Estratégias – 2

Desenvolvendo.

Ao PS saiu a sorte grande e a aproximação com a implosão do PSD e o acantonamento do CDS em busca de laranjas desavindos que não se revejam no Santana. E o euromilhões com um presidente dos afectos que quer um primeiro mandato sem ondas e leva com Tancos acima e abaixo, com declarações irrelevantes e assim mesmo tratadas pelo governo e pelo PS que sabem que por esse lado podem estar descansados que o Marcelo não quer ninguém do PSD a fazer-lhe sombra a partir de São Bento. António Costa teve a habilidade, reconheça-se, de embalar os “radicais” durante dois anos com a conversa da necessidade de um défice abaixo de 3%, a um ponto em que agora só murmuram quando se lhes acena com uma crise política caso não aceitem as condições de um défice 0% que só terá paralelo na magia financeira de um Afonso Costa ou Oliveira Salazar. Os “radicais”, com receio de uma maioria absoluta do PS, fogem de qualquer verdadeiro conflito e lutam por causas micro de algum seu eleitorado.

O PCP com um peso forte de pensionistas joga no que vai acabar por ser um curto ou, na melhor das hipóteses, médio prazo. O rejuvenescimento do seu eleitorado pouco tem a ver com a velha base operária, Basta analisar a origem dos seus “jovens” quadros. Quanto ao Bloco, ziguezagueia, procurando capitalizar insatisfações ou os créditos de causas “civilizacionais”. Com sorte, transforma-se num partido do promete tudo que pareça dar votos.

Bloco e PCP perceberam que o PS se instalou ao centro com a benção do Balsemão, a irrelevância enfatuada de Rio e a conivência da generalidade da comunicação social, que gosta sempre de uma terceira via que não toque nos grandes interesses económicos instalados. Repare-se que o descalabro do universo PT-BES aconteceu no entretanto dos governos PS e que há uma nova frente, menos glamorosa se exceptuarmos o mexia, de ddt’s que passaram a dirigir a nossa economia (e indirectamente boa parte das opções orçamentais) a partir do exterior. Tanta gritaria com a fuga dos centros de decisão para zonas fiscalmente atractivas como a Holanda e acaba a fazer-se beija-mão a Angola, China e Espanha. Só não se volta a fazer à Venezuela (como Sócrates e Portas) por razões mais do que evidentes. Pelo que ao PCP e Bloco resta lutarem muito para impedirem a abstenção dos desiludidos do seu eleitorado de 2015 em relação à geringonça. Aqueles que deixaram para trás, em troca de uma mão cheia de pouco mais do que nada. Quem duvidar, leia aqui como a reversão/reposição dos rendimentos na Função Pública é uma hábil mas completa ilusão.

O PS joga tudo num crescimento eleitoral ao centro que reduza o já de si periférico poder de pressão das “esquerdas radicais” que podem promover greves e manifestações que levam com indiferença ou um aparelho comunicacional que ao fim de três anos está quase ao nível de há uma década atrás e nem precisam de abrantes. As posições foram tomadas em quase todos os canais mediáticos, disfarçando-se como informação o que é opinião ou mera propaganda. Apresentando-se como “rigor técnico” um discurso político enganador.

O PS nem vai precisar de apostar muito na maioria absoluta, se a concorrência insiste, à esquerda e à direita, por se suicidar politicamente, uns por abandonarem os seus princípios e causas tradicionais, os outros porque se satisfazem com as verbas da descentralização.

O que fazer? Eu limito-me a olhar em redor enquanto apanho uns marmelos aqui no meu quintal.

Marmelos

Brasil

Tenho passado ao lado da enorme agitação que aparenta existir em algumas tertúlias nacionais sobre as presidenciais brasileiras que parecem ir dar uma posição de grande avanço na segunda volta ao candidato mais à direita, à semelhança do que se anda a passar por boa parte do mundo ocidental. Há muita discussão entre os que acham que isto é culpa de uma esquerda corrupta ou ineficaz ou sem uma identidade própria e há quem ache que é o resultado de uma espécie de grande conspiração que anda a lavar o cérebro às populações.

Estas explicações ignoram alguns factores históricos, bem diversos, que estão na origem de alguns destes movimentos ou do próprio contexto social e cultural em que se desenvolvem (é esticar muito a corda, equiparar o avança da extrema-direita na Suécia e no Brasil), não percebendo que o mesmo se poderia colocar em relação ao momento em que diversos líderes de esquerda (e alguns provenientes da extrema-esquerda) chegaram ao poder.

Quanto ao Brasil, há uma espécie de tempestade perfeita que terá tido o seu início na incapacidade de Lula e do PT resistirem às tentações do Poder e do seu abuso em causa própria, acabando por – para muitos – parecerem iguais ao resto. Explicar Bolsonaro apenas com base numa reacção conservadora revanchista é ignorar que isso não seria possível sem a ganância e autofagia pêtista, que substituiu a força colectiva pelo culto de algumas personalidades. Bolsonaro é apenas mais um sintoma de uma democracia que abre espaço à sua própria destruição quando se torna o tal “pântano” dos interesses.

Se Bolsonaro chegar ao poder será porque, como Trump, beneficiará do descrédito alargado de uma classe política desligada do quotidiano e que mesmo quando se renova nos rostos, dificilmente se renova nas práticas. Sendo que Bolsonaro, como Trump ou Le Pen, cativam principalmente um eleitorado que, à imagem da Europa dos anos 20 e 30, parece órfão de uma liderança diferente. Porque mesmo Lula se tornou, com o tempo, mais um no establishment de Brasília, mais preocupado em manter uma corte de seguidores acríticos e em perpetuar-se no poder do que em ser esse líder diferente.

A ressaca pode ser terrível.

Publicação -02.05.2009 - EXT CB - Charge - Leonardo