O Texto Deste Mês no JL/Educação

Algo que até dá gozo escrever, porque se revisitam leituras antigas, mas com a certeza que não há mst que leia. E nesta versão é sem AO, mas cm as notas que desapareceram da edição impressa.

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Quando avariou o elevador da Educação?

Um recente estudo da OCDE (A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility) veio sublinhar um facto há muito reconhecido na área da Economia da Educação, mas que por cá alvoroçou alguns espíritos menos atentos. Em grande parte do mundo ocidental, a Educação deixou de ser um factor determinante para a mobilidade social (ascensional), em particular dos indivíduos provenientes de estratos mais desfavorecidos do ponto de vista socio-económico.

O discurso comum no pós-guerra de que a Educação, por via do triunfo da meritocracia, seria o motor (ou elevador) da mobilidade social, teve alguma correspondência com a realidade nas sociedades ocidentais durante o terceiro quartel do século XX. Em 1959, no seu estudo Social Mobility in Industrial Society, Seymor Lipset e Reinhard Bendix podiam afirmar que “uma mobilidade social alargada tem sido concomitante da industrialização e uma característica básica da sociedade industrial” (Berkeley: University of California Press, p. 11). Mas, vinte anos depois, Raymond Boudon (L’Inégalité des Chances. Paris: Armand Colin) já colocava em causa até que ponto a expansão e democratização da Educação trazia necessariamente consigo uma redução das desigualdades sociais. A inflexão já começara, por exemplo nos E.U.A., de forma subtil e podendo parecer apenas um abrandar de tendência na capacidade da Educação combater as desigualdades e conduzir a uma convergência nos rendimentos dos mais pobres e mais ricos. Em 1972, Christopher Jencks no seu estudo Inequality, A Reassessment of the Effect of Family and Schooling in America (Nova York: Basic Books, p. 210), ao traçar a evolução dos salários dos mais pobres e mais ricos desde 1928, constatava uma evolução contínua de 1/30 para 1/11,5 até 1968, mas já uma ligeira inversão em 1970 (1/12,3).

As teorias do “Capital Humano” começariam a perder a sua capacidade de atracção quando se foi verificando que os retornos económicos e sociais do investimento na Educação, embora inegáveis à macro-escala, nem sempre correspondem a ganhos efectivos à micro-escala. Não deixa de ser curiosa a evolução da posição de autores como George Psacharopoulos e Harry Patrinos que em 1994 (“Returns to investment in education: A global update” in World Development, Vol. 22, nº 9, Setembro 1994, pp. 1325-1343) ainda consideravam que a Educação era uma bela oportunidade de investimento, mas em 2004 já reviam essa posição num sentido menos optimista (“Returns to Investment in Education: A Further Update” in Education Economics, Vol. 12, nº 2, Agosto 2004, pp. 111-134). Em 1999, autores como Sébastien Dessus (”Human Capital and Growth: the Recovered Role of Educational Systems”, World Bank Policy Research Working Paper No. 2632), podiam continuar convencidos de que o aumento das qualificações e do “capital humano” ainda eram determinantes para o nível de desenvolvimento económico, por via do aumento marginal da produtividade, mas essa era uma situação cada vez mais aplicável aos chamados “países subdesenvolvidos” do que às sociedades ocidentais.

O final do século XX assistiu a uma reavaliação das teorias tidas como válidas até à reconfiguração da Economia da maioria dos países capitalistas, na sequência da crise petrolífera do início dos anos 70 e da aceleração da inovação tecnológica que implicou a necessidade de empregos altamente qualificados, mas não na quantidade correspondente ao ritmo da formação de licenciados.

Em 1994, Henry Levin e Carolyn Kelley questionavam se “A Educação pode fazê-lo sozinha?” (Economics of Education Review, Vol. 13, nº 2, Junho 1994, pp. 97-108), afirmando que por si só a escolarização dos indivíduos não era suficiente para lhes garantir um posto de trabalho melhor remunerado e com maiores possibilidades de sucesso. Em 2002, Alison Wolf chegava ao ponto de perguntar se “Educação Interessa?” (Londres: Penguin), respondendo que sim, porque sem ela os indivíduos ficam sem acesso a muitos empregos, mas que a resposta é negativa quanto às expectativas que muitos governos têm nos efeitos das suas políticas educativas, por acreditarem que ao aumento das qualificações corresponde um equivalente nível de crescimento económico (p. 244). Infelizmente, a conjugação de factores como a massificação da formação universitária, a alteração da estrutura do mercado de trabalho com o aumento de uma terciarização nem sempre muito exigente em termos de qualificações (na área dos serviços, do atendimento a clientes, dos call centers), o crescimento da lógica low cost e os efeitos da crise financeira global a partir de 2008 acabou por criar um novo mundo, pouco admirável, para aqueles que, em busca de uma forma de melhoria das condições de vida da sua família, se passaram a confrontar com uma realidade impensável duas gerações antes.

