E O Segundo Melhor Amigo dos Professores Foi Obrigado a Aparecer

Em Dezembro de 2017:

Não é aceitável que se construa uma opinião negativa sobre esta classe profissional, que tem uma missão nobre e fundamental para o país. Eu gostava de na pessoa do professor Júlio Ramos, prestar a minha homenagem a todos os professores, mesmo quando estamos ainda longe de dar aos professores todas as condições que merecem para o exercício da sua profissão. Mas não fique nenhuma dúvida, o Ministério de Educação repudia veementemente, todos os sinais de desrespeito aos professores.

Junho de 2018:

O que estamos a fazer é contribuir para a tranquilidade dos alunos e das suas famílias no estrito cumprimento daquilo que está previsto nos normativos sobre avaliação. Ou seja, a legislação prevê o que se faz quando a totalidade dos professores não estão no conselho de turma e quando numa segunda reunião continua a verificar-se ausência de elementos. Aquilo que fizemos foi, a pedido das direcções de escolas, uma nota que esclarece os procedimentos a adoptar quando não se realiza uma reunião. Isto aplicar-se-ia a qualquer contexto de ausência de professores”, declarou João Costa. 

Agora imaginemos que tinha sido o Crato a fazer isto em 2013… ainda para mais escondendo-se atrás “das direcções das escolas”.

Frade

Contra-Atacando o Contra-Ataque 2

AVISO DE POST LONGO E SEM RESUMO 🙂

A “engenhosa” nota informativa da DGEstE procura tornear a situação de greve retorcendo a legislação em vigor, ao que parece baseando-se em detalhes muito específicos de alguns normativos ou mesmo no Código do Procedimento Administrativo. Só que falha nessa tentativa, não percebo se por incompetência se mesmo por consciente atropelo das regras mais básicas de um Direito que não estudei.

Vamos lá por partes:

No artigo 23º do Despacho Normativo n.º 1-F/2016 define-se que:

7 — Sempre que se verificar ausência de um membro do conselho de turma, a reunião é adiada, no máximo por 48 horas, de forma a assegurar a presença de todos.
8 — No caso de a ausência a que se refere o número anterior ser superior a 48 horas, o conselho de turma reúne com os restantes membros, devendo o respetivo diretor de turma dispor de todos os elementos referentes à avaliação de cada aluno, fornecidos pelo professor ausente.

Ora bem… mas quem garante que a ausência de um dado professor por motivo de greve vai ser superior a 48 horas? É ele obrigado a anunciar quantos dias de greve vai fazer? E se fizer apenas num dos dias? E se for mais de um professor a fazer greve? O despacho normativo refere a situação apenas no singular. E coloca no director de turma a obrigação por assegurar o decorrer da reunião. E se for ele a faltar? E ele e o secretário?

Coloca-se então a questão do funcionamento da reunião e do quórum e é aqui que algumas pessoas muito inteligentes parecem ter decidido recorrer ao Código do Procedimento Administrativo.

E o que se determina no CPA quanto a “reuniões”? Antes de mais é preciso que os Conselhos de Turma se enquadrem na definição de “órgãos colegiais da Administração Publica”, o que poderá ser claramente uma extensão muito extensiva do conceito:

Natureza e regime dos órgãos
Artigo 20.º
Órgãos

1 — São órgãos da Administração Pública os centros institucionalizados titulares de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva.
2 — Os órgãos são, nos termos das normas que os instituem ou preveem a sua instituição, singulares ou colegiais e permanentes ou temporários.
3 — Os órgãos colegiais podem adotar o seu regimento no quadro das normas legais e estatutárias aplicáveis.

Levanto aqui umas quantas reservas… o CT tem poder para praticar “atos jurídicos”? Mas talvez não seja por aqui que a coisa torça todo o seu rabo, porque os actos administrativos podem ter efeitos jurídicos.

Quanto a reuniões, eis o que se determina:

Artigo 23.º
Reuniões ordinárias
1 — Na falta de determinação legal, estatutária ou regimental ou de deliberação do órgão, cabe ao presidente a fixação dos dias e horas das reuniões ordinárias.
2 — Quaisquer alterações ao dia e hora fixados para as reuniões devem ser comunicadas a todos os membros do órgão, de forma a garantir o seu conhecimento seguro e oportuno.

Artigo 24.º
Reuniões extraordinárias
1 — As reuniões extraordinárias têm lugar mediante convocação do presidente, salvo disposição especial.
2 — O presidente é obrigado a proceder à convocação sempre que pelo menos um terço dos vogais lho solicitem por escrito, indicando o assunto que desejam ver tratado.

