Caos Calmo?

A Fenprof multiplica-se em denúncias acerca do “caos” que foi lançado sobre as escolas com a implementação apressada do dl 54/2018, emendando um pouco a mão em relação a posições anteriores. É bom recordar que a Fenprof teve, ao que parece, em conjunto com a Pró-Inclusão e gente do ME, o exclusivo em matéria de “formação” sobre o Novo Regime da Educação Inclusiva nos meses anteriores à publicação do diploma.

O “caos” era previsível pois era resposta corrente a muitas dúvidas em diversas formações que “depois”, quando fosse necessário aplicar a lei anunciada, “as escolas” acabariam por resolver as coisas. O David Rodrigues achou mesmo mais importante publicar o diploma e implementá-lo em regime beta durante todo um ano lectivo, do que fazer uma pausa, respirar, analisar bem as consequências das medidas e não andar apenas a reproduzir variações do mesmo powerpoint.

Nunca apreciei o carácter “permanente” que o dl 3/2008 exigia para que se definissem “necessidades educativas especiais”, assim como outros detalhes que, de início, serviram para reduzir muito o número de alunos abrangidos pelas medidas que permitiam a redução das turmas em que estavam inseridos. Mas a sua revisão parece padecer de um destes males (obrigar a uma “inclusão” para a qual não existem meios sem que, em muitos casos, se comprometa todo o equilíbrio do trabalho com as turmas e a própria estabilidade dos alunos) e cobrir tudo o resto com um manto mistificador que dá a entender que não existem “necessidades educativas especiais”, mas sim que são “específicas” ou “individuais”, numa espécie de salada semântica.

A aplicação em regime beta do dl 54/2018 é um erro que prejudica, antes de mais, os alunos e, num segundo momento, o funcionamento das escolas. A única maneira de defender o verdadeiro “interesse dos alunos” é ignorar boa parte do que a legislação mandou aplicar no dia seguinte ao da sua publicação. É o que fazem tod@s aquel@s que têm bom senso e escasso receio de inspecções punitivas.

A constituição de “equipas multidisciplinares” é feita de modo administrativo, não porque as pessoas têm mais ou menos formação para o efeito, mas por critérios burocráticos (vão três daqui, um dali, outro dacolá) e de “multidisciplinaridade” têm pouco, porque se limitam a juntar gente que está já nas escolas, sem quaisquer contributos externos permanentes, efectivamente “multidisciplinares”. Para além disso, essas equipas ficam, em muitos agrupamentos, com a missão de rever a situação de (muitas) dezenas de alunos que, na generalidade dos casos, a maioria dos elementos da equipa nem conhece directamente. O contributo dos professores titulares ou directores de turma só “remedeia” o erro de origem. Os elementos dessas equipas passaram a ter essa função em acumulação com outras anteriores, até por questões de inerência (caso dos elementos do CP, mas não só), o que acaba numa sobrecarga que só quem não vive o quotidiano das escolas pode achar natural e suportável sem efeitos negativos para a qualidade do próprio desempenho.

A menos que se ache mesmo que é só agarrar nos papéis antigos e colocar-lhes outro frontispício (sim, esta sugestão não passou ao lado de algumas “formações”) e tudo se resolve em 10-15 minutos. Mas se é para levar a conversa da “Inclusão” a sério, cada aluno exige uma atenção que não se compadece com este tipo de pressas e análises à la minute. O trabalho correspondente a uma centena de alunos com medidas ao abrigo do dl 3/2008 nos anos anteriores não é uma conta simples de 100×15 minutos (e mesmo isso já seriam muitas horas). A situação de um aluno antes com CEI, a fazermos fé que é mesmo para analisar a sua situação “individual” e definir um plano “específico” (o RTP, o PEI, o PIT), implica horas de análise e trabalho, de professores e encarregados de educação e mobiliza uma série de outros recursos ou materiais de diagnóstico exteriores às escolas.

Quem não percebe isto, tem sérias necessidades de qualquer coisa ao nível da compreensão. Tem um défice proporcional a um desastrado voluntarismo ideológico.

