Paulo
(…)
Esta luta, que caminha para 30 anos (farei para o próximo ano), tem-me arruinado a saúde. Depois de uma gravíssima depressão major, durante 10 meses, regressei ao trabalho (porque gosto de ensinar Física e Química), mas os tempos são cada vez mais difíceis. É hercúleo o esforço que faço para me aguentar.
Este ano tenho uma turma de 10º de FQA e duas de Física 12º. Na turma de 10º tenho 2 alunos de baixíssima visão:
– um com visão tubular que se matriculou no curso de CT porque os pais e eles acharam que sim, pese embora o relatório dos profs do ensino especial o ter encaminhado para um curso profissional;
– outro com glaucoma degenerativo que, tendo uma enorme capacidade de cálculo mental é uma memória elefantina, só consegue percepcionar visualmente algo com uma lupa digital, e com um olho encostado ao monitor, não conseguindo percepcionar o conjunto de uma imagem de uma célula, de um modelo atómico, de um gráfico.
Ao que parece, de nada servem os relatórios feitos pelos professores do ensino especial.
A vontade dos meninos e dos pais prevalece, até prova do contrário, sendo certo que, posteriormente, os professores serão questionados, de forma exaustiva, se ajustaram e adequaram todos os instrumentos do processo ensino aprendizagem e de avaliação. Como se isso não bastasse, ainda tenho um aluno com baixo ou quase inexistente nível cognitivo.
E tudo isto numa turma com um total de 24 alunos, irrequietos, com poucos hábitos de trabalho, e outras nuances associadas aos alunos ditos normais, mascou carências relevantes. Uma das alunas tem dificuldade em ver para o quadro porque não muda de óculos há 3 anos. Tem escalão A, apesar de ser filha de dois engenheiros. Que merda de país este…
Estou a tentar dar o meu melhor. Mas sei que não vou conseguir. Estou cansado. Estou desgastado. Não vi nunca o meu trabalho valorizado, a não ser quando me encontro com ex-alunos que se lembram de mim. Não consigo dormir bem. Não consigo descansar. Em 2019 farei 60 anos de idade e 30 de serviço. Estou no 4º escalão.
Abraço e obrigado por tudo.
[professor devidamente identificado e, já agora, que conheço pessoalmente]
Dia: 17 de Outubro, 2018
Metê-l@s No Bolso
A vaidade é um traço muito humano. A capacidade para resistir aos cantos de sereias e tritões muito reduzida.
A propósito do Galamba ouvi alguém (não me digam que foi mesmo o MST!) dizer que foi “metido no bolso” pelo Costa, pois há pouco tempo tinha criticado o Centeno e agora vai para secretário de Estado da Energia, com uma margem mínima de acção (quanto a isso, tenho sérias reservas, atendendo ao muito que se move nessa área da governação, tão querida do engenheiro-mentor do novo SE).
Mas o Galamba é apenas a confirmação da decadência ética da nossa política. Quanto um e-toupeira chega ao poder executivo, ficamos a pensar o que virá a seguir como novo desnível.
Mais complicado é o caso da Saúde, para onde entram duas novas governantes (em especial a nova ministra) que se destacaram por criticar as opções orçamentais de um sector que vão agora dirigir com um orçamento definido pelo ministro anterior cujas opções criticaram. O que faz Marta Temido aceitar ser ministra? Achar que vai conseguir fazer mais ou melhor do que o seu antecessor? A sério? Com as cartas já baralhadas e distribuídas? Isto faz-me lembrar alguns “vultos” da “luta docente” que aceitaram a correr ser avaliadores ainda nos tempos da MLR na base do argumento “antes eu do que outro”.
Não chega.
Como não chega, deixar-se ir na conversa do “criticar é fácil, mais difícil é fazer”, por isso deve colaborar com quem faz e aceitar cargos. A verdade é que em muitas situações é muito difícil criticar um poder quase absoluto e não é nada difícil fazer mal. Ou deixar fazer. Ou colaborar com.
Há quem não resista a mais uma linha no currículo. A questão do acréscimo de “prestígio” é que é muito relativa.
Caos Calmo?
A Fenprof multiplica-se em denúncias acerca do “caos” que foi lançado sobre as escolas com a implementação apressada do dl 54/2018, emendando um pouco a mão em relação a posições anteriores. É bom recordar que a Fenprof teve, ao que parece, em conjunto com a Pró-Inclusão e gente do ME, o exclusivo em matéria de “formação” sobre o Novo Regime da Educação Inclusiva nos meses anteriores à publicação do diploma.
