(mais um “rascunho” de uma comunicação a apresentar daqui por umas semanas no CNE sobre Direitos Humanos)
Fala-se e escreve-se muito nos últimos tempos sobre Cidadania e a importância que tem a Educação para a sua promoção e para a formação de cidadãos responsáveis. No entanto, poucas vezes se fez tanto, em democracia, para a formação de uma nova geração de cidadãos incapazes de lidar com a multiplicação da informação disponível, através da desvalorização do Conhecimento e da promoção de “competências para o século XXI” que parecem pairar sobre um vazio imenso. Proclama-se a necessidade de uma Educação para o século XXI, mas despreza-se todo o trajecto cultural e científico que nos trouxe à actual era que se apresenta como sendo quase em exclusivo “tecnológica” e em que o contexto histórico é desprezado e os saberes “tradicionais” são assim qualificados como se isso fosse pejorativo.
Há perto de vinte anos, quando ainda a internet dava os seus segundos passos e era difícil imaginar como se fragmentaria e multiplicaria o panorama comunicacional global, Paul Virilio escreveria, com o pretexto do conflito no Kosovo, que “enquanto no passado eram a falta de informação e a censura que caracterizavam a negação da democracia pelo estado totalitário, o oposto é agora o caso. A desinformação é conseguida inundando os telespectadores com informação, com dados aparentemente contraditórios. A verdade dos factos é censurada pela sobre-informação (…). Agora, mais é menos. E em alguns casos é menos do que nada. A manipulação deliberada e os acidentes involuntários tornaram-se indistinguíveis” (Strategy of Deception. 2007, p. 48). E mais adiante acrescenta que “com a ‘libertação da informação’ na web, o que mais falta é significado ou, em outras palavras, um contexto em que os utilizadores da Internet possam colocar os factos e assim distinguirem a verdade da falsidade” (Idem, p. 78).
Nem sequer existe qualquer preocupação em elaborar um discurso coerente, pois aposta-se no efeito de apagamento que uma informação pletórica produza nos indivíduos. As “redes sociais” que se elogiaram como grandes responsáveis pela expansão das reivindicações democratizantes durante a “Primavera Árabe” são as mesmas que se diabolizam como estando “a matar a democracia” (Jamie Bartlett, The People vs Tech. 2018), em especial quando, quase ex nihilo, se descobre que elas podem amplificar o fenómeno das fake news, dos “factos alternativos” e da “pós-verdade” (Mathew d’Ancona, Post Truth – The new war on truth and how to fight back. 2017).
Combater a enorme mistificação em curso, em que se apresenta como “flexibilidade” o que é amputação, e como “autonomia” o que é a sujeição a uma lógica transnacional de truncagem curricular dos saberes “chatos”, “tradicionais” só se consegue com uma Educação verdadeiramente “integral”, em que esse termo não signifique exactamente o seu oposto. Uma Educação assente em saberes fundamentais e não em selecções arbitrárias de conteúdos “essenciais”. O caminho para uma Cidadania plena só pode ser feito através da capacidade para contextualizar e comparar a Informação. Isso só se consegue com alicerces sólidos, sem receio de nos erguermos, com humildade, sobre os “ombros dos gigantes” e não com a pretensão de sermos capazes de a cada dia, a cada momento, a cada aula, refazer todo um caminho já feito. Nada disto é uma recusa ludita da tecnologia ou dos suportes digitais. Muito pelo contrário, é saber apresentá-los e usá-los como mais uma ferramenta desenvolvida pelo espírito humano.
“O problema que tenho com alguma retórica sobre competências no século XXI é que, muitas vezes, diz para esquecermos o conhecimento, os factos, o saber. A criatividade não nasce no vazio.” (Daisy Christodoulou)
https://www.dn.pt/edicao-do-dia/01-nov-2018/interior/aprender-deve-ser-o-mais-divertido-possivel-mas-e-preciso-ser-honesto-e-admitir-que-ha-um-limite-10114460.html
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A pós-modernidade não reconhece “gigantes”: é tudo igual. Esse é o problema.
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Cidadania, promoção e formação de cidadãos responsáveis, flexibilidade, competências do século XXI, aprendizagens significativas/essenciais,etc. são tudo tretas! Desculpem a linguagem.
Têm trabalhado literalmente para o oposto. Só vai nestas balelas quem quer.
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Ana,
É mesmo a linguagem certa. Tretas mesmo .Balelas,tangas, vacuidades. Que servem apenas para enervar e fazer perder tempo. Triste mas real e verdadeiro.
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“Estamos a começar uma mistura explosiva entre poder e ignorância. Espero que não nos expluda na cara”, disse Carlos Fiolhais na Torre do Tombo, em Lisboa, na abertura do ciclo de conferências “Mês da Educação e da Ciência – Para Aprender ao Quadrado”
In educare.pt
Seria engraçado estabelecer uma relação entre as duas coisas: poder e ignorância… ignorância e poder…😉
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Uma mistura explosiva de poder e ignorância que nos vai explodir na cara? Já aí está. Com o rebaixamento da exigência nas escolas públicas, multidões de alunos mal preparados seguiram para as universidades e politécnicos. Aqui chegados, os professores viram-se obrigados a passa-los para garantirem os seus postos de trabalho. Agora esses ignorantes encartados, muitos com um cartão partidário, já estão em lugares de decisão e é de esperar o pior, como se pode ver na recente legislação vinda do me.
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Exactamente!
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