Infelizmente, são pessoas assim que ou nos governam ou cortejam as que governam e delas conseguem os privilégios, tenças e leis à sua medida. O “interesse dos alunos” é apenas um pretexto.

Voltando ao princípio: a Fenprof tem razão? Tem. Fez alguma coisa em “tempo útil” para o evitar? Não. E até podia, porque esteve por “dentro” do processo que conduziu ao decreto.

Agora estamos a entrar no segundo mês de aulas e mais do que “caos nas escolas” temos uma situação de “limbo” para os alunos mais vulneráveis. A menos que, repito, ignoremos boa parte do dl 54/2018.

14 opiniões sobre “Caos Calmo?

  1. Neste momento, o ambiente é mais ou menos este:

    Não há certeza de coisa nenhuma, não há directrizes claras e inequívocas por parte da tutela quanto à operacionalização das medidas e as formações sobre o tema aparecem como cogumelos no outono…

    Há formações por todo o lado (pagas e não pagas), mas cada uma delas, não vai além das generalidades do próprio decreto-lei e respectivo manual, deixando a convicção de que os esclarecimentos concretos ficam ao critério de cada formador@. Ou seja, ouvindo mais do que um@ formador@ sobre a mesma dúvida ou questão concreta as respostas até podem ser absolutamente divergentes… E isso, parece óbvio, é uma consequência da não clarificação por parte do ministério.
    Estamos, pois, no “reino dos achismos” e nada mais do que isso.

    E depois há a tutela. Pois… e aqui é que a coisa ainda se complica mais…

    Há dois dias, nos arrabaldes de Lisboa, no âmbito de uma sessão de esclarecimento sobre o decreto-lei 54, promovida por um hospital e que durou sensivelmente duas horas, a plateia (com cerca de 50 ou 60 pessoas) foi “brindada” com estas duas “pérolas”, por alguém que tem grande responsabilidade na DGESTE e que foi o principal orador:

    -“Não existem problemas de aprendizagem, o que existem são problemas de ensinagem”;

    – “Os docentes do Grupo 910 são excedentes dos outros grupos disciplinares”;

    – “Se um aluno com défice cognitivo transitou sempre de ano é porque o diagnóstico foi mal feito”.

    Estas afirmações, entre outras igualmente surpreendentes e abusivas, foram proferidas sem qualquer pudor e com grande à vontade.

    Se não tivesse ouvido, talvez duvidasse. Mas, infelizmente, ouvi…

    Quanto a esclarecimentos cabais e concretos sobre o decreto-lei 54, nem por isso…

    Declaração de interesses: Não sou professora, mas fiquei verdadeiramente chocada, sobretudo pela forma como os docentes ali presentes foram tratados (e eram a maioria).

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    1. Digo, redigo e volto a dizer : se olharmos para a lista de nomes que figuram no “manual”de aplicação do dito dec. 54, não podemos ficar surpreendidos com tamanhas enormidades vertidas nos normativos ou inconscientemente apregoadas ao vento por si e seus acólitos..Na generalidade, são pobres criaturas que , verdadeiramente, nunca souberam o que é estudar e a quem pateticamente foi oferecido este poder. Por pudor, ou para não ferir susceptibilidades, dispenso-me de especificar ou referir nomes. Como pessoas , vestem “girissimamente” bem, exibem umas fantásticas unhas artificiais ( de gel) , umas madeixas de último grito e mais umas bezuntadelas no rosto (pudera!). É este o “estado da nação”, com revolta o digo.

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      1. Digo mais: sem pinga de vergonha, e como mais não conseguiriam, limitaram-se a praticamente reproduzir o 3/2008 e juntar umas frases feitas retiradas daqui e dali. Agora, as escolas que se desunhem. Lamentável.

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    2. Matilde,

      o responsável da DGEstE deve ter dito o que disse numa espécie de fenómeno “espelho-reflexo” de si próprio.

