Educação Inclusiva e Não-Categorização

É bom decretar que os alunos com NEE deixam ou passam a tê-las por mero acto legislativo. Uma pessoa – ou várias – sente-se como se fosse mais do que Deus, recriando a sua obra ao oitavo dia em Diário da República. Basta salamancar-se com umas citações e uns esquemas e a realidade transforma-se ou – como li num powerpoint maravilhoso – metamorfoseia-se e quem não salta é um empedernido, desactualizado e arcaico (leia-se, não datado nos anos 90 do século XX).

E, sendo assim os alunos que tinham PEI passam a ter um RTP, enquanto que os que antes tinham CEI passam a ter o PEI que antes era e agora não é. Ou seja, aquele gato que está a ver é um leopardo e o leopardo é um tigre dentes-de-sabre. Ou vice-versa. Almocei, perdi um pouco o sentido dos sentidos por causa de algum sal no arroz de polvo que teve de ser combatido com um branco fresco alentejano. O mesmo que – não fosse eu um control freak da linguagem – me levaria a dizer que há gente que legisla tal como defeca: em abundância e de rabo no ar, falhando o sanitário, mesmo que em porcelana falsa, legítimo plástico do xangai.

Mas havendo alunos com RTP (relatório técnico pedagógico), porque não com SIC (síndrome de indeterminada complicação) ou TVI (transtorno verbal incontinente)?

E, já agora, porque temos uma lei feita à medida do handicap de uma governante e não de tantos milhares de outros seres humanos com tantos direitos quanto ela, tirando o facto de não poderem legislar em causa própria? Ou só os invisuais são injustiçados pela sociedade?

Isto é uma bosta das velhas e ressequidas em matéria de escasso pudor, mesmo depois de tomado um duplo café ristretto com doce gosto.

Cafe

13 opiniões sobre “Educação Inclusiva e Não-Categorização

  1. Bem haja! Felizmente o arroz de polvo e o branco alentejano não lhe tiraram a lucidez e o bom humor.
    Como já temos os RTP,SIC e TVI,sugiro a criação do CMTV(Como Manter Todos Vadios).
    Caso se lembrem de melhor podemos,sempre mudar o nome.
    Agora vou tomar um ristretto amargo,depois de me tirarem quase 10 anos de serviço fiquei muito amarga,sem dinheiro para açucar.

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  2. Brilhante!!!

    Subscrevo…

    Sobre o DL 54/2018, o tal que pretende regulamentar a “educação inclusiva” fica uma reflexão de Thomas Jefferson, 3º presidente dos Estados Unidos e um dos autores da Declaração da Independência Americana:

    “Não há nada mais desigual do que tratar de igual modo pessoas diferentes.”
    (Thomas Jefferson)

    Enfim…

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  3. De acordo com o Público de hoje (https://www.publico.pt/2018/07/10/sociedade/noticia/escolas-vao-ter-que-fazer-em-setembro-tarefas-que-deviam-estar-a-fazer-agora-1837434 ):

    O Ministério da Educação lembra que as mudanças previstas na Lei da Educação Inclusiva (…) são “progressivas” e não têm que estar todas no terreno quando arrancar o novo ano lectivo.

    Mais: já houve formação de formadores e haverá acções de formação “para todas as escolas”, para que possa haver “uma apropriação progressiva” das novas regras e abordagens.

    As escolas “já conheciam o diploma e estavam a trabalhar sobre ele”, confirma o presidente da Associação Nacional dos Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas, Filinto Lima.

    Enfim… isto também não deve ser para levar muito a sério… já que as medidas são “progressivas” (não confundir com “progressistas”…) e não têm que estar todas no terreno quando arrancar o novo ano lectivo.

    Ou seja, ”, para que possa haver “uma apropriação progressiva” (novamente não confundir com “progressista”…), parece que está tudo no bom caminho… (talvez no caminho do abismo…).

    Pois… e como as escolas “já conheciam o diploma e estavam a trabalhar sobre ele”, até parece que já todo o mundo sabe (sabia) do que se falava e o que se estava a passar…

    No “MasterChef” não se cozinharia melhor…

    Victor

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  4. Até parece que até agora a inclusão não existiu… . Tudo isto passa por se ter mais ou menos protagonismo e se estar mais ao menos encostado ao governo.
    Adotam-se uns chavões novos, como intervenção holística o que quer dizer sistémica, um desenho universal de aprendizagem, umas medidas de suporte à aprendizagem e mais umas tretas que já eram operacionalizadas nas escolas, mas que agora aparecem como termos ou conceitos da moda…

    Resumindo…. quando trabalhas com um disléxico vais continuar a trabalhar a consciência fonológica, as perceções, as relações espaciais e os erros de leitura e ortografia, por exemplo.

    E quando trabalhas com um cognitivo, de certeza que não pensas num (ou numa) invisual.
    Implementas objetivos relacionados com alguns pré- requisitos para facilitar o acesso ao currículo e, simultaneamente, objetivos ditos funcionais…

    As categorias são abolidas porque alguém considerou que ficava mais giro assim. No entanto, como os alunos de domínios diferentes exigem respostas diferentes, a categoria vai lá estar sempre presente e são a referência em termos de intervenção… não se deve é escrever isso nos documentos, sob pena de te considerarem desatualizado …

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  5. De todas as críticas negativas que se podem lançar sobre este decreto, esta de que temos “(..) uma lei feita à medida do handicap de uma governante e não de tantos milhares de outros seres humanos (…)” é de nível rasteiro, ao nível do Miguel Sousa Tavares…É que nem sequer se inventou a roda por cá, nem a autoria é atribuível a alguém invisual…a abordagem multinível surgiu nos EUA,desde 2004, sob a designação RTI (Response To intervention) na sequência da lei: “No Child Left Behind”. O professor Luís miranda Correia propôs uma abordagem similar. Haverá críticas a fazer, claro, mas também haverá espaço para construir algo, porque esta abordagem não tem um modelo único de concretização.

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  6. Paulo, tenho estado a ler com calma o DL e pesar de ter refilado com alguns detalhes técnicos num post teu, recomendo calma porque este .54 é muito mais inclusivo do que o anterior. É muito mais na linha do DL319. Que foi um marco excelente. Agora, dependerá tudo da forma como for operacionalizado. Poderá ser algo muito bom, acredito. Ando na Educação Especial desde 1997. Detestei a CIF, o DL2008. Temi que este fosse um sufoco mas só o será se for alvo dos truques de gente mesquinha. Quem o fez, quem o desenhou, deu abertura para que fosse algo em acordo com o que a nível mundial se deseja e pede à Europa e Portugal.

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