… passou por promover a divisão entre os professores, no sentido de encontrar apoios para algumas das suas medidas. Como já escrevi por diversas vezes (vou remeter para este conjunto de textos de 2008 do Umbigo por comodidade), uma das causas sempre foi o do aplainamento da carreira docente, no sentido de limitar a progressão salarial dos professores, criando obstáculos como escalões intermédios ou procedimentos de “avaliação do desempenho” com estrangulamento por quotas, na impossibilidade de pura e simplesmente reduzir o número de escalões e impedir formalmente o acesso ao topo da carreira (até ela percebeu que a coisa seria inconstitucional).
Nessa altura (2008-2009), a táctica foi acusar os professores “velhos” de progredirem “sem mérito”, de forma “automática”, de terem “privilégios” e basicamente de trabalharem pouco e receberem muito, de maneira a conseguir a simpatia dos professores “novos”, à espera de lugar no quadro ou estacionados nos primeiros escalões e promovendo desse modo a inveja em relação aos colegas mais antigos como se fossem eles os verdadeiros obstáculos à sua carreira e à melhoria das suas condições salariais.
Este discurso mesquinho nunca me agradou (e tive comentadores residentes a martelar isto no Umbigo a começar por uma “marta”), pois sempre achei que as coisas se resolvem nivelando por cima e não pela mediocridade e indigência (material e/ou intelectual). Eu estou no 5º escalão e ganho menos do que há 10 anos, após ter começado a dar aulas há 30, mas isso não significa que queira que quem está mais adiante venha a ter menos. Eu quero é que me permitam, ter mais.
Mas o discurso da necessidade de domesticar e aplainar o salário dos docentes nunca desapareceu, mesmo quando usavam mentiras para o fundamentar (o próprio texto de João Freire de que publiquei excertos confirmava que a carreira docente em Portugal não era anómala em relação a outras). Muitos foram os seus apoiantes e pode ler-se, por exemplo, num texto de um líder dos interesses privados na Educação e apoiante de Nuno Crato o seguinte:
Deixo à reflexão uma medida de longo prazo que pode, sem prejuízo para ninguém, ajudar a flexibilizar a gestão de pessoas nas escolas: a diminuição do número de escalões da carreira, diminuindo a diferença entre o nível de entrada (que sobe) e o de saída (que desce). Esta alteração antecipa vencimento numa fase da vida em que os docentes mais precisam: querem constituir família, educar os filhos, etc… com a contrapartida de, mais tarde, numa situação mais estável e com menos encargos, não haver aumentos de remuneração tão acentuados. Esta alteração poderá criar um incentivo importante para trazer jovens talentosos para a educação. Por outro lado, uma carreira mais homogénea, ou menos estratificada, facilitaria muito a gestão financeira do sistema em autonomia pois diminuiria significativamente a diferença de necessidades de financiamento entre escolas facilitando o financiamento por meio de uma fórmula. Com esta maior uniformidade, a questão da antiguidade e todas as outras associadas à carreira são menos relevantes na alocação dos recursos entre escolas e dentro de cada escola. (texto de Rodrigo Queirós e Melo, pp. 182-183)
Nestes novos tempos, de anunciada reversão de políticas, de reposição de salários, de respeito pelos professores, este tipo de discurso tem regressado de forma regular, sem que a autoria das prosas seja alguma vez atribuída.
No ComRegras, pela segunda vez nos últimos tempos há alguém (neste caso assinando-se como “professor” que volta ao tema nos seguintes termos:
Pergunto se é justo, nos mesmos anos de congelamento, uns professores estarem congelados em escalões inferiores e outros estarem congelados em escalões de topo? A diferença nos vencimentos é muitíssimo grande, numa profissão onde fazemos todos o mesmo e onde os mais velhos ainda têm as reduções de horário, para além de estarem ao pé de casa e escolherem os horários e as turmas com que querem trabalhar. Não é ressabiamento mas é justiça. Não é justo em mais de 10 anos de congelamento uns estarem congelados no 9 escalão e outros no 1º ou 2º, pois os primeiros, não podem progredir mais. Venho por este meio pedir ao Sr. Ministro que considere o descongelamento, principalmente para os professores que estão nos escalões inferiores.
Isto é mau, muito mau, a vários níveis, mas acredito que seja bem visto por alguns apoiantes blogosféricos da actual geringonça educativa. Ou seja, o autor parece pretender que, para além do congelamento, os professores mais antigos fossem “despromovidos” do seu escalão e que, quando do descongelamento, se pudessem concretizar “ultrapassagens” com os dos escalões inferiores a poderem progredir antes dos restantes, como se não tivéssemos todos parado no mesmo momento com base nos anos que tínhamos de carreira.
Esta é a forma errada, muito errada, terrivelmente míope e eticamente desastrosa, de apresentar a questão do descongelamento. O “professor” em causa afirma ter 20 anos de docência, estar no 2º escalão (quase que dá para lhe colocar um rosto) e merecer descongelar, por exemplo, antes de mim, que comecei a leccionar em 1987 ou de quem começou em 1977, só porque ganhávamos mais quando a MLR nos congelou e os seguintes assim nos mantiveram
Olha, pá, se eu fosse como tu começava a pedir que descongelassem quem, ao longo dos anos, se deu ao trabalho de complementar as suas habilitações e não foi com formações ou graus bolonheses.
Mas, felizmente, não olho só para o meu amplo umbigo. Tenho maneiras e, principalmente, não sou erradamente invejoso ou procuro nivelar tudo pela minha incapacidade de ver mais longe.
Parabéns, MLR, as tuas criaturinhas continuam entre nós.

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