No contexto em causa o que podemos considerar reuniões “ordinárias” ou “extraordinárias”, até porque no caso do Conselhos de Turma não é o presidente a marcá-las? Significa isso que, afinal, estas são reuniões diferentes? Afinal, é a Direcção que as convoca. Será que os Conselhos de Turma têm o seu “regimento” na legislação aplicável? A questão não é muito clara, até porque a forma de funcionamento dos CT pode ser objecto de regimentos específicos, aprovados pelos órgãos competentes das escolas/agrupamentos. Eis um caso.

Mas o que regula especificamente as reuniões de avaliação, em particular no que se refere às consequências dos actos do Conselho de Turma, ou seja a retenção ou progressão dos alunos?

O  decreto-lei n.º 17/2016, de 4 de abril, em passagem que já ontem referi, determina o seguinte:

Artigo 26.º -A
Progressão e retenção
1 — Em situações em que o aluno não desenvolva as aprendizagens definidas para o ano de escolaridade que frequenta, o professor titular de turma, no 1.º ciclo, ouvido o conselho de docentes, ou o conselho de turma, nos 2.º e 3.º ciclos, deve propor as medidas necessárias para superar as dificuldades detetadas no percurso escolar do aluno.
2 — Caso o aluno não desenvolva as aprendizagens definidas para um ano não terminal de ciclo que, fundamentadamente, comprometam o desenvolvimento das aprendizagens definidas para o ano de escolaridade subsequente, o professor titular de turma, no 1.º ciclo, ouvido o conselho de docentes, ou o conselho de turma, nos 2.º e 3.º ciclos, pode, a título excecional, determinar a retenção do aluno no mesmo ano de escolaridade.
(…)
4 — Verificando -se a retenção, compete ao professor titular de turma, no 1.º ciclo, e ao conselho de turma, nos 2.º e 3.º ciclos, identificar as aprendizagens não desenvolvidas pelo aluno, as quais devem ser tomadas em consideração na elaboração de um plano individual ou do plano da turma em que o referido aluno venha a ser integrado no ano escolar subsequente.

Será que, então, qualquer número de elementos do Conselho de Turma pode tomar decisões que identificam “aprendizagens não realizadas” nas várias disciplinas? Pode qualquer docente desempenhar o papel de diretor de turma na sua ausência? Relembremos que em diversas situações, o DT pode ter em sua posse informações de tipo sigiloso que os EE podem não querer divulgar (já me aconteceu, por exemplo, em casos relacionados com problemas de saúde ou de crianças adoptadas).

As coisas podem não ser muito claras.

Mas voltemos ao CPA e â questão do quórum das reuniões de órgãos colegiais que me parecem dificilmente equiparáveis a Conselhos de Turma.

Artigo 29.º
Quórum
1 — Os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto.
2 — Quando se não verifique na primeira convocação o quórum previsto no número anterior, deve ser convocada nova reunião com um intervalo mínimo de 24 horas.
3 — Sempre que se não disponha de forma diferente, os órgãos colegiais reunidos em segunda convocatória podem deliberar desde que esteja presente um terço dos
seus membros com direito a voto.
4 — Nos órgãos colegiais compostos por três membros, de dois o quórum necessário para deliberar, mesmo em segunda convocatória.

Significa isto que as reuniões podem ocorrer apenas com 4, 5 ou 6 elementos quando os CT sejam de 7 a 11 elementos? E que poderão tomar decisões, numa segunda reunião, apenas 3 ou 4 elementos?

Sobre isto vou transcrever o que me enviou um amigo com mais formação nestas coisas do que eu:

O CPA aplica-se, mas no número 3 do artigo 29º do mesmo CPA diz o seguinte “sempre que não se disponha de forma diferente”. Ora o despacho normativo, pelos vistos, dispõe de maneira diferente ao 1/3 do CPA. Por isso o CPA aí não se aplica porque a própria lei o exclui e manda aplicar outra norma que haja….

Aliás, o “podem” no próprio CPA ajuda a perceber que só o chamado estado de necessidade (que não é a greve a justificar….) poderia valer a essa interpretação.

É bom que se recorde que o DL da avaliação diz num artigo que todos os professores tem de participar na avaliação.

“Artigo 24.º -C
Intervenientes no processo de avaliação 

1 — Na avaliação das aprendizagens intervêm TODOS os professores envolvidos, assumindo particular responsabilidade o professor titular de turma, no 1.º ciclo, e os professores que integram o conselho de turma, nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e no ensino secundário.”

Esse artigo é que faz com que para faltar se tenha de “meter atestado médico”.

Isto é, materialmente, a lei (que não é um despacho) manda TODOS participarem na discussão da avaliação, que não é um formalismo mas um processo com substância material. 

Materialmente uma reunião só com 1/3 dos professores é uma reunião mesmo? Claro que não. E se faltarem todos os profs que chumbaram o aluno e este chumbar porque o assunto não se discutiu…

E porque não fazer uma reunião só com o Diretor?