O “caos” era previsível pois era resposta corrente a muitas dúvidas em diversas formações que “depois”, quando fosse necessário aplicar a lei anunciada, “as escolas” acabariam por resolver as coisas. O David Rodrigues achou mesmo mais importante publicar o diploma e implementá-lo em regime beta durante todo um ano lectivo, do que fazer uma pausa, respirar, analisar bem as consequências das medidas e não andar apenas a reproduzir variações do mesmo powerpoint.
Nunca apreciei o carácter “permanente” que o dl 3/2008 exigia para que se definissem “necessidades educativas especiais”, assim como outros detalhes que, de início, serviram para reduzir muito o número de alunos abrangidos pelas medidas que permitiam a redução das turmas em que estavam inseridos. Mas a sua revisão parece padecer de um destes males (obrigar a uma “inclusão” para a qual não existem meios sem que, em muitos casos, se comprometa todo o equilíbrio do trabalho com as turmas e a própria estabilidade dos alunos) e cobrir tudo o resto com um manto mistificador que dá a entender que não existem “necessidades educativas especiais”, mas sim que são “específicas” ou “individuais”, numa espécie de salada semântica.
A aplicação em regime beta do dl 54/2018 é um erro que prejudica, antes de mais, os alunos e, num segundo momento, o funcionamento das escolas. A única maneira de defender o verdadeiro “interesse dos alunos” é ignorar boa parte do que a legislação mandou aplicar no dia seguinte ao da sua publicação. É o que fazem tod@s aquel@s que têm bom senso e escasso receio de inspecções punitivas.
A constituição de “equipas multidisciplinares” é feita de modo administrativo, não porque as pessoas têm mais ou menos formação para o efeito, mas por critérios burocráticos (vão três daqui, um dali, outro dacolá) e de “multidisciplinaridade” têm pouco, porque se limitam a juntar gente que está já nas escolas, sem quaisquer contributos externos permanentes, efectivamente “multidisciplinares”. Para além disso, essas equipas ficam, em muitos agrupamentos, com a missão de rever a situação de (muitas) dezenas de alunos que, na generalidade dos casos, a maioria dos elementos da equipa nem conhece directamente. O contributo dos professores titulares ou directores de turma só “remedeia” o erro de origem. Os elementos dessas equipas passaram a ter essa função em acumulação com outras anteriores, até por questões de inerência (caso dos elementos do CP, mas não só), o que acaba numa sobrecarga que só quem não vive o quotidiano das escolas pode achar natural e suportável sem efeitos negativos para a qualidade do próprio desempenho.
A menos que se ache mesmo que é só agarrar nos papéis antigos e colocar-lhes outro frontispício (sim, esta sugestão não passou ao lado de algumas “formações”) e tudo se resolve em 10-15 minutos. Mas se é para levar a conversa da “Inclusão” a sério, cada aluno exige uma atenção que não se compadece com este tipo de pressas e análises à la minute. O trabalho correspondente a uma centena de alunos com medidas ao abrigo do dl 3/2008 nos anos anteriores não é uma conta simples de 100×15 minutos (e mesmo isso já seriam muitas horas). A situação de um aluno antes com CEI, a fazermos fé que é mesmo para analisar a sua situação “individual” e definir um plano “específico” (o RTP, o PEI, o PIT), implica horas de análise e trabalho, de professores e encarregados de educação e mobiliza uma série de outros recursos ou materiais de diagnóstico exteriores às escolas.
Quem não percebe isto, tem sérias necessidades de qualquer coisa ao nível da compreensão. Tem um défice proporcional a um desastrado voluntarismo ideológico.
Infelizmente, são pessoas assim que ou nos governam ou cortejam as que governam e delas conseguem os privilégios, tenças e leis à sua medida. O “interesse dos alunos” é apenas um pretexto.
Voltando ao princípio: a Fenprof tem razão? Tem. Fez alguma coisa em “tempo útil” para o evitar? Não. E até podia, porque esteve por “dentro” do processo que conduziu ao decreto.
Agora estamos a entrar no segundo mês de aulas e mais do que “caos nas escolas” temos uma situação de “limbo” para os alunos mais vulneráveis. A menos que, repito, ignoremos boa parte do dl 54/2018.
Mas Temos Um Défice de 0,2%!
Até parece que alguém na actual geringonça afirmou que havia vida para além do défice e que as pessoas é que importam.