Por acidente, ligo por vezes o rádio na TSF quando estão por lá algumas das criaturas políticas que mais me arrepiam os neurónios. O programa de hoje voltou a juntar o ex-senhor feudal Carlos César com o vice laranjinha e ex-ministro interrompido da Educação David Justino, cada um deles com uma faceta de uma insuportável hipocrisia em relação à questão do tempo de serviço dos professores, simulando uma diferença de opiniões que não existe, sendo que cada um diz o que a cartilha do momento lhe aconselha, por questões de táctica política.
David Justino tem a obrigação de saber que o Parlamento é o centro do poder legislativo e que o que afirmou no programa (Qualquer solução para os professores saída da Assembleia “arrisca-se a ser inconstitucional”) é um completo disparate e tanto mais grave em alguém que gosta de apontar imprecisões bem menores a outros. Gostava de saber onde estava David Justino quando em outros tempos o PSD alinhou em interferências bem mais evidentes nas competências do poder executivo (o chumbo do PEC IV foi o quê? não está em causa a bondade, mas a questão formal… mas esse é apenas um exemplo entre muitos possíveis). O PSD e o próprio Justino têm nesta matéria dito quase tudo e o seu contrário, porque querem ganhar votos, mas sem se comprometerem seja com o que for. Talvez gente muito distraída vá na conversa, mas – repito com todas as letras – o Parlamento é a sede do poder legislativo e o Executivo responde perante o Parlamento e não o contrário.
Quanto a Carlos César foi de um desplante enorme ao afirmar que se o problema fossem só os professores, já tudo estaria resolvido. É absolutamente insuportável ouvir este senhor dizer “que o país não ia colapsar” se o Governo despendesse 490 milhões de euros para repor os nove anos, quatro meses e dois dias que os professores exigem, mas a resposta teria de ser a mesma para todas as classes ligadas à função pública que viram as suas carreiras congeladas.” Nem os valores são os que ele afirma, nem é aceitável que seja a mesma pessoa que, com outro interlocutor, no mesmo programa, há menos de ano e meio afirmasse que estava à espera de um acordo para breve.
Sim, se o país não colapsa com milhares de milhões a cada esquina para salvar bancos que nunca ficam salvos até nova injecção de capital, muito menos colapsaria se devolvesse aos professores o tempo que efectivamente trabalharam. O descrédito da classe política passa por aqui, por gente que passa por “senador” de uma República de que se apropriaram e na qual gozam de uma total impunidade, digam o que disserem, não façam o que não fizerem.
Um afirma que é “inconstitucional” o Parlamento legislar. O outro que o problema são os polícias, os magistrados, etc, etc. Querem ser levados a sério? Acaso se levam a sério? Ou apenas dão palmadinhas nas costas um do outro, felizes com a convergência implícita. Isto não é cortesia argumentativa, é falta de decoro à vista de todos.
Tudo demasiado mau para ser verdade. O problema é que é. 😦
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E as contas apresentadas ontem no Jornal das 8 da TVI? Para além dos 1000 milhões para os professores, aquele somatório pareceu-me “estranho”…no mínimo! E o pivot conseguiu ler aquilo tudo sem se rir.
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Boa análise Guinote.
Tive a mesma reação interior quando os ouvi falar na radio enquanto ia no carro.
São intelectualmente desonestos e só pessoas pouco atentas não pensam igual.
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A impunidade por parte de quem tem (basta algum) poder político é uma das principais causas da nossa indigência democrática. Redunda inevitavelmente em abusos. Associada à falta de cultura humanista, de sensibilidade social e crítica dos media, produz ditadores idiotas. Certinho!
É preciso discutir a justiça.
Quanto a esses dois personagens, mudo de canal. Dois parolos com alguma visibilidade e influência. Um deles incha demasiado com as câmaras e os microfones.
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