Nos últimos dias escrevi um par de textos sobre a magnífica Cimeira Internacional sobre a Carreira Docente que decorreu a semana que acabou em Lisboa. Para os mais distraídos, eu escrevi sobre os sorrisos de Mário Nogueira e Tiago Brandão Rodrigues, sendo-me criticado por algumas pessoas o facto de não compreender o protocolo a cumprir, a necessidade de cordialidade em eventos deste tipo e o facto da presença sindical ser essencial para efeitos de contraditório.
Há aqui questões relevantes e outras completamente acessórias, estando entre estas o facto de eu não ter a competência para fazer quem me lê ir mais longe do que as letras que se juntam num texto, nem sempre pequeno. Parece que tudo o que nos envolve é uma espécie de névoa que só se dissipa quando se trata do óbvio mais óbvio do que óbvio e vai daí o pessoal critica superficialmente o que pensa ser uma superficialidade. Acontece. Mas eu consigo ser muito mais extenso no esforço (inglõrio) de me tentar fazer entender (menos por quem o não quer, como aqueles alunos que não querem mesmo e pronto).
Comecemos pelo que acho mais relevante: esta Cimeira em que se discutem temas no âmbito da Carreira Docente como a “relação fundamental entre o bem-estar do professor e um ensino eficaz” acontece em Portugal num momento em que na Assembleia da República o partido no governo reprovou a possibilidade de um regime especial de aposentação para os docentes, em que o governo em funções se recusa a recuperar mais de 2 dos 9 anos retirados à carreira docente desde Agosto de 2005 e em que permanecem inalteráveis situações que têm despertado a oposição forte e alargada dos docentes ao nível do modelo de gestão escolar, da deslocação de competências das escolas para os municípios e da avaliação do desempenho.
(recordemos que o ecd de 2007 com a reconfiguração da carreira, o sistema de quotas, a add, a pacc, os congelamentos, etc, etc, foram criações do partido que está actualmente no poder, como o qual colaboraram muitos que agora tentam disfarçar o facto… não ocultemos as coisas com os aproveitamentos alheios das portas que ficaram abertas entre 2005 e 2011)
Num contesto como este é importante que o “contraditório”, por via dos representantes formais dos professores, se faça ouvir, mas não necessariamente como se estivéssemos perante parceiros com igualdade de direitos e poderes. Não estão em causa os sorrisinhos para as photo-ops entre o ministro Tiago e o sindicalista Mário, que podem ter a melhor relação pessoal dos mundos, mas sim aquilo que é transmitido como percepção para o público da situação vivida. Pessoalmente, considero que a presença da Fenprof e da FNE foi importante, mas haveria outras formas de a concretizar, sublinhando o desagrado existente.
Já agora, não se pense que a presença sindical na Cimeira foi algo que o ME concedeu com toda a sua boa-vontade. Pelo contrário, a delegação portuguesa não cumpriu o definido pela própria organização:
O que vimos nas fotos? Três governantes e dois líderes sindicais, sendo que ao mais alto nível sindical só está o sindicalista Mário, lado a lado com o seu bff Tiago (A fne ficou na fila de trás, pois o Dias da Silva terá tido outras coisas que fazer). O “teaching professional” foi perdido no caminho, ou então ficou nas galerias.
Quanto ao contraditório, o líder da Fenprof apresentou duas intervenções que se podem colher no site da organização. Na primeira, sobre “Escolas no centro das comunidades”, a recusa da municipalização da Educação surge de forma muito diluída no terceiro tópico de reflexão. Sim, está lá, mas sem especial centralidade, atendendo ao tema em debate.
No caso da segunda intervenção, na sessão sobre “Bem-estar do professor, autoconfiança, eficácia e eficiência”, a questão dos mais de 9 anos de congelamento de carreira surge como o último dos 15 pontos apresentados, sendo que outras questões aparecem desdobradas em vários pontos ou de modo redundante (o ponto 12 é, por exemplo, perfeitamente anómalo neste contexto).
O próprio texto de apresentação da Cimeira é mais claro:
Sim, as intervenções deveriam ser curtas. Mas, por isso mesmo, deveriam centrar-se de forma clara naquilo que aflige a Carreira Docente, tema da magnífica Cimeira. As intervenções feitas (desconheço as que terão sido feitas em nome da FNE, pois não as encontro em lado nenhum), optaram por uma dispersão que dificilmente ajuda a perceber o que é considerado essencial ou acessório.
Sim, eu leio que:
Os problemas que antes referi estão sinalizados, são reconhecidos como tal, mas não há medidas tomadas ou negociações em curso para os resolver, o que é lamentável e está a levar os professores a lutar, como aconteceu na passada semana, em que estivemos em greve durante quatro dias, uma greve por regiões. Esta luta vai continuar, nas ruas, logo que recomecem as aulas.
Mas também que:
Que compromissos foram esses? Serão parecidos com este, de Novembro de 2017:
Recomendo, em especial a todos aqueles que acham que eu tenho escrito sobre questões de cortesia ou detalhes sem relevância, os últimos 15 segundos da apresentação do actual ME e todo o vazio da resposta do nosso homem na OCDE. E tentem relacionar tudo isto com o resto que nos envolve. Se conseguirem, sem olharem para as cores das camisolas. Rpito o que já escrevi num comentário… se fosse com outros, o que muita gente andaria por aí a gritar…