Há mais de dois meses (11/Julho) uma jornalista do Educare pediu-me colaboração para uma peça que estavam a fazer no sentido de debater “qual a relação que as crianças e jovens devem ter com os livros, o que se está a passar, e o que poderá acontecer no futuro”. Após ver o conjunto de questões, perguntei até quando deveria responder, tendo-me sido dito que era preferível até final daquela semana. Agradecendo a simpatia do convite, enviei as respostas no dia 14 de Julho. Desde o início soube que o tom e a substância das minhas respostas seriam difíceis de enquadrar na “agenda” da guerrilha em decurso entre o grupo editorial do Educare e o actual poder político na Educação (pelo qual também se sabe que não nutro especiais amores).
Semana após semana, fiquei sem ver a peça ser publicada e acabei por divulgar essas respostas num post pelos finais desse mês. Fui então contactado para retirar essas respostas, pois elas estavam a ser trabalhadas e seriam publicadas em breve. Acedi ao pedido e tornei o post privado. Em meados de Agosto pediram-me uma foto para ilustrar a peça. Passado mais um mês, ainda nada de nada, embora tenha saído uma longa entrevista sobre o assunto com um director escolar de Braga, pelo que voltei a questionar a jornalista no sentido de saber se poderia publicar o que escrevi, pois nada tinha sido publicado. Perante isto, foi-me garantido que a peça estaria para ser publicada em breve e que incluiria quase tudo o que escrevi.
Ora bem, com data de 6ª feira, encontra-se no Educare a tal peça com a seguinte introdução que incluo em imagem, para que não seja corrigido e depois digamk que foi tudo invenção minha:


Agora procurem as minhas declarações na dita peça e, pelo menos agora (15.45, 23 de Setembro), nada lá está, antes, no meio ou depois das dos restantes inquiridos. O que me dá a sensação de terem sido retiradas já depois de preparada a peça, quiçá por razões que eu até saberei quais são (afinal, fui testemunha de defesa do Paulo Morais no processo que lhe foi colocado por um grande grupo editorial). Em especial desde 2015 passei a sofrer de umas “bexigas” em algumas publicações, a começar por um muito infeliz episódio com umas actas de um seminário do CNE. Parece que tenha desalinhado em excesso de algumas cartilhas ou então tornei-me mesmo muito desinteressante e irrelevante nas declarações que presto. Porque não posso colocar a hipótese que, depois de convidado, me trunquem as declarações por causa do seu conteúdo, algo de que nunca me queixei nos tempos quentes de 2008-2011.
Se pode ter sido um engano lamentável e ultrapassável? Claro que sim, até porque eu acredito que o coelhinho da Páscoa põe mesmo ovos de chocolate.
Perante isto, sinto-me livre para incluir as questões que me foram enviadas e as respectivas respostas, para que se possa perceber até que ponto a minha opinião, sem nada de especialmente polémico, parece ser heterodoxa e pouco aceitável nos dias que correm. Se não querem saber o que penso, não perguntem.
.Qual a importância que um livro deve ter para a vida de uma criança e de um jovem? O que deve ser um livro para quem está a descobrir novos mundos?
Um livro deve ser uma chave que abre o acesso a um mundo novo, seja de conhecimentos sobre um dado tema, seja da imaginação dos autores. Um livro deve ser um “objecto” que, quando aberto e interpretado, permite a transformação do seu leitor, trazendo-lhe uma mais-valia que deve ser mais do que meramente utilitária, contribuindo para o seu bem-estar e felicidade.
.Os hábitos de leitura têm vindo a sofrer alterações. Quais as principais mudanças que verifica nestes últimos anos? Há coisas boas e coisas más nestas alterações nos hábitos dos mais jovens?
Curiosamente, apesar da “ameaça” dos meios digitais, verifico que um dos sectores editoriais que mantém maior dinamismo é o infanto-juvenil. Uma coisa boa foi a promoção activa da leitura a partir das escolas (o PNL é das medidas menos controversas na área da Educação), outra a permanência do gosto dos “miúdos” por lerem num suporte tido como tradicional; por fim, uma terceira coisa boa é a qualidade média do que é editado, seja nacional ou inportado. E não é apenas o fenómeno “Harry Potter”. O fenómeno menos bom é a insistência num discurso que parece estar sempre a anunciar o fim do livro tradicional e o suporte digital como o único ou dominante “no século XXI”. Quem isso faz, para além de objectivamente prejudicar o livro, é mais prisioneiro de algumas modas do que propriamente um profeta certeiro.
.Há alunos que não podem escrever, fazer anotações, nos livros do 1.º Ciclo. Isso poderá modificar e até condicionar a relação com o livro, tornando-o um objeto intocável e quase descartável, uma vez que não os podem guardar? E poderá também implicar mudanças nos próprios métodos de estudo dos alunos?
Não propriamente. Eu, por exemplo, nunca gostei de escrever nos livros a menos que fosse obrigado. A apropriação do livro não passa necessariamente apenas por isso. Acho mais perigosa a ideia de “desmaterializar” os manuais escolares, tornando-se algo imaterial e não manuseável pelos alunos. O livro foi ao longo do tempo um “espaço” para o diálogo entre o seu conteúdo e o leitor, não sendo as anotações o mais importante. Repito… acho que o “fim” dos livros físicos é um atentado muito maior a essa relação de familiaridade.
.É recomendável dizer aos mais novos que não podem sublinhar ou tomar notas nos livros? Esse discurso do não usar para não estragar pode ter implicações no futuro?
O não estragar os livros nunca pode ser uma mensagem errada. O que deve sublinhar-se é uma utilização correcta e responsável dos materiais escolares. Foi graças a isso que pude manter os meus livros da “Primária” e ainda os ter, décadas depois. mesmo se resolvi neles alguns exercícios. O livro não deve ser “sacralizado” da forma errada. É um objecto que manuseamos, que exploramos, mas que não devemos estragar de forma desnecessária.
.Como devem, em seu entender, ser usados os livros de estudo?
Como um amigo que não magoamos, mesmo se brincamos com ele. Como qualquer outro “utensílio” que usamos para uma função, mas não deitamos fora depois desse uso. Os livros de estudo são companheiros e, em simultâneo, cápsulas do tempo dos seus utilizadores, para quem podem constituir um inestimável e indispensável elemento de construção da memória e identidade pessoal. Os livros de estudo ajuda(ra)m-nos a sermos o que somos.
.Num país com baixos níveis de leitura, qual a relação que se está a criar entre os mais novos e os livros? O que deve ser feito, na sua opinião, para preservar essa ligação?
A promoção da leitura no suporte tradicional, o apoio à edição no sentido de tornar os livros mais acessíveis e não apenas objectos de um mercado em busca do maior lucros possível, para compensar perdas em outros segmentos desse mercado. O aumento dos níveis de leitura não passa por campanhas em que se anunciam futuros apenas digitais, desmaterializados e em que o objecto-livro de torna financeiramente pouco acessível. Há que adaptar o preço da oferta de forma a alargar a base da procura e não investir apenas num nicho estável de compradores recorrentes. O preço de certos livros para crianças e jovens é demasiado elevado, bastando comparar com o que é praticado em outros países (e estou a ter em conta a necessidade de pagar a tradução e os pagamentos de direitos de autor). Há livros a 12-15 euros de autores já no domínio público, quando em Inglaterra essas colecções tem preços de 3-5 euros. A inserção de algumas ilustrações não justifica a discrepância.
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