Em 1958 (The Rise of Meritocracy. Londres: A Pelican Book, p. 14), Michael Young escrevia que a Grã-Bretanha de um século atrás tinha desperdiçado os seus recursos ao condenar algumas das pessoas mais talentosas de então ao trabalho manual e bloquear os esforços dos elementos das classes mais baixas para lhes serem reconhecidas as suas competências. O que diria ele ao tomar conhecimento do que se viria a passar mais de meio século depois?

Em 19 de Agosto de 2015, o The Guardian dava a conhecer o estudo “Over-qualification in the graduate labour market” do Chartered Institute of Personnel and Development[i], a partir do qual era possível concluir que “o fracasso da Grã-Bretanha  para criar suficientes empregos altamente qualificados para a sua crescente proporção de licenciados significa que o dinheiro na educação está a ser desperdiçado, enquanto os jovens são deixados encurralados por dívidas [contraídas por causa dos estudos]. A falta de correspondência entre quem sai da Universidade e os empregos apropriados às suas competências tem deixado o Reino Unido com mais de metade dos seus licenciados em empregos para não licenciados”.

Em Abril de 2016, o Financial Times demonstrava que, desde 2013, pela primeira vez no Reino Unido, a proporção de trabalhadores com qualificações “significativamente acima” das exigidas pelos seus empregos ultrapassava as dos que apresentavam qualificação de sentido inverso (abaixo das tidas como indispensáveis)[ii].

Há momentos em que a decisão individual (ou familiar) de investir no prolongamento da escolarização se torna – pelo menos no curto prazo – irracional, mesmo se em termos médios, são conhecidas as vantagens comparativas entre os rendimentos de licenciados e não licenciados. A divulgação, mesmo que esporádica, de anúncios como os que há poucas semanas se conheceram em Portugal de ofertas de emprego a licenciados em troca de remunerações pouco acima do ordenado mínimo tende funcionar como validação da opção por uma entrada precoce no mercado de trabalho. É aqui que a Teoria da Escolha Racional de Mancur Olson (cf. The Logic of Collective Action – Public Goods and The Theory of Groups. Cambridge: Harvard University press, 1965) explica que a racionalidade nem sempre esteja do lado da escola que, em termos colectivos, parece fazer mais sentido.

O que o estudo da OCDE nos diz é que a pobreza voltou a condicionar de forma muito forte a mobilidade social e a impedir a ascensão dos mais desfavorecidos, apesar da sua maior aposta na Educação. Escreve-se (p. 13) que “num certo número de países, há uma crescente percepção de que a mobilidade social através das gerações tem declinado e que, crescentemente, a fortuna e vantagens dos pais jogam um grande papel na vida de cada um. Há um crescente pessimismo acerca das possibilidades de melhorar a própria situação financeira ao longo do decurso da vida (…)”.

Isto significa que desapareceu a crença no valor da meritocracia como determinante da mobilidade social e que se voltou a ter a percepção que são mais importantes as origens familiares, o meio socio-económico de origem ou estratégias como a filiação partidária do que o sucesso académico, contribuindo para isso o exemplo de pessoas que surgem a exibir o seu sucesso económico ou mediático, garantindo que nada disso se deveu à sua carreira académica. É contra esta situação que é imperativo lutarmos no sentido de fazer com que a Educação – e por extensão o ideal da meritocracia – não seja desvalorizada pelo regresso às práticas do nepotismo e da promoção pela mera demonstração de fidelidade e obediência ao status quo. O “elevador” necessita de uma urgente reparação.

[i] http://www.cipd.co.uk/publicpolicy/policy-reports/overqualification-skills-mismatch-graduate-labour-market.aspx.

[ii] https://www.ft.com/content/fa5501a6-fb89-11e5-8f41-df5bda8beb40.

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A Desilusão Com A Geringonça Também Passa Por Aqui

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Dezenas de altos quadros da empresa que herdou a gestão das dívidas do BPN têm ao seu dispor carros topo de gama, com várias regalias associadas.

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(desgosta-me quem troca as convicções por amendoins e dos simples, mal tostados e tudo…)