O único lado divertido da Nota informativa é mostrar como as picuinhices das atas que ocupam tanto tempo valem realmente só para chatear os profs… 

Quem falou bem sobre isso foi o Manuel Pereira da ANDE no forum da TSF, distinguindo entre reuniões de avaliação e reuniões de registo notarial …

Portanto a discussão não é de quórum ou de CPA… é de falta de vergonha… 

Imagino o que se diria se a Ryanair para acabar com uma greve decidisse prescindir do co-piloto nos aviões…

Ou se para acabar uma greve dos anestesistas se fizessem cirurgias sem anestesia. 

Por isso, NÃO, a reunião não se pode fazer com 1/3….o CPA não os salva da borrada da Dra. Pastor…

Bigorna

Muito Bem, Colega Director Manuel Pereira!

(mesmo sabendo o quanto discordamos em outras coisas…)

O presidente da associação de diretores escolares considera que a nota informativo do governo perante a greve dos professores às reuniões de avaliação é difícil de aplicar.

Em declarações à TSF, Manuel Pereira explica que o documento desautoriza as direções escolares e desvaloriza o processo de avaliação.

“Está se a pôr em causa os pilares fundamentais do processo educativo”, atirou Manuel Pereira, que deu conta do clima de crispação que se vive atualmente nas escolas.

Vamos acrescentar algo mais: mesmo recorrendo ao Código de Procedimento Administrativo, a “nota informativa” da DGEstE é um completo atropelo a todo e qualquer bom senso jurídico.

Thumbs

Estava a Faltar Recuperarem Isto, Com A Ajuda de Alguns “Canais de Comunicação”

Não usando os salários reais para termo de comparação mas os nominais e não considerarem a carga fiscal. E usando um tempo de carreira (15 anos) em que ninguém está no escalão (4º) em que deveria. Achem-me um professor nesse escalão com esses 15 anos de serviço e eu pago-lhes uma rodada de moscatel roxo de produção aqui da freguesia.

Realmente, voltámos de cabeça aos tempos de Sócrates/MLR/Gualter. Não é por acaso que muito do “pessoal político” é o mesmo. Em algumas redacções recebe-se o dossier e reproduz-se forma acrítica:

Mais dinheiro para progressões? Professores portugueses estão entre os mais bem pagos da OCDE

Isto tornou-se mesmo feio, com a baixeza das tácticas a voltar ao nível de 2008. Só falta mesmo descobrirmos mais uns quantos avençados à moda do velho Câmara Corporativa.

Alcatrao

Contra-Atacando o Contra-Ataque 1

Começam a conhecer-se as primeiras investidas de tipo ditatorial em relação a professores em greve, com a ameaça de faltas injustificadas. Perante isso, a única reacção possível é exigir a passagem a escrito de tal ameaça com a necessária fundamentação jurídica (as “notas informativas” não são leis) para a devida contestação ou, caso isso seja recusado, fazer requerimento à Direcção para que comunique ao docente se alguma falta lhe foi marcada e com que fundamento.

Leges_Palatinae_Iacobi_III_Regis_Maioricarum

Não Discordo, Mas Então Analisemos O Que Está a Ser Feito de “Errado” e Porquê

Saiu mais um estudo da OCDE que por cá parece ser a única instituição cujos estudos merecem destaque em matéria de Educação. Vou-me socorrer de parte do resumo da Clara Viana sobre a parte relativa à formação de professores e explicar um pouco melhor porque as coisas se passam (ou não) da maneira que passam (ou não). De qualquer modo, já li o essencial do estudo e, ao contrário do que possa parecer, na sua maior parte, as conclusões não são incontroversas em relação ao que se pode considerar “melhor”, existindo uma enorme variedade de situações com efeitos positivos num país que se revelam negativos em outros.

E o que têm então estes países de sucesso em comum no que respeita às políticas seguidas para com os professores? Um período obrigatório de estágio prático (a dar aulas) que integra a formação inicial dos docentes ou é desenvolvido à entrada na carreira (em Portugal chama-se período probatório); uma ampla oferta de acções de formação desenvolvida pelas (e nas) próprias escolas tendo em conta as necessidades existentes em cada uma delas; e mecanismos de avaliação dos professores que estão mais orientados para possibilitar “um desenvolvimento profissional contínuo” (permitindo, por exemplo, que as falhas detectadas sejam corrigidas) do que para servir de base à progressão na carreira.

O que se passa por cá? Até porque o estudo não trata de Portugal. Vou dar algumas pistas, embora saiba que o “estudo” irá ser usado de forma truncada como arma de arremesso nos próximos dias contra “os professores que não querem ser avaliados”.

