O Elevador Avariado

Ou disfuncional. Os habilitações académicas já não garantem uma mobilidade ascensional e a proletarização dos licenciados é uma realidade. Mas qualquer análise necessita de mais variáveis e é sempre mais complexa.

Pais com formação superior já representam 8% das famílias com crianças em risco

Entre as famílias sinalizadas pelas comissões de protecção, cuidadores com grau de bacharelato ou curso superior são o grupo que mais aumentou nos últimos anos. Dados são do relatório de 2017 divulgado na íntegra esta semana.

Elevador

As Respostas Ao Jornal “Dia 15”

A educação é o maior fracasso da geração que fez o 25 de Abril?

Não concordo com isso e acho mesmo que deveríamos reconhecer que é o inverso, não em termos dessa geração, mas das que a seguiram. Lembremos que nos anos 50, Portugal era o país com o mais baixo nível de alfabetização da Europa, em conjunto com Malta. A recuperação, iniciada com medidas tomadas ainda nos anos 60, foi reforçada depois do 25 de Abril de 1974. Podemos discordar de algumas orientações ideológicas ou pedagógicas, mas os ganhos em escolarização e aumento das qualificações são enormes porque chegar a meio do pelotão em geração e meia é muito bom.

Porque continuamos a ser um dos países da Europa com maiores taxas de abandono escolar?

Porque, por vezes de forma contrária ao que algumas elites políticas ou intelectuais consideram, o abandono da escola por parte de alunos de famílias carenciadas pode ser uma decisão “racional” no curto prazo. É um encargo a menos e a entrada, mesmo que informal e precoce, no mundo do trabalho traz vantagens materiais imediatas. É uma estratégia típica de países e sociedade em que o desenvolvimento económico fracassou ou em que a estrutura do mercado laboral absorve mais rapidamente mão-de-obra barata e não qualificada do que jovens licenciados em posições adequadas. O nosso maior fracasso é o económico e o desperdício dos fundos comunitários em iniciativas que raramente beneficiam os mais necessitados.

A recuperação da dignificação social da profissão de professor passa pela institucionalização de uma ordem profissional, à semelhança do que tem vindo a suceder nos últimos anos com os psicólogos, arquitectos, economistas, biólogos, engenheiros técnicos, nutricionistas, contabilistas e enfermeiros, além de engenheiros e médicos?

Acho que a dignificação social dos professores é algo que não interessa ao seu maior empregador, que é o Estado. E também merce imensas resistências por parte do movimento sindical que vê uma “Ordem” como uma organização que lhe disputaria o papel de “representante” dos professores. Mas é claro que uma Ordem, enquanto reguladora dos aspectos éticos e deontológicos da profissão, é sempre um factor de dignificação profissional.

Há quem defenda exames para o acesso à docência. Os professores deviam ser obrigados a realizar um exame de ingresso na carreira?

Não. Acho que deveriam ter uma formação inicial que garantisse essa qualidade ou então que esse “exame” fosse feito para a obtenção da qualificação profissional à saída do ensino superior. Infelizmente, a partir de finais dos anos 80 apostou-se numa massificação da formação para a docência com licenciaturas em ensino e ramos de formação educacional que nem sempre garantiram essa qualidade porque, em tantas situações, o interesse era em atrair alunos e garantir horários aos professores dos Departamentos que davam essa formação. A regulação dos cursos de formação de professores foi inexistente, em termos práticos. Aprovavam-se planos curriculares e corpos docentes que, é sabido, quase só existiam no papel.

O Processo de Bolonha veio desqualificar o ensino?

Sim, porque reduziu o próprio tempo da formação inicial na componente específica de cada disciplina e privilegiou disciplinas de caráter mais teórico, sem uma forte relação com o quotidiano escolar. Muitos professores que chegavam às escolas saídos desses cursos sabiam mais do funcionamento escolar pelas suas memórias de alunos do que pela formação tida. Coisas tão simples como a orgânica concreta de uma escola, dos seus órgãos de gestão aos conselhos de turma eram descuradas. A massificação da formação em 3+2 anos permitiu multiplicar qualificações académicas sem uma correspondência real na formação dos alunos universitários que optavam pela docência (e não só).

