As minhas razões não serão as mais ortodoxas, mesmo se encontro cada vez mais gente que também é sensível a argumentos que vão para além das leituras mais literais do desagrado docente.
Sim, a causa imediata é a não contabilização de quase uma década na minha carreira profissional, como em 2008 a causa imediata era aquele modelo de avaliação do desempenho docente. Mas, tal como então, penso que há algo mais profundo que mexe comigo (connosco?) e que passa pela sensação de desrespeito repetido dirigido aos professores por políticos de ocasião, transitórios, em busca de outras pastagens mais férteis quando saírem do que deveria ser “serviço público” mas acaba mais ser “servir-se do público”.
As razões para esse desrespeito – que tem sempre a cobertura das exigências “orçamentais” na versão mais tecnocrática ou da conversa fiada do “mérito” para os mstavares e jmfernandes deste torrão – já as conhecemos e sabemos que são irresolúveis, mesmo com forte medicação e psicoterapia, tão enraízado que está o despeito e o ódio aos professores em algumas criaturas.
Mas isso não significa que tenhamos de as interiorizar, apesar de mais de uma década de metralha. Porque o que temos é muito do que já tivemos, só que agora com a hipocrisia de alguns quererem passar por nossos amiguinhos em off, seduzindo os que querem ser seduzidos para as suas causas particulares. Dessa forma, costista-verdascada, limparam-nos mais dois anos a fazer mais com o mesmo ou menos (o valor unitário da hora de trabalho efectivo dos professores perdeu uns bons 25% desde 2005), só lamentando eu que na minha classe profissional tanta gente tenha enfiado o barrete ou se tenha mesmo oferecido para kapo em troca de meio prato de lentilhas (leia-se… reduções para dar formação do que não se pratica ou participar em “projectos” desenhados exactamente para acolher os ingénuos ambiciosos).
Faço greve porque a carreira docente foi conscientemente destruída por uma larga coligação de políticos e especialistas do “arco da governação” tradicional e o colaboracionismo ocasional (regular nos últimos dois anos) de boa parte das “esquerdas radicais” (dos entendimentos públicos a coisas de tipo mais subterrâneo) e eu não quero ficar calado quanto a isso, mesmo se sei que é uma guerra praticamente perdida, depois de tantas batalhas desperdiçadas. Até porque dentro da própria classe partem críticas bem-pensantes ao nosso tão apregoado “corporativismo” (se isso fosse mesmo assim ter-se-ia passado tudo o que passou connosco?).
Claro que não critico gente que não faz greve porque já desistiu e não acredita mesmo que isto tenha volta. Mas claro que critico os que a não fazem com desculpas de merda (não me ocorre outro termo) a disfarçar mero colaboracionismo (não me refiro aos que fazem contas aos euros, mas aos que começam com racionalizações e conceptualizações da treta). E fico indeciso com aquela malta contratada que sempre pediu solidariedade contra a pacc e a bce mas agora diz, como hoje ouvi, que isto é uma “greve dos quadros, porque eu não estou na carreira, não perdi anos nenhuns”, sem perceber (?) que chegará a sua vez (na melhor das hipóteses, porque na pior serão largados borda fora). Porque nisso – em dividir a classe docente conforme agendas específicas – os sucessivos ME foram muito hábeis e é coesa a coligação que une todos os titulares da pasta desde David Justino (que mais tarde apoiou muito do que foi feito e que ele gostaria de ter começado a fazer).
Faço greve porque ainda tenho respeito por mim e pelos meus alunos que, infelizmente, cada vez têm professores em piores condições para os ensinar (sim, porque eu acredito que os professores devem ensinar os alunos e que o resto é conversa para iludir tansos) e merecem melhor, não porque precisemos de “formação” (dada quantas vezes por quem não sabe fazer o que debita em apresentações com citações de livros que eu já li há muito), mas porque precisamos que não estejam constantemente a tentar roubar-nos a dignidade das mais variadas formas.
E a greve de amanhã é, para mim (e espero que para mais uns quantos) um imperativo de defesa da nossa dignidade profissional e mesmo pessoal.