  1. A formação de professores passou a ser feita, em especial nos últimos 20 anos, com reforço para o período bolonhês, numa espécie de “aviário” em que os professores são “formados” à partida sem terem quase conhecimento das escolas sem ser como antigos alunos (sim, há quem faça uns “estágios” nas escolas, mas, a sério, nem é bom desenvolver o tema). O “período probatório” por cá tornou-se uma formalidade administrativa, quantas vezes apenas para os professores ganharem menos, não tendo qualquer acompanhamento de proximidade. Porquê? Porque isso implicaria que existissem professores em exercício a acompanhá-los, com horas de redução para essa função. Quem decidiu isso assim? Certamente não foram os professores, eles próprios que exterminaram as profissionalizações “em exercício” ou “em serviço”, quando um professor contratado entrava para vaga do quadro e só então se profissionalizava. O sistema actual foi-se desenvolvendo a partir do final dos anos 80, mas ganhou ímpeto nos anos 90 com a pressão das E.S.E. e das Universidades com departamentos ligados aos Ramos de Formação Educacional. Já com a ministra MLR (ali por 2007) determinou-se que os professores deveriam ser todos profissionalizados para poderem entrar nos quadros e deixou de existir qualquer acompanhamento formal do seu desempenho nesse tal período “probatório”. Mas o mais patético é ouvir e ler gente com uma vida “académica” baseada na formação de professores a criticá-la, como se nenhuma responsabilidade tivesse no que se tem passado.
  2. A formação contínua de professores, tão criticada quando existia dinheiro europeu para ser assegurada (anos 90 do século XX e primeiros anos do século XXI) foi-se degradando progressivamente, em grande parte porque foi instrumentalizada pelos sucessivos governos, “inclinando-a” para as áreas que os decisores políticos consideravam prioritárias e não para responder às efectivas “necessidades das escolas”. Aliás, em post recente abordei esse tema e percebi pelas respostas aqui e no fbook que há demasiada gente interessada no lado da “oferta” do que lhes interessa e aos seus nichos específicos e muito pouco na “procura”. Anos a fio tentei que se fizesse formação numa ou duas áreas específicas da Didáctica da minha disciplina de origem, mas nunca as coisas avançaram ou se avançassem seria nos moldes do interesse dos formadores residentes e não de outro modo. Para além disso, é difícil esquecer o bombardeamento há uma década de formações para o uso dos Magalhães ou dos quadros interactivos que de pouco serviu à medida que tudo isso se tornou obsoleto. Nos últimos tempos, com a tentativa de imposição das novas reformas desta equipa ministerial, a formação afunilou de novo para a “flexibilidade” ou para a “inclusão”, abrindo-se ainda caminho para formações de tipo mais recreativo e de propaganda de “modos de vida” do que de aperfeiçoamento profissional dos docentes em áreas disciplinares nas quais se deram avanços, quer nos conhecimentos, quer nas metodologias de ensino. Quem decidiu isso? Os professores? Não, o ME e as suas organizações satélite na área da formação (incluindo sindicatos), que vivem em muito dessas acções, seja as que conseguem ainda financiamento, seja as que são pagas pelos docentes que precisam dos créditos e as fazem por falta de alternativa. As vantagens para o seu trabalho quotidiano são, na maior parte dos casos, absolutamente nulas. Mas há quem viva dessas formações, do lado da “oferta”, mesmo se os milhões são menos do que foram.
  3. Entre nós a avaliação do desempenho docente, em especial nos últimos 12 anos, nunca foi pensada no sentido de melhorar o desempenho dos professores – para isso basta legislar novas regras sobre a avaliação dos alunos e demonizar o insucesso, para que os números melhorem – mas sim de travar a sua progressão.  Ao contrário do que a OCDE diz serem as melhores práticas. Mesmo nos dias que correm, quem fala criticamente sobre a avaliação do desempenho dos professores liga-a imediatamente à sua progressão e encara-a como um travão para essa mesma progressão. Porque a verdade é que os resultados dos alunos portugueses têm melhorado nos testes internacionais, sendo mesmo dos que mais progrediram, mas isso é apagado do discurso de muitos críticos ou então esse sucesso é atribuído “às políticas” por parte de quem as desenvolveu. Os professores ficam sempre de fora e, de um modo indemonstrável, diz-se que eles “progridem sem mérito”, achando-se que a avaliação punitiva que é errada para os alunos deve ser a melhor para os professores. Quando a OCDE afirma que essa avaliação deve ser um instrumento para a melhoria do “desenvolvimento profissional”, querem apostar que haverá logo um punhado de articulistas do Observador” (mas não só) ou comentadores televisivos que só lerá que não temos as melhores práticas, mesmo se Portugal não faz parte da amostra trabalhada?

Profes