Não falta quem sustente que o melhor a fazer pela educação em Portugal seria acabar com os exames nacionais e com toda a interferência do Ministério nas escolas, dando-lhes completa liberdade de programas, métodos e avaliações. Concorda?

Não, porque esse modelo de descentralização conduz, de forma quase inevitável, a um aumento das desigualdades no sistema, criando nichos de excelência cada vez mais distantes de guetos socio-educacionais. Excepto países com uma forte tradição histórica de descentralização (remontando ao próprio século XIX) é que contrariam essa tendência. Mesmo os EUA, que muitos consideram ter as melhores escolas e universidades, é também um dos países mais desiguais. E outros países que, como a Suécia, fizeram experiências descentralizadoras a partir de finais do século XX, viram-se obrigados a reverter parte dessas políticas. Para além disso, a dimensão do nosso país, num momento em que os meios digitais encurtam o tempo necessário à comunicação, não justifica as críticas feitas ao papel centralizador de um Ministério forte. Isso é diferente de achar que o Ministério da Educação deve interferir, por meios cada vez mais intrusivos, na vida quotidiana das escolas que eram mais “livres” nos anos 80 e 90 do século XX do que agora, quando se fala tanto em “autonomia”.

Neste ano lectivo entraram 3.300 novos professores nos quadros oficiais do ensino não-superior. Faz sentido este reforço de docentes num país que tem cada vez menos alunos?

Faz sentido que professores que estão no sistema há 10-15 ou mesmo 20 anos vejam a sua situação laboral regularizada. Até porque é bom que se contabilizem todos os professores em exercício e não apenas os dos “quadros”. Em termos totais, os professores diminuíram em dezenas de milhar. Isso é fácil de constatar consultando a PORDATA, por exemplo. Em 2005 existiam mais de 185.000 professores em exercício (no ensino público e privado) no ensino não-superior. Em 2016 existiam menos de 145.000, uma redução bem superior a 20%.

Para além disso há que considerar o movimento dos professores que se vão aposentando, bem como as exigências de funcionamento das escolas que vão muito para além das funções lectivas.

Estamos realmente a gerar inclusão nas escolas portuguesas?

Temos situações diversas. Há uma enorme pressão sobre as escolas para fazerem o que tem falhado no resto da sociedade. As escolas não são oásis, por muito que tentem. A inclusão de crianças com problemas de aprendizagem dos mais diversos tipos têm merecido um trabalho específico muito importante para que a sua escolaridade aconteça com padrões mínimos de qualidade e não apenas de sucesso estatístico. As maiores falhas passam-se pelo combate das desigualdades que surgem de fora para dentro das escolas. Porque as crianças e jovens não vivem apenas no espaço escolar e o contexto das suas famílias é uma influência muito forte no seu desempenho, não tanto por um condicionalismo determinista quanto às suas capacidades, mas sim quanto às suas oportunidades em prosseguir estudos e entrar no mercado de trabalho mais qualificado.

Quais foram as mais emblemáticas promessas políticas no sector da educação que ficaram por cumprir de 1976 para cá?

A grande promessa do 25 de Abril foi a da democratização do ensino e essa foi cumprida. A partir de 1976 pode considerar-se que, para além da massificação do ensino, existiu a promessa da Educação funcionar como factor de desenvolvimento do país, através da qualificação da população. Se o aumento das qualificações é algo perfeitamente evidente, mesmo quando a formação de adultos nem sempre funcionou da melhor maneira ou enveredou pelo caminho meramente “certificador” (caso das Novas Oportunidades), já é mais problemática a relação com o desenvolvimento do país, em especial porque em ternos económicos a modernização do tecido empresarial foi lenta, muito assimétrica e nem sempre capaz de absorver o capital humano formado, como se foi possível constatar nos últimos anos com um verdadeiro êxodo de profissionais qualificados na área da Saúde, da Arquitectura, das Engenharias ou mesmo da Investigação Científica.

Portanto, terá ficado por cumprir o aproveitamento adequado desse capital humano que foi sendo formado, nem sempre com a melhor orientação, é verdade (grande aposta em cursos de funcionamento “barato”, em especial na rede privada), mas que o país começou a ser incapaz de aproveitar da melhor maneira.

PG Dia15 Jul18PG Dia15 Jul18b