      -“Não existem problemas de aprendizagem, o que existem são problemas de ensinagem.”
      De facto, pelo que diz que ouviu, o sr. orador é a prova de que há problemas de “ensinagem”. Olhe, ele é disso um bom exemplo. Não lhe conseguiu ensinar nada, certo? E já agora de aprendizagem também…, ao que parece de coisas elementares, como educação, ética, etc.

      Como responsável por um organismo do ME, o que proferiu sobre os professores é no mínimo desprezível.

      Adiante…

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    3. Esse “alguém” com responsabilidade na DGEST é certamente mais um acomodado às “burrocracias” e aos gabinetes, que não conhece a realidade das escolas, mas que contribui para a confusão e o caos instalado. É do tipo do louco que conduz em contra-mão na autoestrada e que, na sua perspectiva, todos os outros é que vão em sentido contrário… Enfim, é destes ignorantes que estão cheios os gabinetes… mas são eles que fazem as leis que infernizam os professores e as escolas!

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  2. E as novas papeladas para o PCT nas reuniões intercalares?!!!!

    Manuais de páginas e páginas para se preencher aquilo.

    Ok, não queremos sair do euro , impludamos por dentro.

    Não tem nada a ver 1 coisa com a outra, mas isto está tudo ligado e é mesmo parvo……..e hoje estou bem disposta.

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  3. Como Não há dinheiro para pagar trabalho extraordinário, então não haverá trabalho extraordinário!!! Já chularam muitos milhões à custa disto e ainda nos dão um valente pontapé no rabo! (Quanto mais se baixam a cueca mais se vê o rabo e, sem pingo de vergonha, continuam a contar com isso)

    Não há horas para reuniões, não há horas para pagar serviço extraordinário, então que não hajam reuniões…e…tudo o que tiver que ser… que seja contabilizado ao minuto!

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    1. F eu já olhei para algumas das Acomodações e “adorei”!
      Creio que se o ridículo sarasse as dificuldades de aprendizagem só a existência dessas acomodações seria suficiente para acabar com todas as dificuldades existentes nas nossas crianças. Enunciam-se estratégias que já qualquer professor com bom senso utiliza normalmente, coisas que com alguns anos de prática nos saem com a maior naturalidade e outras coisas que ou são estúpidas ou é colocar o professor a fazer tudo e quase aprender na vez da criança. Passo citar: Manter a proximidade ao aluno; Colocar “lembretes” na mesa do aluno, como por exemplo, listas de vocabulário, alfabeto,…; dar feedback contínuo; prestar atenção à iluminação do espaço da sala de aula…. são só algumas. Esta última… estando muitas escolas velhas e com má iluminação o que faz o professor nestas situações? Arranja o que o ministério deveria arranjar??
      E outras… acomodações ambientais : “estar perto/longe de distrações”; acomodações organizacionais: caixas para guardar materiais; rotinas de aprendizagem; motivacionais: apresentação de situações da vida real; uso do humor!!!!!!!!!!!!! Esta é que ri e bom rir.
      Resumindo este 54 para mim: algumas boas intenções e o resto uma grande montanha burocrática. O que me custa também é que em muitos casos isto está a ser completamente assimilado pelos colegas e quem critique que se cale para a reunião não ser ainda mais longa…

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  4. Plenamente de acordo com o texto e com as palavras do Paulo.
    Esta é a dura e triste realidade que se vive nas nossas escolas, no nosso sistema educativo que caminha gloriosamente para o abismo…
    O DL 54/2018 além de ser vago, confuso e inexequível na sua aplicação prática conduz a situações de falta de rigor, tornando pouco credível todo o processo.
    Sou de opinião que a sua aplicação e a sua implementação não é para levar a sério!
    No final do ano lectivo veremos o estado e os resultados reais (não os estatísticos…) da sua aplicação e implementação.
    Com a aplicação do DL 54 do DL 55 dá mesmo vontade de dizer: a “bagunça” continua…
    Mais uma vez, parabéns Paulo pelo texto que, repito, subscrevo na totalidade!
    Abraço.

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  5. “Diploma da inclusão é gémeo do da flexibilidade curricular. Se não funciona, o problema está na sala de aula.” SECosta dixit, 19/10.
    E sem direito a contraditório! 😈

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