Os Elevados Custos da Erosão dos Serviços Públicos

É anedótico ver tipos como o Hugo Soares e afins a clamar pela desprotecção dos cidadãos perante os fogos, atribuindo a responsabilidade ao fracasso do “Estado”. No que eu estou plenamente de acordo, só que levaria a questão a outro nível de análise, um pouco além da demagogia de parlamentares de aviário. Ou seja, o “Estado” é quem? Todos, mas nenhuns em concreto? O “Estado” – neste caso guardas florestais ou recursos equiparáveis para detecção precoce de incêndios, polícias para fechar estradas, isolar áreas, recolher pessoas (a bem ou menos bem) em zonas de elevado risco, bem como, bombeiros equipados e com orientação para intervir, sem andarem às  cegas atrás de tudo e nada, a fazer o impossível – é determinado por quem?

O deputado Hugo Soares, alguns dos tristes pares que o colocaram como líder parlamentar, mais o pessoal do CDS arrepiado com as mortes rápidas verificadas, parecem não se interrogar sobre a razão da erosão dos serviços públicos que os seus partidos promoveram de forma activa, em colaboração com o PS, não esqueçamos, desde o início deste século, para não irmos mais longe. E se falarmos em tantas outras mortes em combustão lenta por ausência de serviços públicos (caso da Saúde, não apenas da Administração Interna), o que nos responderão? Até há dias diriam que a maioria desses serviços seriam melhor desempenhados pela “iniciativa privada”.

Mas agora já dizem outra coisa. O sempre presente e tudólogo José Gomes Ferreira estava no outro dia na SICN a denunciar a “economia/indústria dos fogos” que ganha com as consequências dos incêndios, desde a madeira queimada ao aluguer de equipamentos para combate aos fogos e indignava-se com a falta de investigação sobre os interesses instalados no rescaldo destas tragédias. E concluía, com uma clarividência que não lhe via há anos (e muito menos quando dialoga com luminárias do tipo Mira Amaral, João Duque, João Salgueiro, Ferraz da Costa e muitos etc) que o mais certo é que este tipo de serviços (prevenção e combate a incêndios) sairia mais barato ao Estado se fosse feito com meios próprios (públicos, permanentes,.

O homem viu a Luz! O arauto da “eficácia”, da “racionalização”, do “combate ao despesismo do Estado” e tantos outros lugares vulgaríssimos parece ter percebido à fora de mais de uma centena de mortes quase em directo que serviços públicos não guiados pelo lucro de prolongar a intervenção e explorar os despojos, talvez sejam melhores do que contratos sazonais com interesses privados.

Não me refiro, claro, àqueles negócios que também surgem ao nível de certas chefias (Protecção Civil, Bombeiros) e que são pura e simples corrupção. Falo de toda uma estrutura no terreno que actue em permanência com uma orgânica clara e não uma pulverização de hierarquias em que há mais chefes no papel do que bombeiros no terreno. Serviços que não respondam porque “os acontecimentos foram foram o resultado de circunstâncias fora do normal” (também há aquela das inundações se deverem muitas vezes a chuvas “acima da média para a época do ano”).

Se serviços públicos permanentes, bem estruturados e equipados do ponto de vista técnico, humano, com um planeamento racional e não a pensar apenas em quem pode ter que cargo e ganhar o quê, são a médio prazo mais vantajosos para as contas públicas do que contratualizações ruinosas, das casuísticas para acudir a qualquer preço a desgraças às de prazos indeterminados e rendas calamitosas (olhem, parece que, afinal, foi a EDP da parceria sino-mexia que não limpou as zonas em torno das suas linhas na zona de Pedrógão, podendo ter causado o incêndio), parece-me algo pacífico e não necessariamente ideológico como alguns pseudo-liberais defendem (para poderem ter contratos com o Estado que abominam).

Até porque a expansão desse tipo de serviços foi exactamente a matriz do Estado Liberal moderno ocidental desde o século XIX, no sentido de chegar a todo o território e a todos os cidadãos para que se concretize o princípio da igualdade de oportunidades e mesmo da possibilidade de liberdade e prosperidade.

Só que dos hugos sorares aos gomes ferreira, passando por tantos outros putos reguilas ou velhas raposas, a aprendizagem do liberalismo foi feita pela cartilha do cuspo mal amanhado. Assim como a enorme paixão do cds (minúsculo) pela segurança dos cidadãos se traduziu mais em submarinos parados do que em esquadras de proximidade no interior do país.

Mas o que interessa é que fizemos estádios para o euro que agora se calhar até servem para jogos de solidariedade.

brainstorm

 

10 opiniões sobre “Os Elevados Custos da Erosão dos Serviços Públicos

  1. 100%de acordo! É o mesmo serve para os hospitais /saúde pública /privada e ensino com a mesma dicotomia e por aí fora. Os serviços públicos foram degradados, com todas as luminarias políticas que lá foram sendo colocadas e depois atacam-se os trabalhadores, a quem se exige que não pensem se não estão tramados! Que simples!

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  2. Pois é, mas eles já não se lembram do que disseram há 5minutos, quanto mais há 1 mês. Eu também mudo de ideias, mas esta gente consegue-o com uma velocidade assinalável!

    O post também podia ter outro título, especialmente dedicado aos exemplares comentadeiros, deputadeiros e c.ª que aí são referidos: “Os elevados custos da utilização de cata-ventos em vez de gente capaz”

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  3. Subscrevo e aplaudo!
    Cavalgando o discurso do “excesso de Estado” (as “gorduras do Estado”, como diziam os pafistas), as políticas neoliberaloides provocaram a crise de 2008 (traduzida na “desregulação virtuosa” do sistema financeiro, BPN e BES são o expoente máximo dessa “virtude” no nosso rectângulo) e diminuíram o poder de intervenção deste nos mais diversos níveis, neste tempos cruelmente exposto no sector da prevenção e combate aos fogos neste triste país. De tal sorte, que o verdadeiro problema que hoje em dia se coloca é devolver ao Estado reais poderes e meios de intervenção.
    Notável é ver gente que aplaudia Sócas (em modo “3ª Via”) ou PC (em modo “para além da troika”) vir agora indignar-se tanto contra a “ineficiência e fraqueza do Estado”…

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  4. Diz-se, em suma, “…, que o verdadeiro problema que hoje em dia se coloca é devolver ao Estado reais poderes e meios de intervenção.”
    Pergunto: como se paga?

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    1. Criando dinheiro pelo investimento do Estado ou menor “cegueira” com o défice. Queres também uma aula de Macroeconomia ou Finanças? Se pagares bem até dou uma de borla em Systems Thinking. Just pay me

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