunciada reversão de políticas, de reposição de salários, de respeito pelos professores, este tipo de discurso tem regressado de forma regular, sem que a autoria das prosas seja alguma vez atribuída.

No ComRegras, pela segunda vez nos últimos tempos há alguém (neste caso assinando-se como “professor” que volta ao tema nos seguintes termos:

Pergunto se é justo, nos mesmos anos de congelamento, uns professores estarem congelados em escalões inferiores e outros estarem congelados em escalões de topo? A diferença nos vencimentos é muitíssimo grande, numa profissão onde fazemos todos o mesmo e onde os mais velhos ainda têm as reduções de horário, para além de estarem ao pé de casa e escolherem os horários e as turmas com que querem trabalhar. Não é ressabiamento mas é justiça. Não é justo em mais de 10 anos de congelamento uns estarem congelados no 9 escalão e outros no 1º ou 2º, pois os primeiros, não podem progredir mais. Venho por este meio pedir ao Sr. Ministro que considere o descongelamento, principalmente para os professores que estão nos escalões inferiores.

Isto é mau, muito mau, a vários níveis, mas acredito que seja bem visto por alguns apoiantes blogosféricos da actual geringonça educativa. Ou seja, o autor parece pretender que, para além do congelamento, os professores mais antigos fossem “despromovidos” do seu escalão e que, quando do descongelamento, se pudessem concretizar “ultrapassagens” com os dos escalões inferiores a poderem progredir antes dos restantes, como se não tivéssemos todos parado no mesmo momento com base nos anos que tínhamos de carreira.

Esta é a forma errada, muito errada, terrivelmente míope e eticamente desastrosa, de apresentar a questão do descongelamento. O “professor” em causa afirma ter 20 anos de docência, estar no 2º escalão (quase que dá para lhe colocar um rosto) e merecer descongelar, por exemplo, antes de mim, que comecei a leccionar em 1987 ou de quem começou em 1977, só porque ganhávamos mais quando a MLR nos congelou e os seguintes assim nos mantiveram

Olha, pá, se eu fosse como tu começava a pedir que descongelassem quem, ao longo dos anos, se deu ao trabalho de complementar as suas habilitações e não foi com formações ou graus bolonheses.

Mas, felizmente, não olho só para o meu amplo umbigo. Tenho maneiras e, principalmente, não sou erradamente invejoso ou procuro nivelar tudo pela minha incapacidade de ver mais longe.

Parabéns, MLR, as tuas criaturinhas continuam entre nós.

Turd

O PAFismo no Secundário

O Despacho n.º 5908/2017 de 5 de julho já previa aquilo que em tempos de Valter Lemos se iniciou com a designação de “permeabilidade” (Decreto Normativo 29/2008 de 5 de Junho), mas que agora com João Costa ganha a designação de “percurso formativo próprio” e que consiste, basicamente, nos alunos e encarregados de educação fazerem uma espécie de pout-pourri de disciplinas entre as dos cursos científico-humanísticos, artísticos especializados e profissionais, conforme achem que lhes dá mais jeito à vocação.

(Educação Física é que não se pode permutar, claro… não é “específica”…)

Eu não discordo da possibilidade de alguns ajustamentos pontuais no percurso de um aluno e até da sua mudança de área, mas… há limites para a permuta de tudo e mais alguma coisa, até porque eu vou gostar de ver como é que depois as pecinhas encaixam, nomeadamente ao nível dos horários das disciplinas.

Aconselho vivamente a leitura a informação complementar disponível do site da DGE para quem vai dar Secundário (para quem for dt vai ser melhor comprar já umas boas caixas daquelas aspirinas mais fortes), porque agora é que vai ser mesmo um carrossel de entradas e saídas de alunos das disciplinas se não lhes garantirem o sucesso (deixemo-nos de tretas… basicamente isto é para que os alunos possam trocar umas disciplinas menos agradáveis por outras sobre as quais tenham uma melhor “impressão”).

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Não me admira muito que daqui por um ou dois anos alarguem isto ao Básico e os alunos possam substituir Matemática, História ou Português (“currículo velho”) por transversalidades como “Educação para a Multiculturalidade”, “Educação para a Igualdade de Género(s)” ou “Apontamentos para a Observação de Drones em Repouso” (“currículo novo” com “competências-chave para o século XXI”).

Já agora… há mais escolas a dizimar já as horas de História e Ciências/Físico-Química no 3º ciclo para dar espaço para os “projectos”. Depois não digam que não vos avisei.